quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Wikileaks e as Funções da Diplomacia



Passadas algumas semanas da polêmica da recente onda de documentos oficiais vazados pelo Wikileaks, continuo a acreditar que a discussão foi exagerada, e que as revelações dos textos foram pouco expressivas, bem menos do que os Papéis do Pentágono provocaram durante a Guerra do Vietnã, por exemplo. Contudo, conversas com amigos, me convenceram da enorme importância pedagógica dos Wikileaks para explicar o que afinal fazem os diplomatas.

Comecemos com um pouco de história. A diplomacia como a conhecemos hoje é bastante recente. Na Antiguidade e na Idade Média, não havia embaixadas e consulados permanentes, apenas enviados temporários que iam negociar um acordo de paz ou um tratado qualquer. A mudança se iniciou no Renascimento, mas foi lenta e gradual. O quadro que ilustra este post, “Os Embaixadores”, de Hans Holbein, é de 1533 e mostra um dos esforços clássicos de curta duração: uma delegação conjunta de um nobre e um bispo franceses, para tentar convencer o rei inglês a permanecer na Igreja Católica. Imagine o que Wikileaks teria feito com Ana Bolena...

As três funções clássicas do diplomata são representar, informar e negociar. Talvez se possa dizer que elas tiveram seu apogeu entre os séculos XVI e XIX. O advento de comunicações e viagens mais rápidas retirou muito do poder que os antigos embaixadores possuíam em falar em nome de seu soberano ou de seu país. Hoje em dia, muito da política internacional de alto escalão se dá diretamente entre chefes de Estado ou ministros das Relações Exteriores. O próprio cargo de embaixador era muito restrito, quase sempre vinculado às relações entre grandes potências ou países que se valorizassem bastante mutuamente – o Brasil só teve seu primeiro no século XX, Joaquim Nabuco, em Washington - e só se generalizou depois da Segunda Guerra Mundial.

Quanto à informação fornecida pelos diplomatas, a leitura dos despachos da Wikileaks mostram que há pouco nos documentos que um leitor atento do noticiário internacional desconheça. As análises são corretas, às vezes até sofisticadas e divertidas, mas dificilmente superam um correspondente bem-informado, digamos, da Economist ou do Financial Times ou um acadêmico especializado no país em questão.

Há surpreendemente pouca reflexão dos diplomatas a respeito de como sua profissão tem sido transformada pelas novas tecnologias das últimas décadas, talvez pelo impacto que esses desenvolvimentos têm em seu prestígio e influência. A diplomacia continua a ser muito importante, naturalmente, mas a mer ver precisa mudar bastante, adotar perfis profissionais mais especializados e um ethos mais tecnocrático e menos preso aos rituais formais do passado. Há iniciativas promissoras como os esforços do Departamento do Estado dos EUA em lidar com a “diplomacia pública” dos meios de comunicação e dos cidadãos interessados pelos assuntos globais.

Temo que os Wikileaks, pelo medo que despertaram nos governos, detonem uma espécie de contrarrevolução nessa área, mas acredito que neste caso a história seguirá o ritmo da tecnologia, para frente.

2 comentários:

marcelo l. disse...

Prezado Mauricio,

Tirando quem lê o Valor Economico, os outros veículos brasileiros não foram tão bem assim nessa onda que divulgou apenas a superfície dos informes diplomáticos, alguns leitores foram pegos de surpresa, já que teve muita analise dos dois lados do espectro político brasileiro mais pela paixão do que razão, e o Wikileaks desvenda para esse leitor algumas colocações equivocadas.

Acho que a diplomacia em si não irá mudar, mas vem regras mais rígidas pela frente para controle de informação contra vazamentos como esse.

No mais feliz ano novo e boa sorte na sua nova empreitada.

Maurício Santoro disse...

Salve, Marcelo.

Bom, o jornal que eu assino é justamente o Valor, e não acompanhei em detalhes como os outros cobriram o Brasil nos Wikileaks. Me pareceu que foi mais no sentido de dar destaque às disputas por poder dentro do governo brasileiro, como no embate Jobim e Pinheiro Guimarães.

Na minha análise o Brasil saiu bem do caso Wikileaks, que mostrou posturas muito equilibradas do Itamaraty e de outros órgãos de governo.

Abraços