sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Política Externa e Combate ao Racismo



O Brasil é independente há quase 190 anos, e tem a maior população negra do planeta, depois da Nigéria. No entanto, é somente agora que o país tem seu primeiro embaixador de carreira negro (na década de 1960 houve políticos negros nomeados para o cargo). O diplomata em questão, Benedicto Fonseca Filho (foto), é filho de um funcionário administrativo do Ministério das Relações Exteriores e por conta disso viveu quando criança na Europa, estudando em boas escolas. Aos 47 anos, é também o mais jovem entre os embaixadores do Brasil.

Fonseca assumirá a direção do departamento de Ciência e Tecnologia da chancelaria, e torço para que o segundo, terceiro, quarto e por aí vai embaixadores negros apareçam num tempo mais curto do que os dois séculos necessários para que surgisse o primeiro. De fato, a política externa tem se aproximado das políticas sociais, inclusive no combate ao racismo e na promoção de igualdade racial.

Há dez anos o Ministério das Relações Exteriores estabeleceu um programa de ação afirmativa que concede bolsas de estudos a negros que querem ingressar na diplomacia. Tive muitos bons alunos beneficados pela iniciativa e vários deles tornaram-se diplomatas. Neste ano, a chancelaria instituiu outra modalidade, pela qual haverá acréscimo de 10% das vagas na segunda fase do concurso de admissão (são quatro etapas, no total), reservadas a negros.

Ter um serviço diplomático que reflita a composição étnica da população brasileira não é somente uma questão de justiça, é também um ativo importante para a política externa. Quando o Brasil iniciou sua reaproximação dos países africanos, na década de 1960, um dos elementos mais frágeis da retórica era a aposta no mito da “democracia racial” brasileira. Essa imagem desmoronou no contato dos líderes das novas nações da África com a sociedade do Brasil, e no apoio do governo brasileiro ao colonialismo de Portugal no continente.

Hoje é outro Brasil que dialoga com uma África renovada e talvez o melhor exemplo sejam os movimentos políticos e culturais da diáspora negra, abarcando também Estados Unidos, Caribe, os migrantes na Europa. As conferências da ONU contra o racismo têm sido um marco importante na internacionalização desse movimento, e poderiam ter ocorrido no Brasil, caso o governo e a sociedade tivessem se mobilizado para isso.

Os esforços brasileiros também passam uma mensagem importante para a América Latina, sobretudo para aqueles países nas quais as questões indígenas estão em grande evidência (Bolívia, Equador, Peru). Os equatorianos tiveram uma chanceler indígena, Nina Pacari – a quem entrevistei em Quito, e que muito me impressionou.

E o Brasil está deixando de ser uma nação marcada pela exclusão para tornar-se uma espécie de farol, quase de conto de fadas, de possibilidades de ascensão social. Um lugar meio mágico onde operários e mulheres torturadas viram presidentes, negros servem como embaixadores e pessoas de todas as cores e trajetórias de vida acreditam piamente que sua vocação é a felicidade. Oxalá seja assim. O mundo precisa de esperanças desse tipo

13 comentários:

Anônimo disse...

Não o julgo negro. Aliás, como julgar alguém "negro"? Eu, particularmente, não sei fazê-lo, a não ser se for por obviedades.
Isso é muito difícil! Eu, que no Brasil sou tido como branco, já fui taxado negro fora daqui...

Maurício Santoro disse...

Pô, para mim o nosso embaixador é mais negro do que o Obama!

Abraços

Wellington Amarante disse...

Olá, Maurício!

Só uma retificação. Você afirmou que os candidatos negros/índios deverão estar entre os 300 primeiros. Na verdade são mais 30 vagas, exclusivas para as cotas, além das 300 vagas da ampla concorrência.

A única exigência é que o candidato alcance o desempenho mínimo na 1ª fase que é de 40%.

Abraços!

Maurício Santoro disse...

Salve, Wellington.

Obrigado pela correção, você tem razão. Vou colocar um link para uma reportagem sobre as novas cotas.

abraços

Anônimo disse...

Desculpe, mas acho forçar a barra dizer que o embaixador é negro. Pardo, quem sabe... no máximo mulato! Mas isso é algo que não existe mais hoje, nessa nossa sociedade esquizofrênica. Me surpreende o Brasil, tão orgulhoso da sua cultura, só ter brancos e negros... Não falo isso só pra ser polêmico. Esse assunto merece atenção.

Alessandro Ferreira disse...

Salve, Maumau!

Há tempos meu barco não batia nesta praia, daí joguei o nome Phillip Knightley no Google e o primeiro resultado é seu brog!

Quer dizer que agora és só professor? Bom demais poder escolher com calma o que quer fazer.

Quanto ao bravo embaixador afro-negão (preciso fazer o lembrete de que estou sendo irônico?), uma sugestão pra lá de simples e que nem passa por cotas e quetais: bolsas para os fudidos no Curso Clio! Mas para os realmente bons, claro - os há por toda parte. Se der as condições, a rapeize faz o resto, sem paternalismos, demagogia ou medidas 'pseudoprotetivas', só metendo a cara e correndo atrás. É isso.

Abs!

Maurício Santoro disse...

Salve, Anônimo.

Estou realmente surpreso com a observação, porque para mim o embaixador aparece como negro (e ele mesmo se define assim), e não como mulato, pardo, moreno, bombom ou seja lá a tonalidade. Convenhamos, ele não passaria exatamente por louro de olhos azuis...

Salve, Alessandro.

Há quanto tempo, rapaz!

Quando o MRE começou com o programa de ação afirmativa, houve um movimento de alguns diplomatas para criar uma bolsa de estudos para alunos pobres, independente da cor.

Não sei se a iniciativa prosperou, porque nunca mais ouvi falar nela. A dificuldade do critério sócio-econômico é que para prestar o concurso ao Itamaraty é preciso ter formação universitária, o que já exclui uns 90% dos brasileiros. Mas acho a idéia válida.

Abraços

Mário Machado disse...

Salve Dr.

É interessante a trajetória de Benedicto Fonseca calcada em valores familiares, esforço individual, ética de trabalho e pelas entrevistas um ego saudavel (o que acaba sendo menos suscetível aos pequenos preconceitos que podem doer e ir envenenando a pessoa).

Que seja um bom embaixador sem ter que se preocupar com o peso injusto e irreal de "representar a raça".

Abs,

Unknown disse...

Parabens pelo furo viu Mauricio. Infelizmente não vi nenhum grande veículo de imprensa noticiando o fato auspicioso. É um prazer te seguir aqui no Twitter!! Iniciei ontem. Abs
Rodrigo Madureira

Anônimo disse...

Ok, então, hoje, no Brasil, não ser branco de olhos azuis é ser negro? E se eu disser que sou "ruivo com olhos cor de mel", essa minha verdade superará a realidade? Me espanta essa superficialidade a qual estamos nos deixando levar aqui no Brasil... Interesses, leviandades e idiossincrasias estão no comando!

Maurício Santoro disse...

Salve, Rodrigo.

Saiu alguma coisa na Folha de S. Paulo, mas dada a importância do tema, merecia um destaque bem maior.

Anônimo,

Estou até agora tentando entender porque você acha que o embaixador Benedicto não é negro...

Abraços

Rodrigo Miranda disse...

Sabe, eu acho estranho, mas é tão difícil aceitar que não havia negros como diplomatas. É um fato.

Discutir quem é negro ou não só é válido para quem não o é.

O que poderia se discutir é se a história de vida do Embaixador se assemelha ao do negro médio no país, mas não qual etnia pertence.

Além disto, a questão das cotas não é exatamente do combate ao racismo mas, sim, buscar por outros mecanismos equilibrar as condições de pessoas que, em tese, tiveram uma educação menos qualificadas.

Eu ficarei feliz quando o fato de um Embaixador ser negro, mulher ou homossexual declarado não for notícia, por se tratar de fato corriqueiro.

L. Guilherme disse...

Um pequeno palpite. Meus pais são brancos aqui no Rio de Janeiro, porém pardos/mestizos aos olhos dos sulistas, uruguaios e argentinos de origem europeia (eu sou sempre considerado branco; puxei os ancestrais próximos portugalegos, poloneses e suíços das minhas avós - todos camponeses, e eu me ofendo quando dizem que eu uso minha ascendência europeia para passar imagem).
Particularmente eu não gosto da expressão "Brasil é o 2º país com mais negros". Aí se contam os pardos, e pardo não é sinônimo de mulato ou cafuzo. Caboclos, trirraciais e ameríndios aculturados são também pardos em nossa cultura. Fora que, os pardos do Centro-Sul e do Nordeste do Brasil são em média 80% europeus, e os do Norte, 70%, por testes genéticos (basta conferir a Wikipédia em inglês com dados baseados em estudos recentes de 2009 a 2011). Isso porque os genes que conferem o fenótipo caucasiano a uma pessoa são muito recessivos, e os maternos (que como sabe-se, na maioria de nossa população predominam os genes ameríndios e africanos aí) são mais importantes para a aparência. Dizer que o Brasil tem 14 milhões de negros, que são por volta de 8%, como diz o censo, parece soar melhor. Eu quase dei pardo no censo apesar de ser facilmente confundível com europeu do Sul ou mesmo francês, porque sou neto de um negro, meus pais são claramente mestiços, e assumo isso. Além disso, sou daquela parte da classe C onde o padrão de vida já começa a lembrar o da classe D, e o fato dos provedores históricos da família terem sido tradicionalmente homens de cor ou mulheres têm a ver com a minha identidade com os setores mais discriminados da população.