quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
Egito: Negociando a Transição
Acabou. Com o extraordinário protesto de 1 milhão de pessoas no Cairo e a decretação de uma greve geral, o regime de Hosni Mubarak chegou ao fim, a questão agora é saber quando o ditador deixa o poder. Se fica até setembro, até as eleições presidenciais que prometeu ontem, ou se renunciará antes disso, como demandam os manifestantes, que querem se livrar logo dele. As oposições se uniram contra Mubarak, mas são formadas por correntes bastante distintas.
A mais dinâmica e impressionante delas é o movimento 6 de abril, formado pelos jovens que usaram de modo tão criativo as tecnologias de informação para organizar os protestos. Eles convivem com os grupos liberais-democráticos mais antigos, que têm longa história de resistência à ditadura, e sofreram feroz repressão de Mubarak ao longo dos anos. O diplomata Mohamed El-Baradei tem afinidade com essa linha de pensamento, defendendo a elaboração de uma nova constituição para o Egito, que possa garantir a transição pacífica para a democracia. Mas El-Baradei é mais um porta-voz, importante por sua credibilidade no exterior. Ele viveu muitos anos longe do país e não têm base social expressiva em seu apoio.
A Irmandade Muçulmana é o outro segmento relevante da oposição, e com certeza o que desperta maiores receios. Na clandestinidade há muitos anos, em tempos recentes costurou acordos com Mubarak, comprometendo-se a não atacar o governo em troca de certa liberdade para atuar por meio de organizações de fachada. A Irmandade é bem organizada e influente, estima-se que controle cerca de 20% dos deputados egípcios, e muitos dos sindicatos. O grande risco é que, num cenário de vácuo de poder, a disciplina e preparo de seus quadros lhe garantisse a liderança do Egito, à semelhança do que houve com os aiatolás no Irã, após a derrubada do xá.
As Forças Armadas seguem como a instituição mais poderosa do Egito e sua decisão de não reprimir os protestos é, nitidamente, um sinal que abandonaram Mubarak à sua própria sorte, e que estão prontas a negociar com as oposições e exercer papel de destaque no futuro governo. Talvez por meio do novo vice-presidente, o general Osmar Suleiman, ou quem sabe por oficiais mais jovens, como os coronéis que encerraram a monarquia, em 1952. Para os Estados Unidos, União Européia e Israel, é boa notícia. Os militares são os principais fiadores da estabilidade egípcia e de sua permanência nas alianças ocidentais no Oriente Médio.
Os Estados Unidos atravessam a crise egípcia com dificuldades diplomáticas. Os manifestantes criticam Barack Obama e mostram-se decepcionados com seu longo apoio a Mubarak, mesmo que o presidente americano tenha enviado um representante ao seu colega egípcio, aconselhando-o a anunciar sua iminente saída do cargo. Os dilemas que os EUA enfrentaram no Egito podem se repetir à medida que outros aliados no mundo árabe enfrentam revoltas, como na Jordânia, onde o rei exonerou todo o ministério e nomeou um popular ex-militar para comandar um novo gabinete.
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9 comentários:
Olá, professor.
Trocando uma ideia com seus argumentos feitos ao meu comentário do texto A Batalha do Egito.
1º Até podemos chegar a um acordo sobre se Mubarak é um aliado ou um fantoche. Mas, não concordo com o seu exemplo, Você afirma: “Ele tomou medidas contrárias aos interesses americanos em diversas ocasiões, como o apoio à iniciativa do Brasil e da Turquia de buscar acordo sobre o programa nuclear do Irã representaria tal distinção”. Todavia, o próprio governo norte-americano apoiava, mesmo que discretamente, a ação em conjunto do Brasil e da Turquia, conforme mostrou os meios de comunicação (Fonte: G1 do dia 21/05/2010) ao revelar uma carta do presidente Obama ao Lula - que apoiava as iniciativas brasileiras com relação ao Irã.
2º Não acredito que haverá uma intervenção de Israel no Egito. Penso que já há uma intervenção(influência) - mesmo que ela não esteja nas manchetes internacionais - da inteligência israelense no governo egípcio.
Abraços
Caro Israel,
A relação entre o Egito e Israel é usualmente descrita como "paz fria", instável e tensa, e não como uma aliança política sólida.
O governo americano só apoiou as negociações com o Irã de forma retórica, para não demonstrar instransigência. Lembre-se que quando Brasil e Turquia finalmente conseguiram o acordo foram duramente criticados pelos EUA.
Todos os países de certa capacidade política e militar realizam operações ilegais de inteligência em nações vitais para sua segurança nacional, sejam elas aliadas, inimigas ou na zona cinza entre as duas. Evidentemente, não é diferente no que toca aos atos de Israel no Egito.
Abraços
verdade meu caro. Além disso, poucos dias após o famigerado "acordo" entre turcos, persas e brasileiros o CS passou uma resolução com mais sanções contra o Irã.
abraços,
Helvécio.
Exato, capitaneada pelos EUA, mas amplo apoio dos outros P-5 e de países europeus importantes, como a Alemanha.
Abraços
Prezado,
Bem nem preciso colocar que não enxergo perigo de um novo Irã no Egito, mas a lição que fica ao meu ver que de nada adianta crescimento sem melhoras para população, o mundo muçulmano (inclusive o Irã) fez cortes profundos nos gastos sociais e subsídios nos dois últimos anos. Isso levou a parcela da população a querer discutir esse modelo, no fundo o que temos é a economia gritando seus problemas...números de crescimento altos não quer dizer que a situação da maioria da população melhorou e os cortes ainda caem de forma mais intensa sobre eles.
O Brasil deveria pensar bem nessa agora se fala em cortes do orçamentamento, a governabilidade e governança tem que andar juntas, se não é crise.
Olá, Prof. Mauricio!
Sou da produção da GloboNews e gostaria de convidá-lo para uma entrevista nesta sexta sobre o Egito. Pode entrar em contato comigo pelo e-mail sdantas28@gmail.com ou pelos telefones aqui da produção: 2540-3561 / 3563 / 3567 . Você pode falar comigo, com a Antonia ou com a Nelma.
Obrigada!
Abs, Sthephani
A solução será dada pelas forças armadas, que já abandonaram Mubarak - seguem segurando seu caixão insepulto, creio, apenas porque Suleiman, Shafiq, Anan e Tantawi não devem ter chegado a um consenso sobre a formação e divisão de poderes na Junta que adminstrará a "transição".
Devem estar refletindo, também, se um outsider como Elbaradei pode (ou deve) ter algum lugar.
A Irmandade Muçulmana não deve assustá-los, até porque já se manifestou a favor de uma solução vinda dos quartéis. Além disso, não dá pra comparar a Irmandade aos aiatolás... pois, apesar de proporem uma forma islâmica de nacionalismo, a Irmandade não propõe uma hierocracia.
Abs,
Paulo
Prezado Mauricio,
Retornando, é curioso que em todos os governos hoje que tiveram ebulição nas ruas tem um ponto em comum, cortes fortes no orçamento social devido a crise começada nos EUA, não apenas no mundo árabe, tivemos verdadeiros levantes na Islândia, Grécia, França, Bolivia, Irã, Tunisia, Jordania, Egito, Siria, todos os governos de uma forma autoritária quiseream rasgar o contrato social, tiveram disturbios pelas características dos regimes as autocracias tem uma agenda que ainda exige a democracia.
Salve, Marcelo.
Houve de fato uma piora das condições sociais do Egito nos últimos anos, mas a meu ver esse é apenas um dos fatores que explicam as tensões sociais no país. Penso que a rigidez do sistema político, a dificuldade de Mubarak em realizar reformas e sua tentativa desastrada de nomear o próprio filho como sucessor.
Mas é claro que os governantes da região estão assustados e vão pensar em medidas e reformas que possam amenizar essas tensões, inclusive no campo do aumento da proteção social.
Salve, Paulo.
Concordo com você, a posição das Forças Armadas está bastante clara depois dos acontecimentos dos últimos dias. Não há clima político para um banho de sangue no país e o cenário mais provável é que os generais forcem a renúncia de Mubarak, até pela perda de apoio internacional.
abraços
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