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Acabou ser lançada no Brasil “
Salazar – a biografia definitiva”, do historiador português
Filipe Ribeiro de Menezes. É um trabalho excepcional que ajuda a compreender a longa ditadura sob a qual Portugal foi governado no século XX. Menezes é professor na Irlanda e o livro foi escrito em inglês, para o público estrangeiro, por isso dá destaque aos aspectos internacionais do regime salazarista, como seu envolvimento na guerra civil da Espanha, a atitude ambígua na Segunda Guerra Mundial, as longas revoltas anti-coloniais na África e a inserção relutante no processo de integração da Europa.
António de Oliveira Salazar chegou ao poder na década de 1920, mas com uma trajetória atípica na comparação com outros ditadores europeus do período. Não era líder militar, orador carismático ou chefe partidário, mas um embrião de tecnocrata – um pacato professor de Coimbra, de origens humildes e forte fé católica, que ascendeu como reformador da economia numa época da crise política e consolidou sua posição como o fiel da balança numa série de grupos da direita portuguesa: militares, católicos, monarquistas, republicanos conservadores e fascistas.
Oficialmente, era apenas primeiro-ministro (cargo que acumulou com frequência com outros ministérios, como Finanças, Guerra e Relações Exteriores) servindo sob as ordens de três presidentes, todos oficiais-generais das Forças Armadas. Na prática, um ditador extremamente centralizador com um
aparato repressivo que se estendia por três continentes.
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Educado num seminário, Salazar abandonou a possibilidade de uma carreira na Igreja pela vida acadêmica em Coimbra, então a única universidade portuguesa, com apenas 500 estudantes. Muito jovem, tornou-se professor de Direito por lá, e destacou-se pela dedicação ao ensino, embora pouco tenha publicado e apresentado de trabalhos originais. Num país de elites diminutas, ele despontou como assessor qualificado para os militares que tomaram o poder em 1926, após 16 anos de turbulência da jovem república. Como ministro das Finanças, Salazar reequilibrou o orçamento (seria seu dogma pelas décadas seguintes) e o prestígio que essas reformas trouxeram a Portugal foi considerável e abriu seu caminho para o cargo de primeiro-ministro.
Discreto e ascético em sua vida pessoal, era no entanto ambicioso e sedento de poder, manobrando com habilidade entre os diversos grupos da direita. Manteve os fascistas sob controle, tratou os monarquistas com simpatia (até alimentando a idéia de restaurar a realeza, como Franco fez na Espanha) e reestabeleceu privilégios da Igreja. Ajudou os nacionalistas na guerra civil espanhola e manteve Portugal neutro na Segunda Guerra Mundial, mantendo inicialmente laços econômicos com o Eixo, e após 1943 cedendo a importante base militar dos Açores para os Aliados.
Via na agricultura a verdadeira vocação de Portugal, mas suas políticas para a área foram ineficazes e o campo permaneceu como zona de extrema pobreza, origem do fluxo emigratório para o Brasil e depois para França e Alemanha. No pós-Segunda Guerra, o investimento estrangeiro aumentou, atraído pelo baixo custo da mão-de-obra e intensificou a industrialização portuguesa. Mas a prosperidade foi interrompida pelo alto preço das guerras coloniais em Angola, Moçambique e Guiné, que consumiam mais de 25% do orçamento público.
Salazar enfrentou diversas oposições. Nos anos 30, o risco a seu poder vinha dos fascistas, para quem ele era excessivamente tímido e conservador. Na década de 1950, dois dissidentes do regime, o
general Humberto Delgado e o capitão Henrique Galvão, canalizaram os descontentamentos liberais com a ditadura e criaram vários constrangimentos internacionais para o regime. A ala progressista da Igreja, sintonizada com as democracias-cristãs européias e o concílio Vaticano II, também lhe criaram dificuldades. Nos anos 60, a perda de Goa (ocupada militarmente pela Índia de Nehru) e o início das guerras africanas quase lhe custaram o cargo, numa tentativa de golpe liderada por seu ministro da Defesa.
Salazar sobreviveu a tudo, e morreu de velhice em 1968. O regime ainda se arrastaria por mais seis anos, até cair com a Revolução dos Cravos, impulsionada pelos jovens oficiais militares que matavam e morriam na África.