sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A Cúpula do Mercosul em San Juan



Muitos alunos têm me perguntado o que irá acontecer com o Mercosul, em particular caso a oposição vença as eleições presidenciais brasileiras. O bloco perdeu importância e enfrenta problemas sérios, mas a recente Cúpula de San Juan, realizada nesta semana, marcou avanços importantes. Primeiro, foi finalmente aprovado o Código Aduaneiro do Mercosul, que entre outras coisas elimina a dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC). Explico: Além um produto que era importado, digamos, pelo Brasil, pagaria novamente a tarifa quando ingressasse no Paraguai. Era necessária coordenação entre as autoridades alfandegárias para eliminar o problema. Agora, parece que isso acabou. A ver.

Mas a TEC continua a apresentar dificuldades. Os países do bloco supostamente cobram os mesmos impostos de importação para produtos que vem de fora de sua área geográfica, enquanto entre eles a maioria das mercadorias circula livremente (há exceções importantíssimas, como automóveis e açúcar). Mas há variações na TEC. Uruguai e Paraguai têm mais flexibilidade nela, e a Argentina a modificou na marra e impôs proteções extras aos parceiros, em meio às suas turbulências políticas e econômicas.

Os membros do Mercosul acordaram em San Juan beneficiar o Haiti com tarifas de importação mais baixa. A idéia tinha sido lançada pelo Brasil há alguns meses, e o objetivo era fazer algo parecido com o HOPE Act, por meio do qual os Estados Unidos abrem seu mercado para as exportações haitianas. Sobretudo de têxteis e vestuário, que chegaram a ser uma atividade econômica importante no país, antes das sanções da década de 1990. Difícil prever se o Haiti pós-terremoto poderá se beneficiar das oportunidades no Cone Sul. Fica a torcida.

O Mercosul acordou em San Juan um tratado de livre comércio com o Egito. É o segundo que o bloco assina com um país de fora da América Latina – anteriormente, só havia um com Israel. O Egito é um mercado promissor para o agronegócio da região, e o acordo pode ser uma porta de entrada importante para aumentar os negócios com o mundo árabe.

Brasil e Argentina também aprofundaram entendimentos na área nuclear. O presidente Lula aproveitou a ocasião para defender o direito iraniano a um programa nuclear pacífico. Acredito que o discurso foi motivado pela determinação em manter o diálogo com o governo Ahamadinejad com respeito à libertação de Sakineh Mohammadi Ashtiani, a mulher condenada à morte por apedrejamento por supostamente ter cometido adultério, e a quem o Brasil ofereceu asilo.

A Argentina tem apoiado a mediação brasileira nas crises envolvendo o Irã, apesar das autoridades da República Islâmica terem patrocinado dois terríveis atentados em Buenos Aires, na década de 1990, que destruíram a embaixada de Israel e a organização judaica AMIA. A Interpol tem mandatos de prisão para vários dirigentes iranianos, inclusive para o atual ministro da Defesa.

8 comentários:

Mário Machado disse...

Dr,

Os fatos que vc relaciona no último parágrafo sempre foram meu principal argumento para não ter relações de alto nível com o Irã. Isto é, sempre fui contra o Brasil empresta legitimidade ao Irã, ainda mais pq os negócios entre os dois países não precisam disso para continuar a acontecer.

O MERCOSUL caminha para se tornar uma area de livre comércio quem sabe daqui alguns anos será assim, depois quem sabe um mercado comum. O problema é que enchem o MERCOSUL de pendulicários.

Abs,

Maurício Santoro disse...

Salve, Mário.

Entendo que o Brasil dê atenção ao Irã pela importância do Oriente Médio, o que surpreende é a aquiescência da Argentina a essa atitude. Segundo meus amigos argentinos, a decisão dos Kirchner vem das próprias dificuldades da justiça local com os processos do terrorismo em Buenos Aires.

Acho que é uma explicação válida, mas penso que pesa muito também a enorme relutância dos governos argentinos de definir, no fim das contas, quais são os interesses nacionais e a agenda externa do país.

abraços

Mário Machado disse...

Dr,

Como vc bem sabe há quem atribua essa inação a um antissemitismo latente no peronismo (e suas "infinitas" vertentes)

Rafael Silva disse...

Prof, desculpe pela ignorância...
Mas não tem possibilidades do Brasil tentar manter essa diplomacia com o Irã, pensando em dividir conhecimentos sobre energia nuclear ?

Lembro-me que o Brasil tem um interesse secreto na tecnologia desde os tempos de ditadura.

Maurício Santoro disse...

Salve, Freitas.

Quando o Brasil voltou a ser uma democracia, modificou diversos elementos do programa nuclear, incluindo o "programa paralelo" dedicado aos fins belicos.

Teoricamente, claro, seria possivel pensar em cooperacao nuclear com o Ira, mas os custos politicos seriam muito, muito altos.

abracos

Marcelo L. disse...

Prezado Mauricio,

Teoricamente poderia ser,agora na prática o programa atual tem muita participação da Marinha e USP. Dois setores que ninguém vai colocar seu pescoço em algo ilegal. Agora qualquer tentativa de assinar o adicional do TNP é bem mau vista, beira a traição dependendo da pessoa.

Marcelo L. disse...

Prezado Mauricio.

Já, ia me esquecendo mas Parabéns pela analise hoje na globones

Maurício Santoro disse...

Salve, Marcelo.

Bem lembrado, difícil acreditar que a Marinha embarcaria em algo conjunto com o Irã.

Obrigado pelo comentário sobre a Globonews, se o canal disponibilizar o vídeo, coloco o link para ele por aqui.

abraços