quinta-feira, 29 de julho de 2010

A Lei do Arizona



Nesta quinta entrou em vigor nos EUA a nova e controversa lei de imigração do estado do Arizona. Contudo, ontem um tribunal federal determinou que ela será aplicada sem seus artigos mais polêmicos, em especial aqueles relacionados à repressão policial. A batalha judicial promete ser longa, amarga, arrastar-se até a Suprema Corte e galvanizar a oposição dos conservadores ao presidente Barack Obama nas eleições legislativas de novembro.

O objetivo da lei de imigração do Arizona é criar mecanismos mais eficazes para identificar e deportar imigrantes ilegais, que passam a ser considerados como criminosos. O ponto mais explosivo é a autorização da polícia para exigir documentos migratórios, algo que os estrangeiros que vivem no estado acreditam que irá levar a um surto de xenofobia e racismo oficial. A Igreja Católica a chamou de “nazista”.

O Arizona faz fronteira com o México e os latino-americanos são os principais grupos de estrangeiros no estado. O medo da lei tem levado a problemas econômicos consideráveis, inclusive migrações internas, com alguns imigrantes trocando o Arizona por outros estados, e negócios que dependem dos latino-americanos perdendo clientes. As relações com o México também se deterioraram, em especial porque a crise da segurança pública naquele país impactou negativamente no Arizona.

Obama criticou a lei desde o início, afirmando que ela contraria os valores dos Estados Unidos. Mas para enfrentar o furor anti-imigração, respondeu aumentando o número de deportações, que alcançou espantosos 400 mil por ano - mais do que George W. Bush. O Partido Republicano apoiou fortemente a lei e a pressão levou até moderados como John McCain a mudar de posição e passar a defendê-la. A ministra da Segurança Interna de Obama havia sido governadora do Arizona e vetado legislação semelhante, de modo que a nova lei mostra a direção para a qual os ventos sopram.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Afeganistão: os documentos secretos



O site Wikileaks divulgou 90 mil documentos militares secretos sobre a guerra no Afeganistão. A operação foi conduzida em parceria com os jornais New York Times (EUA), The Guardian (Reino Unido) e com a revista Der Spiegel (Alemanha), e obteve enorme repercussão internacional. As fontes trazem uma revelação surpreendente: a de que os Talibãs adquiriram mísseis terra-ar (SAM, no jargão das Forças Armadas) e usaram esse equipamento para abater um helicóptero. Os demais dados são menos espetaculares, mas pintam retrato mais sombrio da guerra no que diz respeito ao número de vítimas civis do conflito, aos erros cometidos pelas tropas da OTAN e ao apoio dos serviços de inteligência do Paquistão aos insurgentes. A divulgação dos documentos vem num momento politicamente delicado, com a terceira mudança do comandante da guerra em um ano, e diversos problemas para o governo dos Estados Unidos com relação ao aparato de segurança construído a partir do 11 de setembro.




O inferno astral de Barack Obama no Afeganistão começou no fim de junho com a polêmica entrevista do general Stanley McChrystal à revista Rolling Stone, na qual o militar faz declarações agressivas e desrespeitosas a praticamente toda a cúpula política e diplomática do governo americano. Resultado: McChrystal foi exonerado, e para seu lugar foi enviado o general David Petraeus, que havia tido excelente desempenho no Iraque. Mas o estrago já estava feito, com a quebra da disciplina e o fato – raro, nos EUA – de um alto oficial militar criticando publicamente seus superiores civis.

Poucas semanas após a entrevista explosiva de McChrystal, foi a vez do Washington Post publicar longa investigação sobre o crescimento dos serviços de inteligência dos Estados Unidos após o 11 de setembro. As conclusões do jornal são sombrias: a expansão da burocracia no setor aconteceu sem controle (1.271 organizações), criando uma ampla zona cinzenta de ação governamental sem supervisão adequada, e com muitas empresas privadas (1.931) executando serviços na área, em contratos eticamente duvidosos.

Na TV brasileira, tivemos a excelente entrevista do historiador Chalmers Johnson ao programa Milênio, da GloboNews, na qual ele analisa o cenário atual e comenta que os governantes dos EUA se tornaram muito dependentes dos militares de carreira, em função das guerras no Afeganistão e no Iraque, e que isso estaria gerando um sentimento de arrogância e superioridade nas Forças Armadas – o próprio Johnson foi oficial da Marinha e analista da CIA. Ele compara o fascínio dos Estados Unidos com generais cheios de medalhas ao tipo de atitude que se encontra numa República de Bananas.

Me pergunto se essa sucessão de crises não levará a alguma forma de novo olhar da sociedade americana sobre o aparato militar e de segurança do Estado. Tomara que sim.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Crescente e Estrela



Semanas atrás chegou um pacote de livros sobre Oriente Médio que eu havia encomendado na Amazon e um dos mais interessantes nessa leva foi “Crescent and Star: Turkey between two worlds“, do jornalista americano Stephen Kinzer, que chefiou a sucursal do New York Times na Turquia. Se você está interessado nas mudanças recentes desse importante país, é o livro ideal – certifique-se apenas de que comprou a 2ª edição, atualizada, que incorpora as análises sobre as transformações ocorridas a partir da década de 2000.

A República turca foi fundada sobre os escombros do império otomano, pelo bem-sucedido general Mustafá Kemal, que derrotou as forças de ocupação ocidentais. Ele depôs o sultão e reconstruiu o país em bases seculares, num dos mais impressionantes esforços de modernização do século XX. Em grande medida, alcançou seus objetivos: a Turquia é uma nação bastante dinâmica do ponto de vista econômico, uma potência emergente que em nada lembra o “homem doente da Europa”, como era chamada a velha monarquia otomana.

Contudo, o Estado refundado por Kemal tinha problemas sérios. O guardião do caráter laico do poder público era o Exército, que exerceu uma tutela autoritária sobre a sociedade. Após a Segunda Guerra Mundial, a frágil democracia turca sofreu uma série de golpes militares, sobretudo quando as Forças Armadas acreditavam que um determinado líder político queria implementar leis islâmicas no país. A eclosão da Revolução Iraniana só tornou esses medos ainda mais agudos.



A partir da década de 1990 a Turquia realmente se democratizou, movida pelas pressões de sua classe média em ascensão e pelo desejo de se integrar à União Européia. O processo nunca foi fácil nem rápido, sofrendo muitos obstáculos. Além dos conflitos religiosos, a longa rebelião dos curdos no sudoeste do país resultou em horrendas violações aos direitos humanos. Tragédias anteriores, como o genocídio dos armênios durante a I Guerra Mundial, tampouco foram resolvidas.

Os últimos anos, sob o governo do partido Justiça e Desenvolvimento (AK) foram revolucionários em dois aspectos. Primeiro, pelos esforços do primeiro-ministro Recep Erdogan em estabelecer uma linha política que incorpore o islamismo moderado à vida pública turca. Segundo, pela guinada diplomática da Turquia, de voltar a privilegiar os laços com os vizinhos no Oriente Médio e no Cáucaso.

Kinzer é um entusiasta da Turquia, que ele chama de “o país mais interessante do mundo” e seu carinho pela cultura local é evidente no livro. Ele se mostra simpático inclusive ao AK, embora permaneça cético quanto à nova diplomacia turca. Curioso, uma vez que a Turquia tem fortes tradições e vínculos com a região vizinha, e faz todo o sentido que ela seja importante, ainda mais dadas as crises constantes na área e o fortalecimento da economia.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

CSI: Caracas



Na América Latina se morre de muita morte morrida, e de alguma morte matada, mas ninguém perece por causa do tédio. A notícia mais pitoresca dos últimos dias foi a decisão do presidente da Venezuela em exumar os restos mortais de Simon Bolívar para comprovar uma hipótese lançada recentemente por cientistas da Universidade de Maryland, nos EUA: a de que o Libertador teria sido envenenado por arsênico, em vez de ter falecido em decorrência de tuberculose, como em geral se acredita.

A obsessão política de Chávez com Bolívar é bastante conhecida, mas não é tão difundida sua fixação com a morte. Segundo seus biógrafos, o presidente venezuelano acredita com fervor que será assassinado. Descobrir que seu maior ídolo teve um fim semelhante com certeza um impacto psicológico forte sobre Chávez, reforçando suas crenças com respeito a seu suposto destino trágico.

A vida de Bolívar parece uma transposição americana de um dos romances de capa e espada de Alexandre Dumas, e ele sobreviveu a uma série de conspirações, intrigas e tentativas de assassinato – a mais famosa foi um ataque noturno a sua casa, da qual ele escapou pulando pela janela, enquanto sua amante enganava os inimigos. É verossímil, embora não seja provável, que ao fim um adversário mais ardiloso o tenha envenenado.

Se isso for verdade, o impacto político é nulo. As disputas pelo poder na Grã-Colômbia das décadas de 1820 e 1830 podem ser leituras fascinantes, mas não impactam para o atual estado das relações entre Chávez e Uribe, para a agenda da ALBA ou para a próxima rodada de retórica entre a Venezuela e os EUA.

Curiosamente, não é a primeira vez que tiram Bolívar de seu descanso eterno. Na década de 1970, um grupo armado colombiano, o M-19, roubou a espada do Libertador de um museu e anunciou que “retomava sua luta” – pleito que terminou num trágico atentado terrorista, a tomada da Suprema Corte da Colômbia, com dezenas de mortos. Passou pelo traficante Pablo Escobar e pelo governo cubano. As FARCs agora alegam ter outra das espadas do líder.
Faltam boas biografias em português de Bolívar, mas para os que se interessam pelo personagem recomendo os trabalhos do historiador David Bushnell.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Ressurreição



A Cosac e Naify publicou uma nova edição de “Ressurreição”, o último grande romance de Liev Tolstói, pela primeira vez traduzido diretamente do russo para o português. O mestre é um dos meus escritores favoritos e este livro é de qualidade excepcional.

Ao participar como jurado no caso de uma prostituta acusada de assassinar um cliente, um aristocrata descobre que a ré é a ex-criada que ele seduziu e abandonou, grávida. Ele cai numa crise de culpa e se oferece para casar com ela e acompanhá-la à Sibéria, onde ela deve cumprir pena de trabalhos forçados, por conta de um erro judicial. O enredo foi baseado num acontecimento verídico, contado a Tolstói por um famoso advogado da época, que também sugeria tramas a Dostoiévski.

O príncipe Dimitri Nekhliúdov, protagonista de “Ressurreição”, tem elementos do próprio Tolstói e já havia aparecido em esboços autobiográficos do autor. É um dos “homens supérfluos” que povoam a literatura russa. Um aristocrata ocioso que passou por várias fases em sua vida: estudante idealista, simpático às idéias radicais de reforma social, serviço militar nos Regimentos da Guarda (restritos à elite, pois conviviam com a família imperial) e por fim uma existência de luxo e dissipação,que ele coloca em xeque ao reencontrar Kátia no tribunal.

O romance faz um belíssimo flashback para contar como Dimitri e Kátia se apaixonaram na juventude, quando ela trabalhava como criada na fazenda das tias do rapaz, onde ele passava férias. A descrição do amor romântico de ambos é linda, e marca o contraste quando Dimitri, já corrompido pela vida no Exército, seduz a moça.

Ao envolver-se novamente com ela, o aristocrata mergulha no mundo das prisões e do sistema judiciário do fim do império czarista e acaba se tornando amigo e admirador dos presos políticos, pertencentes aos vários grupos socialistas da época ("as melhores pessoas na sociedade russa atual") e dos dissidentes religiosos. Tolstói dá uma demonstração de maestria literária impressionante, descrevendo em detalhes os ambientes mais diversos: dos gabinetes dos altos funcionários em São Petersburgo, onde Dmitri vai pleitear por Kátia e seus amigos, à realidade sórdida e difícil das diversas masmorras do Império: a Fortaleza de Pedro e Paulo, prisões provinciais e os cárceres na estrada para a Sibéria.

O interesse de Tolstói pelo tema ia além do literário. “Ressurreição” foi escrito ao fim do século XIX, quando ele havia quase abandonado a literatura de ficção e se dedicava a uma série de causas sociais, em particular a defesa de seitas religiosas que desafiavam a Igreja Ortodoxa, oficial. O romance foi pensado como um modo de arrecadar dinheiro para essas organizações.

As análises de Tolstói sobre a decadência das instituições russas, e o modo como se tornaram instrumentos para os interesses da aristocracia são impressionantes, bem como a narrativa dos caprichos, vaidades, pequenas e grandes corrupções da elite.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Cooperação Internacional à Brasileira



A mais recente edição da Economist publicou ótima reportagem sobre o aumento da cooperação internacional do Brasil, estimando-a em US$1,2 bilhões anuais, sem contar os créditos do BNDES. É uma quantia expressiva, semelhante àquela despendida pela China. Embora eu discorde de algumas das interpretações e imprecisões do artigo, o tema é muito bom, e merece um contexto político mais abrangente.

Historicamente, o cerne da cooperação do Brasil são os países mais pobres da América do Sul e as nações africanas de língua portuguesa. Em circunstâncias normais, a maior parte da ajuda externa brasileira vai para Estados como Angola ou Paraguai. Mas desde 2004, com o início da participação do Brasil na missão da ONU no Haiti, o pequeno país caribenho se tornou o destino da maior parte desses recursos, com freqüência em arranjos triangulares que incluem doadores como o Canadá ou membros da União Européia.

Por tradição, a cooperação internacional brasileira se concentra em atividades intensivas em recursos humanos, mas que exigem relativamente pouco investimento em capital, como treinamento de professores ou técnicos governamentais. Outra vertente, que tem crescido nos últimos anos, é aquela baseada na difusão de políticas públicas, como as de combate à AIDS, enfrentamento da fome ou desenvolvimento agrícola.

Contudo, há problemas bastante sérios na cooperação internacional brasileira. Um deles é a legislação obsoleta, que em grande medida data da década de 1950, uma época em que o país recebia ajuda externa, mas pouco a concedia. Por conta disso, é praticamente impossível ao governo doar bens de capital para outros países. Outra dificuldade é coordenar as iniciativas entre os diversos ministérios e dos órgãos paraestatais (Senai, Sebrae tc) envolvidos com cooperação internacional, para evitar desperdício de recursos e manter o foco nos objetivos políticos.

Outro tema – não abordado pela Economist – é o papel que as Forças Armadas brasileiras podem desempenhar nas políticas de cooperação. Os militares do Brasil sempre associam a segurança à necessidade de ações cívico-sociais (ACISOS), vinculadas à busca pelo desenvolvimento. Por exemplo, eles têm realizado experiências interessantíssimas com o futebol nas favelas do Haiti, usando o esporte como maneira de conquistar a confiança das populações locais, em áreas ocupadas por tropas brasileiras.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Casamento Gay na Argentina



Ontem a Argentina se tornou o primeiro país da América Latina a permitir o casamento gay e a adoção de crianças por casais homossexuais. A medida foi fruto de inusitada conjuntura: os Kirchner procuravam uma questão controversa que provocasse um debate polarizado e mostrasse que eles ainda são capazes de vencer no Congresso após o fiasco da derrota de sua proposta de aumento dos impostos sobre a exportação agrícola.

Mas a tendência na região é por maior tolerância nas questões de orientação sexual. Na Cidade do México, o casamento gay também é permitido, na Colômbia, a vigência de uniões civis e a jurisprudência têm garantido direitos como pensões e benefícios médicos a conjugues homossexuais, no Uruguai e no Equador são permitidas a união civil entre gays e no Brasil o estado do Rio Grande do Sul autoriza “união estável” entre homossexuais. As Paradas do Orgulho Gay estão entre as maiores manifestações do país.

Na Europa e nos Estados Unidos, o tema dos direitos dos homossexuais surgiu com força com os movimentos sociais da década de 1960 – o filme “Milk” conta essa história de modo admirável - mas nas Américas as mudanças têm sido mais lentas do que no Velho Mundo.

É de se esperar que a decisão da Argentina repercuta rapidamente no Brasil. Os dois principais candidatos à presidência da República já se declararam favoráveis a implementar a união civil entre homossexuais e é provável que o Congresso siga pelo mesmo caminho, apesar da objeção das igrejas.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Tetro



Assisti em DVD a “Tetro”, o novo filme de Francis Ford Coppola, que o veterano diretor apresentou no Festival de Cannes de 2009. É um trabalho magistral sobre as rivalidades e segredos dos Tetrocini, uma dinastia de músicos e escritores, numa história que atravessa os Estados Unidos e a Argentina. Impossível não pensar na saga familiar dos Corleone, da célebre triologia d´”O Poderoso Chefão”, e na própria história dos Coppola, repletos de cineastas, atores e músicos. O diretor afirmou sobre o filme que “nada é autobiográfico e tudo é verdadeiro”. Acredito.

O filme é ambientado na Argentina, entre Buenos Aires e a Patagônia. O cenário é essencial, porque engloba a ascendência italiana da família e o rico ambiente cultural de música, literatura e teatro no qual circulam os personagens. O enredo: um adolescente chega à cidade para visitar o irmão mais velho, que não vê há mais de 10 anos, e por quem é fascinado. Ambos são filhos de um maestro respeitadíssimo, uma celebridade musicial, mas que com freqüência é autoritário e manipulador. O primogênito é um escritor frustrado que tentou colocar no papel, sem sucesso, as frustrações na relação com o pai e as mágoas e segredos da dinastia. A chegada do caçula será o catalizador para que todos esses problemas latentes venham à tona, num processo doloroso e sofrido, mas também com grande potencial redentor.

Coppola já tem mais de 70 anos, mas filma com o entusiasmo de um estreante – e a segurança de um velho mestre. Ele declarou que “Tetro” é seu primeiro “filme de autor”, e de fato é apenas a terceira vez em que é também o autor do roteiro. Filmado em preto-e-branco, com flashbacks em cor, falado majoritariamente em espanhol, não é uma obra para grande circuito, mas é um presente e tanto para os fãs de Coppola. E de bom cinema, em geral.

O elenco é muito bom. No papel do primogênito está o ator Vincent Gallo, excelente. Sua namorada, uma psiquiatra que se apaixonou por ele ao atendê-lo no projeto da rádio “La Colifata”, é vivida pela musa do cinema espanhol, Maribel Verdú. O pai-patrão é Klaus Maria Brandauer (o astro de “Mefisto” e “Coronel Redl”, presença saudosa nas telas) e o irmão caçula, Alden Ehreinreich (parece Leonardo di Caprio no início da carreira). Em pequenos papéis, temos Carmem Maura, Leticia Bredice e Rodrigo de La Serna.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Brutalidade Jardim



Assisti a uma excelente palestra de Cristopher Dunn no congresso da Associação de Estudos Latino-Americanos, no Canadá. Ele falou sobre o artista plástico Hélio Oiticica. Por isso, foi com entusiasmo que li seu recém-lançado “Brutalidade Jardim: a Tropicália e o surgimento da contracultura brasileira”. Dunn analisa com paixão e maestria a vibração cultural do Brasil em 1967/1968, e os impactos dessa renovação para a cena artística contemporânea.

O movimento tropicalista abarcou vários gêneros, com força no cinema (“Terra em Transe”, de Glauber Rocha), artes plásticas (Hélio Oiticica, Rubens Gerchman), teatro (o Grupo Oficina, de José Celso Martins Corrêa) e, sobretudo, música (Caetano Veloso, Gilberto Gil, Mutantes, Tom Zé). Dunn trata principalmente dos músicos, ressaltando as vinculações de sua obra com a produção de outros artistas.

A Tropicália surgiu de um fértil diálogo entre as vanguardas culturais de São Paulo e um grupo oriundo da Universidade da Bahia, cujos departamentos dedicados às artes tiveram brilhante desenvolvimento nas décadas de 1950/1960, com excelentes professores que fomentaram a criatividade de alunos como Glauber, Caetano e Gil.



Em comum: a rejeição ao autoritarismo e à ditadura militar, mas também o desconforto com as posturas tradicionais da esquerda. Os tropicalistas fizeram a opção pela paródia, pelo humor, com colagens, referências múltiplas que não tinham medo do mau gosto. Reinventaram a “antropofagia” de Osvald de Andrade, que tinha sido tão importante no início do Modernismo – a montagem do “Rei da Vela” pelo Teatro Oficina foi o marco desse processo.

Ouvir o disco “Tropicália ou Panis et circensis” é uma experiência arrebatadora, comparável a escutar “Sgt. Peppers” dos Beatles ou “Dark Side of the Moon” do Pink Floyd, e seu lançamento marcou uma geração, numa época em que parte dos nacionalistas culturais brasileiros ainda resistiam à implementação das guitarras. Os vínculos internacionais dos tropicalistas foram reforçados quando Caetano e Gil tiveram que se exilar em Londres, e entraram em contato com a contracultura européia e com os novos ritmos que despontavam nas comunidades de imigrantes caribenhos, como o reggae.

Na interpretação de Dunn, a Tropicália surgiu como resposta ao esgotamento de diversos modelos, do pacto político populista que ruiu com o golpe de 1964, mas também da canção de protesto oriunda dos movimentos sociais das décadas de 1950/1960. Os tropicalistas levantavam outras questões: ambigüidade sexual, identidade, minorias étnicas. Os primeiros pós-modernos brasileiros? Talvez, embora não gostem do rótulo.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Os 52 de Cuba



Uma bem-sucedida mediação do governo da Espanha e do Vaticano resultou na libertação de 52 presos políticos em Cuba. O resultado da negociação lança a pergunta: por que os países latino-americanos, aliados importantes das autoridades cubanas, não empreenderam um esforço semelhante?

Os espanhóis e a Igreja Católica tiveram sucesso porque o governo de Cuba precisava oferecer um gesto de boa vontade à comunidade internacional após a morte de um preso político em razão de greve de fome, no início deste ano. A mediação do Vaticano já tinha dado bons frutos anteriormente: Fidel Castro libertou 101 pessoas em 1998, quando o papa João Paulo II visitou Cuba. Além disso, a Igreja patrocina diversas ONGs e movimentos sociais que pressionam pela democratização cubana, em particular o Projeto Varela.

Há um contraste significativo entre a posição da Espanha e do Vaticano e as ações dos demais países da América Latina, que evitam criticar as violações dos direitos humanos pelo governo cubano e pleiteiam o retorno de Cuba ao sistema inter-americano, em instituições como o Grupo do Rio e a OEA.

A meu ver, há duas razões para o comportamento latino-americano.

A primeira é o forte referencial simbólico que a Revolução Cubana continua a ter para grupos da esquerda em toda a região, por seu apelo de reforma social, autonomia nacionalista e solidariedade entre países em desenvolvimento.

A segunda são os vínculos que as autoridades cubanas construíram com boa parte das lideranças da América Latina, sobretudo durante o período do enfrentamento às ditaduras militares do continente, nas décadas de 1960/80. Muitas pessoas nas atuais cúpulas dos partidos e dos movimentos sociais receberam ajuda da ilha: asilo, bolsas de estudos, treinamentos militares, prêmios culturais.

Mesmo após as libertações desta semana, restam pouco mais de 100 presos políticos em Cuba. É difícil acreditar que essas pessoas representem ameaças à segurança do regime cubano, ao Estado, a seja lá o que for. Será que não é possível uma solução negociada, com a intermediação dos países latino-americanos, para chegar a um acordo que resolva esse problema humanitário, que ademais é uma constante fonte de desgaste político para Cuba?

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Eleições no México



O principal partido de oposição, o PRI, foi o vencedor das eleições de domingo para os governos estaduais do México, numa disputa marcada pela violência e encarada como um plebiscito para a política de guerra às drogas do presidente Felipe Calderón. As estimativas iniciais são de que o PRI deve vencer em 9 dos 14 estados onde houve votações.

Contudo, o PRI sofreu três derrotas relevantes. Oaxaca, palco de uma sangrenta rebelião popular há quatros anos, e Puebla e Sinaloa, dois dos estados onde a guerra às drogas tem mais força.

A política de segurança pública lançada pelo presidente Calderón tem sido a do enfrentamentos entre autoridades – inclusive o Exército – e os traficantes, num saldo de cerca de 25 mil mortos desde 2006. Muitos líderes políticos, policiais, promotores e juízes foram assassinados ou seqüestrados. Na campanha aos governos estaduais, dois candidatos foram baleados.

O colapso da segurança no país se tornou uma questão complexa para suas relações com os Estados Unidos. O norte mexicano é uma das zonas mais violentas do país, com diversos crimes ligados ao tráfico, contrabando, migração ilegal etc. A situação é particularmente séria nas cidades de fronteira com o Texas e o Arizona.

À violência, se somam os problemas da crise econômica, que atingiu o México com bastante força, e mesmo o da falta de legitimidade de Calderón, que assumiu a presidência em meio a denúncias bastante sérias e verossímeis de fraude.

Por conta disso, as eleições de ontem são vistas como uma importante prévia para a disputa presidencial em 2012. O partido de Calderón, o PAN, governa o México desde 2000, quando sucedeu o longo e corrupto domínio de 70 anos do PRI. A disputa atual trouxe um alerta importante para o PAN: o partido só venceu nos estados em se coligou com a esquerda (PRD) para enfrentar os priistas.

Costurar uma aliança desse tipo para as eleições presidenciais será bastante difícil. O PAN é um partido extremamente conservador, e as feridas não-cicatrizadas das denúncias de fraude também pesam contra a aproximação com o PRD.