segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Fervendo o Chá



O Movimento do Chá conseguiu um impressionante desempenho nas eleições americanas - elegeu um terço de seus candidatos à Câmara e metade ao Senado. Isso o tornou uma força política fundamental nas disputas internas do Partido Republicano, embora o nível de radicalização do movimento faça com que seja improvável que ele emplaque um nome na disputa à Presidência, em 2012. Ando um tanto crítico à cobertura da imprensa sobre o movimento, que tende a destacar seus aspectos mais pitorescos (e são muitos). Um bom antídoto é o livro "Boiling Mad: inside Tea Party America", de Kate Zernike, repórter do New York Times que cobre o grupo desde seu início.

Comecemos pelo nome, que tem confundido muitos brasileiros. Tea Party é uma referência à "festa do chá de Boston", uma rebelião anti-impostos e controle governamental nos anos finais da colonização britânica nos EUA. Por tabela, um símbolo da liberdade econômica frente ao autoritarismo do Estado. O nome voltou ao debate contemporâneo nos primeiros dias da presidência de Barack Obama por meio de uma emocionada aparição na TV do jornalista Rick Santelli (abaixo), que afirmou que os Estados Unidos precisavam de outro tea party, desta vez contra o aumento da ação governamental na economia - os pacotes de ajuda ao setor financeiro e à indústria, a reforma da saúde etc. O discurso galvanizou o descontentamento e a ansiedade de muitos americanos, que começaram a se organizar localmente para protestar contra as medidas.



A principal bandeira do movimento do chá é o repúdio ao aumento da ação governamental, estimulado pelo medo do declínio econômico dos Estados Unidos e pela leitura revisionista da história, que culpa reformas sociais da Era Progressista, do New Deal e da década de 1960 pelos problemas atuais do país. As características demográficas do grupo são claras: o membro típico é um homem branco de meia idade e situado na alta classe média. Contudo, a rejeição a Obama passa também pelo desencanto com os Republicanos, em especial pelo governo George W. Bush, encarado com desgosto pelo mau desempenho e pela disparada na dívida pública. Uma das entrevistadas de Zernike sintetiza a estratégia do movimento: para se livrarem dos Democratas, precisam antes tomar o controle dos Republicanos. O ideário não é criar um terceiro partido.

Os membros do Tea Party se inspiraram nos movimentos sociais de esquerda e aplicam com sucesso vários de seus métodos para as causas conservadoras, sobretudo o uso das novas mídias sociais e das ferramentas de organização comunitária. Isso ficou bem exposto no comício que realizaram em Washington, que pretendeu ecoar a célebre marcha sobre a capital liderada por Martin Luther King Jr. A imprensa tem sido fundamental para o Tea Party, desde seu batismo por Santelli até o apoio do apresentador da Fow News Glenn Beck, que falou em montar grupos "12 de setembro", para restaurar o espírito de unidade nacional que vigorou após os atentados. Outros padrinhos e madrinhas do movimento incluem os milionários irmãos Koch e a política republicana Sarah Palin.



Muitos temas dividem o movimento: política externa (intervencionistas do tipo "guerra ao Irã" x isolacionistas "tragam os garotos de volta para casa"), questões religiosas e de sexualidade como aborto e casamento gay (há uma ala conservadora e outra libertária, que preconiza o máximo de liberdade individual). O assunto mais explosivo são as relações raciais. O conservadorismo do movimento do chá é bastante crítico às ações que o governo dos EUA promoveu para combater a segregação e o racismo, e isso é especialmente forte no Sul, que virou o mais aguerrido bastião dos Republicanos. O resultado tem sido um intenso mal-estar com Obama e manifestações extremistas que afirmam que o presidente é socialista, muçulmano, africano ou as três coisas juntas.

7 comentários:

Rafael disse...

olá Maurício,

o Gustavo Chacra também escreveu um texto interessante sobre o movimento http://blogs.estadao.com.br/gustavo-chacra/de-kentucky-a-meca-o-que-o-tea-party-e-o-isla-tem-em-comum/

a dúvida que tenho é, o que faz os libertários se aproximarem dos conservadores? afinal os conservadores pregam uma regulação da liberdade individual.

Maurício Santoro disse...

Salve, Rafael.

Ainda não tinha lido o texto do Chacra, obrigado.

A coalizão entre conservadores e libertários está baseada sobretudo na oposição ao governo Obama e ao partido Democrata, por conta de suas iniciativas de aumentar a ação do Estado na área social e na economia, e seu desejo de não renovar as isenções fiscais temporárias que Bush havia aprovado.

Abraços

Mário Machado disse...

Grande Maurício,

Como observador acho muito interessante a ênfase que os democratas dão ao patrocínio dos milionários. Como se o Soros não fosse um grande financiador de movimentos sociais, como o move on. org

Abs,

Maurício Santoro disse...

É verdade, Mário. E o setor financeiro também financiou Obama, em peso.

Abraços

João Paulo Rodrigues disse...

Acho que o ponto principal que vc idenficou é essa questão da mobilização. Não que isso seja uma movidade por lá, os conservadores cristãos já fazem isso há algum tempo, mas sem o uso agora já tornado comum das novas mídias. Escrevi algo parecido no blogo do NPTO: o Tea Party era um efeito da recusa das esquerda americana em mobilizar os trabalhadores. O espaço ficou aberto para quem brandisse um discurso anti-elite e se mostrasse próximo ao homem comum. Mesmo Obama, ao ser eleito, foi prudente em recuperar o "populismo" democrata, aquela coisa de usar a retórica contra as grandes empresas, contra a corrupção do grande capital, tópicos, curiosamente, tradicionais entre os progressistas americanos, desde fins do século XIX com o Bryan e os populistas do meio-oeste. Os democratas, que pareceram ressuscitar em 2008, na verdade continuam na Era Clinto: querem o apoio da verdadeira esquerda (os liberais), os progressistas das universidades e da classe média da Nova Inglaterra, e da ala conservadora do seu partido, que há anos faz o jogo dos republicanos. O resultado está aí. Obama até pode ser reeleito, mas enquanto eles não recuperarem suas origens, vão deixar campo à hegemonia conservadora.

Maurício Santoro disse...

Salve, João.

Não gosto muito do termo populista, pero que los hay, los hay, e o Tea Party é um excelente exemplo de populismo conservador.

Concordo com a avaliação da relutância democrata em mobilizar os trabalhadores, no entanto a base do Tea Party é a classe média, o movimento não tem conquistado adeptos entre os mais pobres.

abraços

João Paulo Rodrigues disse...

Oi Maurício,

Quando uso populismo, me refiro ao populismo original.

Entendo que o Tea Party seja de classe média, mas justamente para contrabalançar esse movimento é que os Democratas deveriam se voltar para suas antigas bases. Afinal, a América empobreceu, tem até mais trabalhadores pobres para eles arregimentarem. Talvez, penso eu, isso também não ocorra pelo excessivo peso que agora se dá às novas mídias, esquecendo do trabalho de forminguinha de militância nos bairros, locais de trabalhos, associações ligados aos mais pobres.

Abraço.