sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O Caso Sakineh Ashtiani



Nesta semana tive tripla jornada de trabalho: como gestor de políticas públicas, como professor e como comentarista na imprensa. Além das análises sobre América Latina, já postadas no blog, também falei para rádios e jornais a respeito dos direitos humanos no Irã, em razão do caso de Sakineh Mohammadi Ashtiani – a mulher condenada à morte por apedrejamento, a quem o Brasil ofereceu asilo.

Ashtiani foi condenada por adultério em 2006, mas após a pressão internacional por seu caso, o governo iraniano acrescentou há alguns dias a acusação de homicídio, afirmando que ela teria assassinado o ex-marido, com a cumplicidade do amante. As autoridades também modificaram o modo de execução da pena, trocando o apedrejamento pela forca, para ela e para outras mulheres na mesma situação.

Líderes e artistas dos Estados Unidos e da União Européia se manifestaram em defesa de Ashtiani, no que o governo do Irã alegou ser um pretexto para intervenção em seus assuntos internos. A oferta brasileira é incômoda para a República Islâmica, porque o Brasil é, afinal, um mediador importante para buscar uma solução dialogada em torno do programa nuclear iraniano.

As reações das autoridades do país foram desencontradas – o embaixador em Brasília afirma que o pedido de asilo sequer foi feito. A controvérsia demonstra um fato que é esquecido com freqüência nas análises da imprensa, mas ressaltado nos estudos acadêmicos: o governo do Irã é extremamente fragmentado, com disputas ferozes entre clérigos, políticos, militares.

O caso atual opõe o presidente Mahmoud Ahamadinejad ao chefe do Poder Judiciário, Sadeq Larijani, expoente das facções mais conservadoras e intransigentes na República Islâmica. E não que Ahamadinejad seja um moderado...

Nesta semana Ashtiani apareceu na televisão numa “confissão” que faz lembrar aquelas que ocorriam em outros regimes ditatoriais, do Brasil à China. Seu advogado fugiu do Irã após ter seu escritório saqueado e seus parentes agredidos pela polícia. A família de Ashtiani afirma que ela foi torturada, denúncia muito verossímil no país. Outra das 12 mulheres que também esperam no corredor da morte iraniana sofreu recentemente um aborto, após ser espancada na prisão.

8 comentários:

Mário Machado disse...

Dr,

Acho que estou lhe grampeando só pode.. postamos o mesmo assunto quase na mesma hora..

Abs,

Marcelo L. disse...

Prezados,

Eu ando acompanhando a situação jurídica do Oriente Médio, mas este mês bateu o record de casos estranhos...cada um pior que outro. Tem esse da iraniana, há uma brasileira em Abu Dabhi (uma garota de 14 anos presa por sexo consensual), e o caso do israelense árabe palestino que foi para cama com uma israelense judia e depois ela deu queixa por que queria algo sério, ele foi condenado por que seria estupro por engano, afinal a moça pensou que ele era judeu.

Sobre a Sakineh Mohammadi Ashtiani, sobre o assassinato do Marido sempre pesou essa acusação, o estranho que o tribunal de Tabriz parece ter tratado as partes de forma diferente...para homem foi célere no crime de homicidio e não no de adultério...já ela foi ao contrário. O participe foi liberado por que recebeu o perdão da família, no caso de adultério não ficou claro se a pena já foi dada.

Ainda pesa contra ela que no Irã, o governo central de Teerã sempre quis que o judiciário tivesse "pensamento" e "regras processuais unas, nada do sistema tribal embutido. Mas, como o Mauricio colocou há um desarranjo entre o presidente da república e o chefe do judiciário, sendo que o último parece ter uma aliança com as elites provinciais que dominam a máquina do judiciário.

Apesar de não ter lido , é provável que exista tensão etnica afinal a provincia do Azerbaijão iraniana tem maioria de origem turca e não persa, esse tratamento desigual entre "acusados dos mesmos crimes" é estranho.

O próprio Mahmoud Ahamadinejad teve na primeira eleição uma boa votação entre as mulheres, não dúvido que setores mais duros agora prefiram mostrar a esse público que ele nada pode fazer e assim aumentar o desencanto.

Apesar de controverso, eu penso que é o caso da iraniana e outros em países muçulmanos é mais reflexo de falta de um Estado centralizado que não consegue se impor sobre as "elites provinciais" que demonstram seu poder nessas sentenças que até para executivos dos países contestam e querem reforma-las.

Maurício Santoro disse...

Salve, Mário.

Qual era o termo do Jung para isso? "Sincronicidade", não é?

Caro Marcelo,

Pois é, os dois casos que você também mencionou são escabrosos. E note - talvez não seja coincidência - que todos eles envolvem a questão de minorias étnicas ou estrangeiras em países bastante polarizados por tensões religiosas e culturais.

Também me pergunto se o fato de Sakineh ser azeri influenciou no caso, mas entre as outras mulheres condenadas à morte também há persas. Difícil dizer. Me parece que o governo iraniano queria tratar da execução com discrição, mas foi derrotado pelo clamor internacional.

Abraços

Mário Machado disse...

Marcelo concordo contigo eu mesmo trato como eu percebo um caso de totalitarismo guardadas as proporções e particularidades o Irã é como a África do Sul do Apartheid.

Marcelo L. disse...

Prezado Mario e Mauricio,

Eu tenho por mim que sempre um caso no judiciário ou processo administrativo tem caminhos tortuosos é que algo está errado.

Países quando querem impor suas loucuras normativas o fazem sem o menor pudor, o próprio Irã no caso de adversários do regime pune sem nenhuma vergonha e rapidamente.

Tenho que no caso dos países muçulmanos, os executivos são contra ou querem relaxar as "penas dos crimes de costumes" até por que as mulheres vem ganhando espaço na sociedade, acredito que essa luta por direitos sociais irá demorar muito tempo.

Pressão internacional, eles até aceitam nesses casos por que no campo político a repressão é regra, as minorias em todos países sofrem uma política de apartheid e nenhum deles aceita nem a menção que é desrespeito aos direitos humanos.

Renata Cavalcanti Muniz disse...

Oi Maurício,

O Irã acabou de passar pela revisão no CERD, que está acontecendo agora aqui em em Genebra e eu fui lá acompanhar. Perguntados, pelo membro brasileiro, Lindgren Alves, sobre o assunto, falaram que o comitê não tinha mandato para falar sobre isso e que o caso ainda estava em andamento, então não poderiam comentar o assunto..hehe também defenderam essa idéia de que a mídia está pouco informada, que na verdade ela estava sendo acusada de duplo adultério (!!) e homicídio, e como a pena para homicídio é a pena capital, estaria tudo bem....... é incrível o que esses países falam no comitê para a eliminação da discriminação racial...

bjs

Renata

Maurício Santoro disse...

Salve, Renata.

Pois é, sou bastante cético quanto à eficácia dos mecanismos de proteção de DH da ONU, eles precisam ser fortalecidos, e, sobretudo, necessitam da pressão da imprensa e da sociedade.

Aqui no Brasil houve uma certa polêmica com relação às propostas brasileiras para tratar o tema DH na ONU, as reclamações foram no sentido de que elas eram frágeis demais, tolerantes demais com os países autoritários.

abraços

Raphael Tsavkko Garcia disse...

Para além do caso específico, é engraçado notar como qualquer coisa que venha do Irã é notícia, uma forma de atacar o governo, logo, Lula ecapitalizar o Serra. Mas, se acontece num país aliado do Império, o silêncio é absoluta. O que foi feito da garota de 14 anos presa em Abu Dhabi? É brasileira, mas o local é aliado. Não é notícia, só rodapé e logo esquecido.

http://tsavkko.blogspot.com/2010/08/ira-e-brasil-midia-e-questao-de-estado.html