quarta-feira, 9 de março de 2011

O Momento de Wilson



Erez Manela é um professor de Harvard que tornou-se expoente da história internacional, o esforço em buscar perspectivas cosmopolitas para os grandes episódios da política global. Seu “The Wilsonian Moment – self-determination and the international origins of anticolonial nationalism” cumpre essa tarefa para o periodo crucial de 1918-9, quando as expectativas decorrentes do fim da I Guerra Mundial detonaram uma série de revoluções que visavam a redesenhar sistemas de governo, da Alemanha à China.

O livro de Manela concentra-se no impacto no mundo colonial e na China da doutrina de autodeterminação dos povos anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, como um dos “14 pontos” da reconstrução da ordem internacional após a guerra – a imagem que abre o post representa as palavras mais frequentes nesse célebre discurso. Wilson pensava nos súditos dos impérios multinacionais da Europa central e oriental e pouco tinha refletido sobre o que suas palavras significariam em outros continentes. O tema é abordado de passagem na maioria das histórias da época, mas Manela aborda de modo magistral as consequências revolucionárias do “momento wilsoniano” no Egito, Índia, China e Coréia do Sul.




Com exceção da China, todos os outros eram colônias, da Grã-Bretanha ou do Japão, e interpretaram os pronunciamentos de Wilson como a promessa de que conquistariam a independência, enviando delegados para tentar participar da Conferência de Paz de Versalhes. No caso chinês, a questão eram os enclaves estrangeiros no país, sobretudo os que os japoneses haviam tomado dos alemães durante a I Guerra Mundial. As expectativas despertadas por Wilson foram muito além do que os Aliados pretendiam oferecer após o conflito e o resultado foi a explosão de uma série de revoluções ou revoltas, todas duramente reprimidas, que foram o marco de passagem no surgimento do nacionalismo contemporâneo no Oriente Médio e na Ásia.



Neste post, tratarei apenas do Egito, uma vez que foi o país que motivou a ler o livro. Oficialmente, ele era parte do Império Otomano (mapa acima) mas gozava de grande autonomia desde meados do século XIX, sob uma dinastia albanesa de quedivas, os soberanos locais. A enorme dívida externa contraída para construir o Canal de Suez e tocar projetos de modernização levou à ocupação militar do Egito pelos britânicos, que decretaram um “protetorado”, consolidado após a derrota de uma revolta nacionalista sob um líder militar, o paxá Urabi.

O Império Otomano foi destruído na I Guerra Mundial e os espólios dos territórios árabes foram divididos entre britânicos e franceses pelos termos do acordo Sykes-Picot, ainda que os novos países criados então fossem declarados “mandatos” coloniais provisórios, sob a égide da recém-inaugurada Liga das Nações. Um mapa instável que o historiador David Fromkin chamou de “uma paz para acabar com todas as pazes”.

Não houve mudança formal na situação do Egito, e a elite local ficou revoltada em ser tratada pior do que as tribos da Arábia, que de imediato ficaram livres. Os nacionalistas egípcios formaram um novo partido, o Wafd (delegação) e impulsionaram a Revolução de 1919, visando à Independência – momento histórico admiravelmente narrado no primeiro volume da “Triologia do Cairo”, de Nagib Mahfouz, protagonizada por uma família partidária do Wafd. Os britânicos conjugaram repressão com concessões, cedendo mais poderes à assembléia legislativa local. Mas a autonomia do Egito só viria bem mais tarde, após a outra guerra mundial.

4 comentários:

Jackie e Rômulo disse...

Maurício, a leitura de seu blog é sempre agradável e enriquecedora. Adoro suas dicas de livros =)
bjs,

Maurício Santoro disse...

Que bom, Jackie. Estou com vários outros legais para comentar por aqui, como a biografia de Salazar e o livro de Eichengreen sobre a ascensão e crise do dólar como moeda internacional.

O mundo não é um lugar chato, como diz o slogan da revista Foreign Policy.

abraços

José Elesbán disse...

Pois é, mas foi sob Wilson a primeira ocupação do Haiti pelos Estados Unidos, não? Eu estou enganado ou eles destruíram parte da agricultura de subsistência haitiana na época e forçaram reformas liberalizantes já naquela época?
O livro fala sobre isso?

Maurício Santoro disse...

Caro Zé,

Não, o livro não aborda os impactos de Wilson para a América Latina, embora mencione de passagem sua política repressiva para a região. Mais grave do que a ocupação do Haiti foram suas duas intervenções militares no México, em plena revolução daquele país, que geraram uma crise que perdurou até a década de 1940, em particular pela questão do petróleo.

abraços