segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Greve Geral e Reforma da Constituição no Chile



As manifestações no Chile seguem com muita intensidade e na última semana incluíram dois dias de greve geral – a primeira desde a redemocratização, em 1990. Escrevi anteriormente neste blog sobre as principais causas dos protestos, como as demandas dos estudantes e dos mineiros. A paralização destes dias foi sobretudo em defesa da reforma da Constituição de 1980 – um dos últimos entraves à democracia chilena que restaram da ditadura Pinochet.

O documento foi produto de uma comissão de juristas encarregada pelo general de elaborar diretrizes que lhe permitissem institucionalizar o poder que havia tomado no golpe de 1973. Ironicamente, ele pouco governou com ela, pois adotou com frequência o recurso do Estado de Sítio e outros mecanismos de exceção. No entanto, emendou-a em 1989, estabelecendo as regras para a transição democrática, após ser derrotado no plebiscito que havia organizado para garantir mais anos na presidência.

A Constituição criou quase 25% de senadores não-eleitos, indicados por Pinochet, inclusive como representantes das três Forças Armadas e do Corpo de Carabineiros (polícia nacional). O próprio ditador permaneceria senador vitalício e comandante do Exército até meados dos anos 90. Os chefes militares não podiam ser exonerados pelo Presidente, mas somente pelo Conselho de Segurança Nacional, cuja metade dos integrantes são de oficiais das Forças Armadas. Elas também tinham assegurados vultosos recursos, com 10% das receitas de exportação da estatal do cobre, e reajuste automático dos soldos, de acordo com a inflação.

A maior parte desses abusos, como os senadores não-eleitos, foram eliminados com a reforma de 2005, mas permanecem problemas sérios como o sistema eleitoral. A Constituição de 1980 eliminou o voto proporcional que era tradicionalmente usado no país e instituiu modelo binominal. São 60 distritos eleitorais, cada um elegendo dois deputados. O primeiro posto fica com o mais votado do distrito. O segundo (quase sempre) com o mais votado do 2º partido, mesmo que seu desempenho tenha sido pior do que outros candidatos da sigla majoritária.



O sistema foi feito sob medida para beneficiar a direita, minoritária eleitoralmente, aumentando sua representação no Congresso - ver quadro acima, com resultados de 2005. A Alianza é a coligação dos dois partidos de direita, RN e UDI. Que ademais também ganha com a força excessiva dada às zonas rurais, mais conservadoras. E o sistema costuma excluir os candidatos da extrema-esquerda, como os comunistas, embora eles tenham em geral pelo menos 5% dos votos nacionais.

A Concertación, a coalizão de centro-esquerda que governou o Chile de 1990 a 2010, tentou reformar por diversas vezes o sistema eleitoral, mas nunca conseguiu. Na última campanha presidencial, outros pontos da Constituição foram colocados em discussão, como o modelo de Estado muito centralizado, no qual o presidente nomeia os intendentes regionais. Grupos progressistas chilenos demandam uma federação, com mais autonomia local, como existe na Argentina, Brasil e México. Alíás, a própria cidade de Santiago não tem um prefeito – com a alta concentração de população na capital, ele poderia fazer sombra ao poder do presidente. Em vez disso, a metrópole é dividida em várias zonas, cada qual com seu intendente.

O presidente Sebastián Piñera é hoje o mandatário mais impopular da América do Sul, com aprovação inferior a 30%. Os diversos ciclos de protesto são rejeição brutal de seu programa de reforma liberal para o Chile. Ele reagiu com mudança ministerial e repressão violenta, que já resultou em mortes. A tradição chilena é de que presidentes eleitos cumpram o mandato até o fim – o golpe contra Salvador Allende foi das poucas exceções – mas é difícil imaginar como Piñera poderia se manter no cargo caso persista tal nível de confronto de rua no país.

Um comentário:

"O" Anonimo disse...
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