domingo, 30 de janeiro de 2011

A Dança dos Generais Egípcios



Os acontecimentos do fim de semana mostram o regime de Hosni Mubarak (foto acima, relaxando com o então presidente dos EUA) à beira do colapso. O ditador mudou todos os ministros e lançou a cartada de recorrer às Forças Armadas, criando o cargo de vice-presidente e nomeando para o posto o general Osmar Suleiman, comandante do serviço de inteligência. Ele tornou-se, na prática, seu herdeiro político. Isso significa que Mubarak abriu mão do projeto de criar uma dinastia, que prosseguiria com seu filho Gamal lhe sucedendo na presidência. A idéia era rejeitada pelos militares, que derrubaram a monarquia em 1952 justamente para acabar com o nepotismo e outras práticas que avaliavam manter o Egito no atraso econômico e na submissão às grandes potências.

A guinada de Mubarak explica-se pelo caos que se espalhou pelo país. Há protestos significativos em todas as principais cidades. No Cairo, a capital, os manifestantes queimaram a sede do partido do general e ocuparam prédios públicos importantes, como o Museu Nacional e Ministério das Relações Exteriores. O governo decretou toque de recolher das 16h às 8h, mas ninguém respeitou a ordem. Celulares ficaram fora do ar por 24h e a Internet foi derrubada, na tentativa (falha) de conter a rebelião. O Nobel da Paz, Mohamed El-Baredei, foi preso. A segurança pública foi afetada, com muitos saques e relatos de fugas de presidiários - segundo boatos difundidos pela população, eles teriam sido soltos de propósito pelas autoridades, que assim esperariam criar um clima de pânico que enfraquecesse os protestos e favorecesse a repressão política em nome da manutenção da lei e da ordem.

A polícia foi retirada das ruas e seu lugar foi ocupado por tropas do Exército, saudadas pela população, que sobe nos blindados para abraçar os soldados e lhes oferecer flores. O Egito é uma ditadura militar há 60 anos, mas as Forças Armadas têm excelente imagem junto à opinião pública, que em geral vê nelas as defensoras da soberania e da grandeza nacional (o Egito lutou 4 guerras entre 1948 e 1973, enfrentando Israel, França e Grã-Bretanha). Muitos manifestantes ainda levam fotos e cartazes que homenageiam o coronel Gamal Nasser, que governou o Egito nas décadas de 1950-60, quando o país liderava o movimento pan-arabista. A polícia, em contrapartida, é associada à corrupção e à tortura.



O general Suleiman (foto acima), o novo vice-presidente, viveu intensamente esse período turbulento. Serviu nas guerras de Nasser, treinou na União Soviética e nos Estados Unidos, seguindo as cambiantes alianças do Egito. Suas tarefas à frente da Inteligência são enormes: ele é responsável pela espionagem externa, por ações policiais domésticas e por muitos temas diplomáticos, em particular nas sensíveis relações com Israel, a Autoridade Palestina e os EUA. É, em suma, um homem de fidelidade extrema ao regime, e alguém em quem os países ocidentais confiam.

O apoio internacional a Mubarak se deteriorou rapidamente ao longo da última semana. Os Estados Unidos começaram elogiando seu regime, mas a partir do discurso de Barack Obama, na sexta-feira, passaram a solicitar que ele aceitasse a legitimidade dos protestos, e o ameçam com corte de ajuda militar, caso continue a usar a violência contra os manifestantes. Documentos oficiais divulgados pela imprensa britânica mostram que os EUA têm apoiado a oposição democrática, protegendo ativistas e financiando a organização de atividades. A União Européia também critica Mubarak pelas ações repressivas e os países árabes têm mantido silêncio, com exceção da Arábia Saudita, que o defende. A Liga Árabe emitiu declarações moderadas pedindo por soluções pacíficas, a mesma posição adotada pelo Brasil, de quem o Egito é um parceiro de importância crescente - há um recente acordo de livre comércio com o Mercosul, que ainda não entrou em vigor.

Os protestos continuam apesar das mudanças no governo. É improvável que as Forças Armadas aceitem ordens de reprimir com violência as manifestações, seria um banho de sangue. Mubarak pode se deparar com pressões dos militares para deixar a presidência, ou mesmo ser deposto por um golpe. Há relatos de que a família do general já teria fugido para a Inglaterra, por precaução. A crise continua, e as probabilidades agora estão contra o ditador.

10 comentários:

Anônimo disse...

parabéns professor pela análise. decididamente a situação é uma verdadeira sinuca de bico.
a meu ver, mubarak só cai se houver apoio externo à oposição ou se o exército mudar de lado.

sugiro a leitura do artigo de robert fisk do the independent de londres que pesquei no gonzum - http://gonzum.com/ - denominado "a multidão contra o ditador" - A people defies its ditactor, and a nation’s future is in the balance.

abçs

carlos anselmo-fort-ce

ps: infelizmente, a aljazeera foi cassada pelo governo egípcio, comprovando que todo governo ditadorial se pela de medo da liberdade de expressão. fazer o quê?

Maurício Santoro disse...

Salve, Carlos.

A Al-Jazeera continua a transmitir ao vivo do Cairo, apesar do fechamento de seu escritório na cidade. As imagens estão disponíveis no site da emissora e mostram uma multidão estimada em 200 mil pessoas protestando no centro da capital egípcia.

Abraços

Anônimo disse...

o professor tem razão.
as autoridades fecharam o escritótio da emissora, no entanto os celulares e satélites estão fazendo a diferença. seus repórteres conseguem fazer as reportagens e espalhar as notícias ao vivo pela internet. que bom, hein?

abçs

ps: el baradei já assumiu ser porta-voz do movimento de oposição. é agora ou nunca. como se diz no ceará: ou vai ou racha, ou urubu leva borracha!

carlos anselmo-fort-ce

Leo Cardote - Pós UCAM 2010 disse...

Pois é Maurício. O Egito vai ser uma nova Alemanha-1989 ou um novo Irã-1979?
Tomara que vença a oposição moderada, e ElBaradei consiga dar conta.

Suas análises estão ótimas, como sempre. Keep it up.

Um abraço

Maurício Santoro disse...

Salve, Carlos.

El-Baradei tenta conquistar a liderança do movimento, mas ele é um ex-funcionário graduado do regime, e não alguém que tenha uma ampla base social de apoio. Mas se for formado um governo de transição e unidade nacional, como parece que será o caso, ele poderá ter papel de destaque, talvez como ministro das Relações Exteriores.

Salve, Leo.

"O mundo não é um lugar chato", como diz o slogan da Foreign Policy. Eu diria que o Egito de 2010 está mais para a Alemanha do que para o Irã, mas muita coisa ainda pode acontecer.

abraços

Israel disse...

Olá, professor. Não acredito que o melhor exemplo para uma pós crise no Egito é Alemanha de 1989. O movimento no Egito, não é acéfalo, ou seja, sabe que o ditador egípcio é uma marionete dos EUA. Se caso o movimento ganhar o jogo político, haverá uma ação do Estado de Israel, provocando um radicalismo anti-Israel no Egito. Mas uma comparação com Irã também é complexa, pois as revoltas no Egito não podem ser vistas como algo isolado. Há um processo ocorrendo no norte do continente africano que não tem um parâmetro histórico com Ocidente. Aliás, se projetarmos alguma semelhança de algum processo histórico que ocorreu no Ocidente, aos atuais eventos, estaríamos, talvez, modelando novamente o que queremos para a região do Magreb e o Egito.

Abraços

Maurício Santoro disse...

Caro Israel,

Mubarak é um aliado dos EUA, não sua marionete. Ele tomou medidas contrárias aos interesses americanos em diversas ocasiões, como o apoio à iniciativa do Brasil e da Turquia de buscar acordo sobre o programa nuclear do Irã, ao mesmo tempo que defende o desarmamento atômico de Israel.

Tampouco haverá intervenção de Israel no Egito, pois a consequência de qualquer gesto nessa direção seria a radicalização rápida e intensa do movimento pró-democracia.

É claro que trata-se de uma situação bastante complicada para o governo isralense, e com razão, porque pode provocar a perda de um dos pilares de sua diplomacia dos últimos 30 anos.

abraços

Mário Machado disse...

Dr.

Nesse sentido vi uma interessante análise na Foreign Policy sobre como os elementos linha-dura de Israel e Irã estariam "do mesmo lado que o povo nas ruas do Egito". Não exatamente nesse termos, óbvio.

O link http://bit.ly/gehJBS

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:
Ontem li um artigo no Clarín e, sem comprender, já nesse momento decidi recurrir ao meu oráculo em matéria de RRII.
Por que a Autoridade Nacional Palestina é pro-Mubarak?
Meus conhecimentos sob o Oriente Médio são muito baixos, como pode ver.
Abraços

Maurício Santoro disse...

Salve, Mário.

Obrigado pelo artigo, está muito bom. Mas tenho minha dúvida se as bravatas do partido "Israel Nossa Terra" são para serem levadas a sério, a perda de um aliado como o Egito seria um golpe duro na política de Defesa israelense.

Dom Patricio,

A Autoridade Palestina apóia Mubarak porque ele tem sido importante para conter seu principal rival, o Hamas, com quem a AP lutou uma guerra civil pelo controle da Faixa de Gaza.

abraços