sexta-feira, 25 de março de 2011

Direitos Humanos: mudança de rumo



A promessa da presidente Dilma de mudar a política externa para direitos humanos começa a mostrar seus primeiros resultados – e suas limitações. Na visita à Argentina foi destaque a reunião com as Mães e Avós da Praça de Maio e agora o Brasil mudou sua posição tradicional no Conselho de Direitos Humanos da ONU (foto), votando a favor da nomeação de um relator especial para investigar o Irã. Nas revoltas árabes, no entanto, o governo brasileiro tem mantido postura cautelosa, sem condenar a repressão brutal desecadeada pelos ditadores da região e expressando apenas o desejo de que sejam encontradas soluções por meio de negociações pacíficas.

A mudança mais expressiva é o Irã. Os diplomatas brasileiros com frequência afirmam que pressões a países violadores de direitos humanos são contraproducentes e que o melhor é trabalhar em silêncio, procurando cooperação em temas como libertação de presos políticos. Também é praxe no Itamaraty a crítica ao modo como certos Estados são escolhidos para serem punidos, enquanto outros violadores seguem impunes. Digamos, como se pressiona o Irã, mas não aliados ocidentais como a Arábia Saudita, grandes potências, como a China e, evidentemente, a apatia da ONU diante das atrocidades que os Estados Unidos cometem em suas guerras.

Muitas dessas observações são válidas, mas em crises recentes houve declarações presidenciais que foram, na prática, apoio a regimes ditatoriais em sua repressão aos dissidentes. Lula comparou os presos políticos em Cuba a criminosos comuns, classificou como “choro de perdedor” a Revolução Verde em protesto contra o autoritarismo e as fraudes eleitorais no Irã e abraçou Kadafi, chamando-o de “irmão”. Há excelentes razões pelas quais é importante ao Brasil manter boas relações com esses países, mas é preciso fazê-lo de modo sóbrio e equilibrado. A democratização brasileira é a principal conquista política das últimas décadas e seria bom vê-la conquistar mais espaço na política externa.

As revoltas árabes oferecem importante oportunidade para isso, que aliás, já foi observada pelos próprios países do Oriente Médio. A emissora Al-Jazeera convidou o ex-chanceler Celso Amorim para dar uma palestra sobre esse tema, e outros analistas internacionais têm se manifestado de maneira parecida. É compreensível o receio brasileiro diante do turbilhão político em curso na região, em particular quando envolve guerra, como na Líbia. Mas o futuro oferece potencial rico, o Brasil pode cooperar com sua experiência em políticas públicas, construção de instituições (como Justiça Eleitoral) e sua extraordinária tradição de tolerância religiosa.

Só não contem à comunidade internacional sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal em adiar a aplicação da Lei da Ficha Limpa. Pode dar muitas idéias malignas para os corruptos de outros países.

7 comentários:

brunomlopes disse...

Quando o Brasil passava a mão na cabeça de violadores de direitos humanos, ficava parecendo muito os apresentadores de programas policiais que dizem "direitos humanos é papo de quem gosta de proteger vagabundo". Se o problema era que os americanos não iam contra a Arábia Saudita, bastava apresentar uma proposta do tipo "votamos a favor de sanções aos direitos humanos no Irã se for votada uma moção pela violação aos direitos na Arábia".
Palmas a Dilma por essa mudança de atitude e pela firmeza. Hoje o Irã, amanhã a Arábia Saudita.

Maurício Santoro disse...

Salve, Bruno.

Não tenho expectativas de que os EUA topem decisões que pressionem a Arábia Saudita, ou Israel na questão palestina, mas é importante que o Brasil comece a pensar em alternativas para levar os direitos humanos a sério na política externa, quando mais não seja porque as forças democráticas estão em ascensão no Oriente Médio.

abraços

marcelo l. disse...

Prezado Maurício,

Acho que desde leio seus textos e comecei a fazer comentários sempre fui crítico a política de direitos humanos em política externa, mas a atual do Brasil me parece a pior, estamos condenando o Irã - que a bem da verdade merece- , mas deixando de condenar um regime como líbio que é uma ditadura terrível, fica-me a impressão, posso estar enganado, que as críticas ao Irã são por que o negócio não é tão bom como em Tripoli para grandes firmas brasileiras que por sinal são grandes financiadores de campanha aqui do Brasil.

Posso estar sendo negativatista, mas me parece que entramos na era da diplomacia pró-empreiteiras, e o Irã é um mercado secundário, comparado com reinos do golfo, Saudita e Libia

Abs

Mário Machado disse...

Acho que tenho que me conformar com o fato de que a moralidade (se o termo for aplicável) em PE é sempre ad hoc. Pelo menos agora parece que o objetivo ou interesse nacional é o norte e não se alinhar aos EUA ou ser contra os EUA.

Já é algo a se comemorar se comprovado no longo prazo.

Maurício Santoro disse...

Salve, Marcelo.

Você tem razão, o discurso é um com o Irã e outro com a Líbia. O lobby das empreiteiras brasileiras na política externa para o Oriente Médio é muito forte, ele vem desde a década de 1980.

No entanto, no caso líbio, pesa muito a tradição brasileira de não apoiar intervenções militares, mesmo que chanceladas pela ONU. Há um temor, bastante justificado, que os combates no país piorem a maré de refugiados que atingem os vizinhos.

Salve, Mário.

Pois é, e haja ad hoc nisso...

abraços

marcelo l. disse...

Prezado Maurício,

Sempre vejo que existem boas razões para diplomácia brasileira ser tão ruim no caso líbio, mas lendo textos árabes fico até constrangido até por que é explicar o inexplicável.

Mas, vim mas por causa desse texto, sobre a Líbia, é um ponto de vista diferente do atual conflito, eu acho até depois de ler tanto forum e imprensa árabe, eu me identifico com algumas conclusões que pode se chegar do texto.

http://muftah.org/?p=956&page=1

Abs

Maurício Santoro disse...

Caro,

Obrigado pelo excelente texto, vou passar a acompanhar o blog. Tenho me perguntado o papel que a nova juventude líbia, bastante escolarizada, pode desempenhar no futuro pós-Kadafi. Estou menos otimista que o autor sobre a questão das tribos, mas concordo plenamente com ele na distância entre uma sociedade que se modernizou muito e as estruturas arcaicas do Estado autoritário.

Abraços