segunda-feira, 8 de agosto de 2011
Primárias na Argentina
Passei os últimos dias na Argentina. Fui a Buenos Aires participar da banca de um orientando e aproveitei para rever a cidade, me informar sobre a política e comprar muitos livros, bastante baratos para os absurdos padrões brasileiros. Encontrei a Argentina um tanto atônita com a novidade das eleições primárias - abertas, obrigatórias e simultâneas - de 14 de agosto. Pela primeira vez os eleitores irão escolher os candidatos de cada partido a presidente, vice-presidente, deputados e senadores. Em teoria, seria algo extremamente democrático. Na prática, dada a falta de opções reais em cada sigla, é muito mais um instrumento para que Cristina Kirchner consolide sua posição de liderança dentro do peronismo, fortalecendo-se contra facções rivais antes das eleições de outubro, para as quais ela é favorita.
A presidente superou seu momento político mais difícil, que foi a crise com o agronegócio em 2008. A economia cresceu e o desemprego está em baixa. Com popularidade em torno de 40%, 45%, Cristina lidera com folga sobre rivais peronistas como o ex-presidente Eduardo Duhalde e o governador de San Luis, Alberto Rodriguez Saa.
A oposição a Cristina é fragmentada. O tradicional bi-partidarismo que dominou a política argentina no século XX foi implodido com a grande crise de 1998-2002, e o que existe hoje é um cenário de pequenas siglas e facções que tentam ocupar espaços à direita (o PRO do prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri) e à esquerda (a coalizão cívica de Elisa Carrió, eterna cruzada anti-corrupção; o Projeto Sul do cineasta Fernando Solanas). A União Cívica Radical, que muitos julgavam extinta após a última crise, tem se recuperado por meio de Ricardo Alfonsín, filho do ex-presidente Raúl. Ele é o segundo colocado nas pesquisas, com pouco menos de metade das intenções de voto de Cristina Kirchner. Independentemente das orientações ideológicas, a oposição concentra suas críticas ao governo em dois pontos: inflação e corrupção. Os dois problemas são sérios no país.
O discurso oficial tem ressaltado o retorno do crescimento econômico após a crise e a nova política de direitos humanos, que atraiu para o círculo dos Kirchners muitos movimentos sociais e outros grupos de esquerda que estão dispostos a aceitar alguns, senão todos, dos gestos mais controversos da presidente. Os conflitos com a imprensa continuam intensos, mas agora o governo construiu alternativas ao Grupo Clarín, formando alianças com outros conglomerados de mídia e usando a TV pública como um instrumento de propaganda do kirchnerismo.
O cenário mais provável para as eleições de outubro é a reeleição de Cristina, mas não será uma vitória tão fácil quanto se esperava há alguns meses. O governo sofreu derrotas eleitorais em três das quatro principais regiões econômicas do país (na capital, e nas províncias de Santa Fé e Córdoba), embora deva manter a jóia da coroa, a província de Buenos Aires, na qual vivem cerca de 40% dos eleitores. Há, como sempre, muitas tensões internas no peronismo, em particular disputas de poder envolvendo as pressões da presidente sobre seus correlegionários, para que incluam nas chapas candidatos da nova juventude partidária, comandada por seu filho, Máximo.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
6 comentários:
A expressao "controversos" utilizada nos paragrafos finais eh completa definicao do peronismo, que navega, ao longo de sua historia, dos montoneros ate a extrema direita.
Na minha opnião Perón foi o pior que já aconteceu a Argentina, similar ao que fez Chavéz na Venezuela e Berlusconi na Itália.
O Chile o Brasil deveriam pressionar mais a Argentina e mostrar que o melhor caminho é uma economia mais liberal e um governo mais moderado.
Meu caro,
Seu artigo é uma excelente resenha do que está acontecendo hoje na Argentina! Qué posso comentar? Nada... Brasileiros, leiam se querem ter uma radiografia precisa do pais austral!
Anônimo,
Creio que Brasil exigindo à Argentina uma economia mais liberal seria o mesmo que ver aos EUA exigir maior apertura comercial aos alemães. Como temos falado com o Maurício faz uns dias, o governo argentino tem perdido instrumentos econômicos fundamentáis que o Brasil conserva, como o BNDES (aqui chamado de BANADE, que acabou nos 1990), nos tempos da luta pela "eficiência" do governo Menem. O Estado Argentino não tem as mesmas possibilidades do que o Brasil à hora de planificar sua economia. Tem perdido a "soberania econômica", por dizer assim.
Abraços
Patricio Iglesias
Caros,
Um amigo argentino me disse, irônico, que entender seu país era muito fácil: bastava compreender o peronismo. Missão árdua, porque o movimento é incrivelmente contraditório.
Trouxe muitos livros desta viagem e irei resenhar alguns deles nas próximas semanas. O de Beatriz Sarlo sobre Kirchner, por exemplo, é ótimo.
abraços
salve, santoro,
a propósito do que falou o hermano de longa data do blog, patrício iglesias, e guardadas as devidas especifidades do brasil e da argentina, que diferenças de legado político & econômico deixou vargas pra nós e domingos peron para eles, hein?
abração
carlos anselmo-fort-ce
Salve, Carlos.
É verdade. A diferença é que o legado de Vargas é bem mais consensual no Brasil, ao passo que a herança de Perón continua a ser bastante conflituosa na Argentina.
abraços
Postar um comentário