sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ascensão e Crítica do Novo Jornalismo



Meu amigo Luiz está sempre me enviando textos interessantes por email e nesta semana me enviou esta reflexão sobre Ryzsard Kapuscinki (o branquelo na foto acima), mago do jornalismo internacional que tem sido muito criticado recentemente, porque foi descoberto que várias de suas reportagens continham elementos ficcionais. Problema, aliás, que ocorre com freqüência entre os expoentes do Novo Jornalismo.

O movimento começou nos anos 60, quando um grupo de jornalistas americanos extremamente talentosos – Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, Michael Herr, Norman Mailer, entre outros – começou a usar técnicas narrativas de ficção para escrever reportagens longas, em especial em revistas ou em livros. Acreditavam que os métodos tradicionais do jornalismo não eram mais capazes de dar conta das transformações velozes e radicais pelas quais o mundo passava naquela década turbulenta.

Houve precursores importantes do Novo Jornalismo nos anos 40 e 50, como a extraordinária reportagem de John Hershey sobre os efeitos da bomba atômica em Hiroshima, o “romance de não-ficção” de Truman Capote a respeito do assassinato de uma família no interior dos EUA ou o relato do argentino Rodolfo Walsh sobre o fuzilamento ilegal de ativistas peronistas pela ditadura militar de seu país. Os textos de velhos mestres do jornalismo brasileiro, como Joel Silveira e Antônio Callado, também poder ser classificados nesse grupo. A diferença é que os expoentes dos anos 60 eram mais ousados em termos formais e menos escrupulosos em respeitar os cânones do jornalismo. Com todas as letras: inventavam cenas, criavam personagens a partir do amálgama de duas ou três pessoas reais, elaboravam diálogos e situações.

O Novo Jornalismo sempre foi atravessado por controvérsias, que podem ser resumidas em duas críticas gerais: 1) A de que não há nada de inovador no que seus praticantes fazem, é simplesmente a boa e velha reportagem num formato um pouco mais literário; 2) A de que sua mistura de ficção e jornalismo deturpa os fatos e é ruim para informar os leitores.

As duas objeções têm valor. Gosto mais do rótulo “jornalismo literário”, porque ele é mais abrangente e captura um tipo de escritor que existia bem antes da explosão do gênero nos anos 60 (Euclides da Cunha cobrindo a guerra de Canudos, por exemplo) e abarca também ótimos repórteres contemporâneos (Mark Bowden, de “Falcão Negro em Perigo” ou o Thomas Friedman de “De Beirute a Jerusalém”).

Aliás, “jornalismo literário” é o título da excelente coleção editada pela Companhia das Letras, que reúne muitos dos mestres listados neste post, tanto brasileiros quanto estrangeiros. A igualmente ótima coleção "jornalismo de guerra", da Objetiva, também publica vários desses escritores.

Quanto à veracidade das narrativas, há que se ter certo cuidado. Leio autores como Kapuscinki ou Herr muito mais pelo seu valor literário, bela beleza do estilo e força das descrições do que em busca de análises factuais precisas. Tudo tem sua importância. Confesso, no entanto, certa nostalgia do bom e velho hábito jornalístico de checar informações, apurar com cuidado. Nesta época de mídias instantâneas, é uma qualidade ainda mais necessária.

2 comentários:

Douglas Duarte disse...

MauSant, o NJ tá longe de ser um movimento monolítico. Há rachas e tendências até antagônicas. Os Wolfistas talvez sejam os menos prezados, hoje, porque não se vê tanto mérito no texto em si; ficou cafona. Os HunterThompsonistas, por sua vez, gozam mais de influência hoje no povo da ficção pura (algo que deixaria o próprio feliz, acho). Já os Talesistas seguem os preceitos de São Gay, que, reconheça-se, sempre defendeu a não-invenção, por desnecessária. É a corrente majoritária hoje – ainda que eu suspeite de que no futuro vamos encontrar as inventadas desse povo do mesmo jeito que exumamos as de Kapu hoje. Um bom panorama dos Talesistas tá reunido em The New New Journalism, uma coletânea de entrevistas com gente como Krakauer (lançado aqui pela Cia) e outros. Vale a leitura, porque mostra como quase todos são maníacos por método. Sintoma de autor, defendo eu.

Maurício Santoro disse...

Salve, Douglas.

Com certeza, o movimento é muito plural, e concordo com você que o Talese foi quem mais se destacou como um jornalista puro sangue.

Não sou grande conhecedor do Wolfe, mas talvez o romance dele ("A Fogueira das Vaidades") tenha mais importância do que seus textos jornalísticos, pelo menos por capturar o espírito de uma certa época em Nova York, com a mistura de euforia no mercado financeiro e problemas com o crime e a deterioração urbana.

Abraços