sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Dias de Ira



Nesta sexta-feira os manifestantes pró-democracia no Egito anunciam o “Dia dos Mártires”, em homenagem às mais de 300 pessoas que foram mortas nos confrontos com a polícia, em quase três semanas de protestos. O dia promete ser explosivo: ontem o presidente Hosni Mubarak anunciou que não renuncia, num discurso paternalista e autoritário que ignora as profundas transformações em curso na consciência política do país. Seu recém-nomeado vice, general Osman Suleiman, foi na mesma direção, aconselhando o povo a parar de “ver TV via satélite.” O colapso do regime é iminente, com motins até mesmo na mídia estatal, generais visitando os manifestantes na Praça Tahrir do Cairo e defendendo suas demandas e o Conselho Supremo das Forças Armadas fazendo declarações semelhantes. Tudo aponta para um golpe militar contra Mubarak, caso ele não fuja do país.

O clima entre os manifestantes é de indignação, com a raiva aflorando ainda durante o discurso de Mubarak e marchas até os arredores do Palácio Presidencial, em Heliópolis. Durante a semana já haviam acontecido dois desdobramentos importantes nos protestos: a eclosão de uma série de greves, sendo a mais significada a do setor petroleiro, e a manifestação para celebrar a libertação de Wael Ghonim, o executivo do Google preso pelo regime. Algo impressionante num país tão nacionalista quanto o Egito, onde as empresas estrangeiras em geral foram vista como parte do problema. Sinal da relevância das novas tecnologias de informação para as lutas sociais, e de como tornaram-se símbolos da democracia (Bill Gates deve estar morrendo de inveja, mas isso é outra história).

No quadro que se desenha no Egito, as Forças Armadas crescem a cada dia em importância como fiadoras de uma transição à democracia que mantenha a estabilidade no país, controlando grupos radicais e mantendo as alianças internacionais egípcias. Não será um cenário fácil, pois certamente haverá conflitos com movimentos políticos que cobram a punição dos responsáveis pelas violações de direitos humanos durante a longa ditadura e que provavelmente demandarão alterações na diplomacia, no sentido de apoio mais decidido aos palestinos.

A obstinação de Mubarak não diz respeito somente a seu apego ao poder, mas também ao medo de ser preso pela enorme corrupção de seu regime. Sua fortuna é estimada na casa de bilhões de dólares, maior do que o PIB de vários países africanos, e a máquina de negócios escusos abarca muitos líderes e instituições, inclusive as Forças Armadas, que controlam várias fábricas e empreendimentos econômicos.

No entanto, os militares já demonstraram não ter disposição para promover o banho de sangue que seria necessário para encerrar as manifestações. A praça Tahrir não ficou como a da Paz Celestial, na Pequim de 1989. Provavelmente há grande pressão dentro das próprias Forças Armadas, com oficiais mais jovens e de patente mais baixa sentindo-se muito próximos aos participantes dos protestos. Afinal, a monarquia do Egito caiu em 1952 pela ação dos coronéis, desgostosos com a cumplicidade dos generais com o regime corrupto, e agindo após um massacre que as tropas britânicas em Suez cometeram contra manifestantes nacionalistas. Esse ato ocorreu em 25 de janeiro – a nova revolta foi lançada nessa data em sua celebração.

2 comentários:

Anônimo disse...

Provavelmente temendo um aumento nas mobilizações, as forças armadas devem ter "pedido' pra Mubarak sair.

melhor perder Mubarak para preservar os dedos.

A questão é, as Forças Armadas terão paciência para esperar a lenta desmobilização do povo? Ou tentarão acomodar uma nova ditadura rapidamente? O atual momento de conciliação entre povo e forças armadas pode perdurar, mas pode rapidamente tornar-se aversão, afinal, Mubarak não estava só, ele era a face de uma ditadura militar.

O papel do exército é, obviamento, contrarrevolucionário, mas como ele desempenhará esse papel? Aceitará uma modernização conservadora? A ampliação de espaços democráticos? A organização sindical?

E, agora que a coisa deu certo no Egito, as massas de que país ganharão coragem para ir às ruas?

Maurício Santoro disse...

Salve, Paronuso.

Acredito que teremos um processo de reforma moderada no Egito, e que os militares atuarão para conter o ritmo e a profundidade das mudanças, mas que não cairá na imobilidade conservadora.

Com relação aos próximos impactos, minhas apostas são Argélia, Líbano e Iêmen. Escreverei mais sobre isso nos próximos dias.

abraços