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Os acontecimentos do fim de semana mostram o regime de Hosni Mubarak (foto acima, relaxando com o então presidente dos EUA) à beira do colapso. O ditador mudou todos os ministros e lançou a cartada de recorrer às Forças Armadas, criando o cargo de vice-presidente e nomeando para o posto o general Osmar Suleiman, comandante do serviço de inteligência. Ele tornou-se, na prática, seu herdeiro político. Isso significa que Mubarak abriu mão do projeto de criar uma dinastia, que prosseguiria com seu filho Gamal lhe sucedendo na presidência. A idéia era rejeitada pelos militares, que derrubaram a monarquia em 1952 justamente para acabar com o nepotismo e outras práticas que avaliavam manter o Egito no atraso econômico e na submissão às grandes potências.
A guinada de Mubarak explica-se pelo caos que se espalhou pelo país. Há protestos significativos em todas as principais cidades. No Cairo, a capital, os manifestantes queimaram a sede do partido do general e ocuparam prédios públicos importantes, como o Museu Nacional e Ministério das Relações Exteriores. O governo decretou toque de recolher das 16h às 8h, mas ninguém respeitou a ordem. Celulares ficaram fora do ar por 24h e a Internet foi derrubada, na tentativa (falha) de conter a rebelião. O Nobel da Paz, Mohamed El-Baredei, foi preso. A segurança pública foi afetada, com muitos saques e relatos de fugas de presidiários - segundo boatos difundidos pela população, eles teriam sido soltos de propósito pelas autoridades, que assim esperariam criar um clima de pânico que enfraquecesse os protestos e favorecesse a repressão política em nome da manutenção da lei e da ordem.
A polícia foi retirada das ruas e seu lugar foi ocupado por tropas do Exército, saudadas pela população, que sobe nos blindados para abraçar os soldados e lhes oferecer flores. O Egito é uma ditadura militar há 60 anos, mas as Forças Armadas têm excelente imagem junto à opinião pública, que em geral vê nelas as defensoras da soberania e da grandeza nacional (o Egito lutou 4 guerras entre 1948 e 1973, enfrentando Israel, França e Grã-Bretanha). Muitos manifestantes ainda levam fotos e cartazes que homenageiam o coronel Gamal Nasser, que governou o Egito nas décadas de 1950-60, quando o país liderava o movimento pan-arabista. A polícia, em contrapartida, é associada à corrupção e à tortura.
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O general Suleiman (foto acima), o novo vice-presidente, viveu intensamente esse período turbulento. Serviu nas guerras de Nasser, treinou na União Soviética e nos Estados Unidos, seguindo as cambiantes alianças do Egito. Suas tarefas à frente da Inteligência são enormes: ele é responsável pela espionagem externa, por ações policiais domésticas e por muitos temas diplomáticos, em particular nas sensíveis relações com Israel, a Autoridade Palestina e os EUA. É, em suma, um homem de fidelidade extrema ao regime, e alguém em quem os países ocidentais confiam.
O apoio internacional a Mubarak se deteriorou rapidamente ao longo da última semana. Os Estados Unidos começaram elogiando seu regime, mas a partir do discurso de Barack Obama, na sexta-feira, passaram a solicitar que ele aceitasse a legitimidade dos protestos, e o ameçam com corte de ajuda militar, caso continue a usar a violência contra os manifestantes. Documentos oficiais divulgados pela imprensa britânica mostram que os EUA têm apoiado a oposição democrática, protegendo ativistas e financiando a organização de atividades. A União Européia também critica Mubarak pelas ações repressivas e os países árabes têm mantido silêncio, com exceção da Arábia Saudita, que o defende. A Liga Árabe emitiu declarações moderadas pedindo por soluções pacíficas, a mesma posição adotada pelo Brasil, de quem o Egito é um parceiro de importância crescente - há um recente acordo de livre comércio com o Mercosul, que ainda não entrou em vigor.
Os protestos continuam apesar das mudanças no governo. É improvável que as Forças Armadas aceitem ordens de reprimir com violência as manifestações, seria um banho de sangue. Mubarak pode se deparar com pressões dos militares para deixar a presidência, ou mesmo ser deposto por um golpe. Há relatos de que a família do general já teria fugido para a Inglaterra, por precaução. A crise continua, e as probabilidades agora estão contra o ditador.