sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Uma Rede de Proteção à Grécia



Meu artigo nesta sexta no jornal "Folha de São Paulo":

Análise: Gregos correrão risco de queda livre sem rede de proteção da União Européia

A Grécia corre sério risco de decretar moratória de sua dívida externa. Apesar do aumento da ajuda externa e da adoção de medidas de austeridade, a situação econômica do país continua grave e sem solução visível. Ainda que esse desfecho seja inevitável, faz diferença se o governo grego contar com uma rede proteção internacional da União Européia ou se cair em queda livre, como aconteceu com os países da América Latina e da África na crise da dívida de 1982.

Naquela ocasião, os países em desenvolvimento ficaram privados de crédito e foram forçados a realizar reformas econômicas de maneira brusca por pressão das organizações financeiras multilaterais, sem a devida atenção às negociações em busca de apoios políticos domésticos para as mudanças. Os resultados da crise foram baixo crescimento combinado com inflação acelerada e uma “década perdida” de tensões e retrocessos sociais.

A Grécia pode evitar esse caminho. A União Européia oferece a possibilidade de negociar reformas que passam não apenas por preocupações econômicas, mas por um projeto de integração regional baseado em paz e desenvolvimento, com fundos estruturais de solidariedade entre nações ricas e pobres. A resposta às crises de 1914-1945, com duas guerras mundiais e uma grande depressão. Com seus altos e baixos, esse ideal político auxiliou muitos países a consolidarem suas democracias, inclusive a própria Grécia, que deixou para trás trajetória sombria que no século XX foi marcada por guerras contra seus vizinhos, ocupação nazista, embates entre monarquistas e comunistas e ditadura militar.

A recuperação grega será lenta e difícil – seus principais mercados externos estão na estagnada Europa, seu Estado está enfraquecido e com parcos recursos. Por isso é especialmente importante a ajuda da União Européia, para que o país possa sustentar políticas públicas de educação, saúde, assistência aos desempregados e requalificação profissional, que amorteçam os impactos de desastre que se anuncia inevitável. Tais medidas reduziriam a instabilidade, construindo pontes entre governo, sindicatos e movimentos sociais, na busca de pactos de governabilidade. Uma moratória negociada e amparada pelas instituições regionais também diminuiria o risco de contágio da crise para Portugal, Irlanda ou mesmo economias maiores como as da Espanha e Itália.

Maurício Santoro, 33, é doutor em Ciência Política pelo Iuperj e professor do MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Eliezer Batista




Ex-presidente da Vale, ex-ministro de Minas e Energia (governo João Goulart) e de Assuntos Estratégicos (Fernando Collor), Eliezer Batista é um nomes mais expressivos na construção do modelo desenvolvimentista do Brasil. Homenageado pelo Centro de Relações Internacionais da FGV, com a exibição no dia 26 de setembro de documentário sobre sua vida – “Eliezer Batista, o Engenheiro do Brasil”, do cineasta Victor Lopes – ele debateu sus idéias com um auditório lotado e afirmou que a prioridade para o país neste momento deveria ser investir em educação e inovação, para romper o ciclo de dependência com relação às commodities: “Nenhum país se desenvolve só com matérias-primas e nesse sentido estamos menos desenvolvidos hoje do que no passado”.

“O encontro com Eliezer Batista faz parte de um ciclo de debates sobre relações internacionais e desenvolvimento, que nos últimos dois meses trouxe à FGV outras personalidades de destaque, como o embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero, o presidente da Embraer Europa, Luiz Fuchs e o professor Luiz Werneck Vianna”, disse o professor Maurício Santoro, que mediou a discussão: “Eliezer é uma figura-chave na transformação da Vale de uma pequena empresa de mineração num ator global nesse mercado, e uma referência em comércio exterior, logística e desenvolvimento sustentável.”


O resto, no site do Centro de Relações Internacionais da FGV.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A Primavera Árabe e o Conflito com Israel



Em meio às discussões pelo reconhecimento do Estado palestino, os nove meses da Primavera Árabe apontam para balanço duro: o acirramento do conflito com Israel. Nas últimas semanas, diplomatas israelenses foram expulsos ou fugiram do Egito, Jordânia e do país não-árabe que cada vez desponta como ator decisivo na região, a Turquia.

Muitos analistas de política internacional acreditam na teoria da “paz democrática”, isto é, a de que democracias tendem a ter relações mais estáveis e pacíficas com outros regimes da mesma natureza, em função do caráter público e negociado de suas deliberações e de muitos pontos de veto no sistema político à decisões que levem à guerra. No Oriente Médio, essa perspectiva reflete-se na esperança de normalização diplomática entre Israel e seus vizinhos árabes. Acredito que isso ocorrerá no médio prazo, em alguns anos, mas que nos próximos meses teremos mais convulsões e instabilidade, por duas razões

A primeira é a ocupação dos territórios palestinos por Israel e a persistência de tensões violentas por Jerusalém, pelo controle do rio Jordão e pelo direito de retorno de milhões de refugiados, desde a guerra de 1948. Para muitos países árabes, a questão palestina está numa fronteira tênue entre um tema internacional e política doméstica, particularmente para o Egito, onde a situação do Sinai está muito ligada à da Faixa de Gaza. Alguns regimes autoritários, como o egípcio, haviam controlado as demandas mais intensas pró-palestinos e agora essas reivindicações voltam com força.

A segunda é a existência de muitos bolsões autoritários na região – países, movimentos, instituições dentro de cada país – que agem no sentido de limitar ou contrapor-se às tendências democratizantes. Do Hamas aos colonos israelenses na Cisjordânia, do Irã ao partido extremista Israel Nossa Terra, passando por fundamentalistas de várias cores e matizes, há um excesso de grupos cujo interesse não está nos diálogos ou negociações, mas na permanência do conflito violento. E mesmo os atores democráticos desse jogo têm que chegar a acordos com esses parceiros ou adversários, buscando atrai-los para suas coalizões ou neutralizá-los por meio da adoção de versões mais moderadas de suas idéias.

O balanço atual da Primavera Árabe é que nos países mais homogêneos (Tunísia e Egito) as revoltas caminham rumo à transição para eleições democráticas. Nos estados mais fragmentados étnico-religiosamente, o quadro é sombrio guerra civil e intervenção da ONU na Líbia (talvez 25 mil mortos, numa população de 6 milhões) e massacres no Bahrein, Iêmen e Síria. Na Arábia Saudita, houve apenas protestos pouco significativos nas províncias de minoria xiita, e o rei reagiu com misto de repressão (inclusive mandando tropas ocupar a vizinha ilha do Bahrein), pagamento de benefícios financeiros e a decretação do direito de voto para as mulheres, em eleições municipais.

Também chama a atenção a mudança de comando na Al-Jazeera, emissora que foi tão importante na cobertura – e talvez na deflagração – das rebeliões. O jornalista palestino que a chefiava há oito anos foi substituído na semana passada por um membro da família real do Catar, país que sedia a empresa. O aristocrata não tem experiência com imprensa, era o presidente da estatal de gás natural. Tudo aponta para o fechamento político da Al-Jazeera, com maior controle por parte do emir do Catar.

Guerras e influências de potências externas no Oriente Médio forneceram aos ditadores o pretexto de um conveniente inimigo para aglutinar a população, ou um aliado internacional importante para ajudar a perseguir opositores. No caso da Síria, estabelecer o país como uma espécie de fiel da balança numa zona de enfrentamentos intensos, de modo que todos ficaram temerosos pela derrubada de governos que, bem ou mal, representam estabilidade.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Comissões da Verdade



No fim da noite de quarta a Câmara dos Deputados brasileira aprovou a criação de uma Comissão da Verdade para investigar violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, embora a ênfase deva ser na ditadura militar de 1964-1985. Este tipo de instrumento tornou-se comum: de meados da década de 1970 até hoje foram instaladas comissões assim em cerca de 30 países que passaram por períodos autoritários e/ou de guerra civil, sobretudo na América Latina e na África. O Brasil é das poucas exceções entre os principais países dessas regiões a nunca ter tido algo do gênero. O projeto de lei aprovado pela Câmara ainda tem que passar pelo Senado.

O ponto comum entre todas as Comissões é sua tarefa de levantar informações e esclarecer os fatos com relação a épocas de violência política. A maioria delas foi criada logo após o encerramento desses períodos, quando ainda havia muitas coisas obscuras e grande desconhecimento da sociedade sobre o que tinha ocorrido.

No Brasil, a ditadura acabou há mais de 25 anos e uma série de estudos, reportagens e relatos foi bastante eficaz em investigar o funcionamento do aparato repressivo, desde o trabalho pioneiro da Igreja Católica na década de 1970, ainda durante a ditadura. A função da Comissão hoje é acima de tudo política: dar uma resposta oficial, do Estado, aos crimes cometidos no período. Embora restem questões importantes a esclarecer, como a localização dos cadáveres dos guerrilheiros mortos no Araguaia.

Há pelo menos dois pontos controversos com relação à criação da Comissão. O primeiro é a acusação de que ela seria enviesada e levaria em conta apenas a perspectiva dos ativistas de esquerda mortos ou torturados na ditadura, mas que fecharia os olhos às atrocidades cometidas pelos grupos armados marxistas, como atentados a bombas e assassinatos. A segunda é que seria um tipo de disfarce do governo para iniciar processos judiciais contra militares e ex-autoridades do regime autoritário.

Acusações de parcialidade política foram freqüentes em todos os países nos quais houve Comissões da Verdade. Creio que o melhor que se pode afirmar é que seus trabalhos têm o mérito de provocar o debate na sociedade, e inclusive de dar voz às vítimas do terrorismo de esquerda, seja por depoimentos na própria Comissão, seja pela discussão na imprensa.



Quanto ao segundo ponto, algumas Comissões serviram de base para a instauração de processos judiciais, em particular o trabalho da equipe argentina, que foi usado no julgamento às juntas militares, em meados da década de 1980. Já na América Central, as audiências não resultaram em ações legais e seu funcionamento foi exclusivamente dedicado à memória histórica. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal negou argumentos que procuravam invalidar ou restringir a Lei de Anistia promulgada em fins da ditadura, em 1979. O projeto de lei aprovado pela Câmara torna obrigatório o depoimento de funcionários públicos – civis e militares – à Comissão, mas proíbe que ele seja usado em processos judiciais.

Um lado pouco abordado na discussão é a influência do contexto internacional, em particular na América do Sul. O Brasil tem sofrido cobranças das sociedades vizinhas e de organizações regionais, como a OEA. Afinal, o país tem ambições de liderança global que passam também por temas ligados à democracia e aos direitos humanos, a cuja defesa se comprometeu por meio de diversos tratados diplomáticos. O tempo do mundo mudou, e o Brasil é pressionado a acertar seus ponteiros com as novas tendências.

O projeto aprovado pelo Congresso foi fruto de negociações entre o governo e oposição, com emendas do DEM e do PSDB. Foi muito importante, aliás, o apoio de sete ministros e secretários dos Direitos Humanos, dos governos FHC, Lula e Dilma ao projeto (foto). A Comissão brasileira será criada com bem menos força e recursos do que as que foram instaladas em países vizinhos. O processo político, naturalmente, está só começando. Os próximos passos serão a tramitação do projeto pelo Senado, a escolha dos integrantes do órgão (que não podem ter cargos em partidos ou no governo, nem terem se envolvido diretamente nos fatos a serem investigados), a definição de seu orçamento e de seus ritmos de trabalho, e como imprensa, movimentos sociais e pesquisadores acompanharão suas atividades.

Aqui está um abaixo-assinado online de apoio à criação da Comissão.

E este é um excelente livro de política comparada que analisa mais de 20 Comissões da Verdade em diversos países.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O Discurso de Dilma



O político e diplomata brasileiro Osvaldo Aranha foi o primeiro presidente da Assembléia Geral da ONU e por conta disso, o representante do Brasil (presidente, chanceler, embaixador) sempre abre as deliberações desse órgão, com a tradição de que seu discurso seja uma análise panorâmica da situação mundial. Ocasionalmente primorosa, como no célebre “discurso dos 3Ds” (Desarmamento, Descolonização, Desenvolvimento) do embaixador Araújo Castro, em 1963. Com Dilma Rousseff, pela primeira vez a Assembléia Geral foi iniciada por uma mulher. O cerne da fala da presidente foi a necessidade de mais esforços multilaterais para superar a crise econômica global.

A ênfase no multilateralismo, na igualdade entre os Estados e nos direitos dos pequenos países tem sido pilar da política externa brasileira desde o início do século XX e o discurso de Dilma reforçou esta linha, centrando no enfrentamento da crise econômica mundial e ressaltando o dinamismo brasileiro como mercado emergente, fazendo o constraste entre o aumento do desemprego na Europa e nos EUA e sua redução no Brasil.

Dilma preconizou a ONU – e não o FMI ou o Banco Mundial, onde os votos são baseados em cotas de contribuições financeiras – como fórum para debates sobre a crise econômica, defendendo a criação de mecanismos de verificação mútua para políticas fiscais, monetárias e cambiais e negociações sobre as dívidas soberanas. Reforçou as críticas brasileiras às “guerras do câmbio” e ao protecionismo (embora o Brasil tenha adotado medidas assim, como o aumento de impostos a carros importados da Ásia), bem como a demanda por reformas da instituições internacionais, para torná-las mais representativas aos emergentes.

Questões de paz e segurança também foram abordadas pela presidente, sobretudo no caso da Primavera Árabe. Dilma afirmou que a liberdade é um ideal universal e que o Brasil “repudia veemente” as repressões dos governos autoritários contra os civis, mas também criticou o uso da força e frisou que as soluções devem ser buscadas pelas populações locais. Condenou as doutrinas em voga na OTAN ao destacar que além de falar em “responsibilidade de proteger” (R2P) é preciso tratar da “responsabilidade ao proteger”, isto é, como são executadas as chamadas intervenções humanitárias. E defendeu, uma vez mais, a reforma no Conselho de Segurança da ONU.

Um dos momentos mais aplaudidos do discurso foi seu anúncio ao apoio ao reconhecimento do Estado palestino pela ONU – o governo brasileiro já o reconhece há pouco menos de um ano. Frisou a tradição de convivência pacífica entre árabes e judeus no Brasil e frisou a legitimidade do pleito de todos esses povos em viver em paz no Oriente Médio.

A visita de Dilma a Nova York se deu em meio a grande destaque da imprensa internacional, com a presidente sendo nomeada semanas atrás pela Forbes a 3ª mulher mais poderosa do mundo (atrás apenas de Angela Merkel e Hilary Clinton), capa da revista Newsweek, em uma reportagem elogiosa, e lançando junto com Barack Obama uma iniciativa em defesa de governos abertos e transparentes – mesmo que o Senado brasileiro – leia-se Sarney e Collor - retarde a aprovação da Lei de Acesso a Informação.

Em suma, a presidente está em bom momento internacional, mas convém não esquecer que os problemas e contradições de seus aliados no governo representam obstáculos para que o país alcance os objetivos ambiciosos de sua política externa.

Pós-Escrito: duas entrevistas em que analiso o discurso da presidente:

- Rádio da Câmara dos Deputados: Dilma e a tradição diplomática do Brasil.

- Jornal Correio Braziliense: Um discurso contundente.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

João Goulart



O historiador Jorge Ferreira é um dos principais estudiosos do trabalhismo brasileiro das décadas 1930-60 e sua excelente recém-lançada biografia do presidente João Goulart lança nova interpretação sobre esse polêmico líder político, em visão que ressalta suas habilidades como mediador em negociações sindicais e organizador partidário, em contraste com os diversos críticos, à esquerda e a à direita, que o consideravam incapaz, indeciso e despreparado.

Ferreira constrói seu argumento a partir de seus livros anteriores e de análises de Ângela Castro Gomes, Maria Celina d´Araújo, Argelina Figueiredo, Lucilia de Almeida, Luiz Alberto Moniz Bandeira e de memórias e biografias dos protagonistas do período. Em comum, o questionamento da caracterização do trabalhismo como populista e manipulador, frisando as relações complexas e ambíguas existentes entre políticos, sindicalistas, militares e empresários.

Goulart era um rico criador de gado e fazendeiro da cidade gaúcha de São Borja, cuja família era amiga do presidente Getúlio Vargas, natural da mesma cidade. Quando ele foi deposto em 1945, Goulart foi um dos poucos a ficar do seu lado. Vargas desenvolveu afeto paternal pelo rapaz de vinte e tantos anos e tornou-se seu mentor político, lançando-o como um dos organizadores do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o nomenando ministro do Trabalho durante as crises turbulentas que culminaram no suicídio de Vargas em 1954.

Ferreira retrata Goulart como um negociador carismático e habilidoso, um workaholic dedicado à política. É especialmente interessante o exame dos conflitos internos do PTB, com os embates ele uma ala mais voltada para o modelo das sociais-democracias européias, uma facção mais pragmática e as idas e vindas das relações com os comunistas, na clandestinidade mas fortes no meio sindical. O principal rival de Goulart no PTB era Leonel Brizola, que tornou-se seu parente quando casou com sua irmã. A relação entre ambos foi conturbada, passando de alianças a épocas de separação e brigas.



Outro ponto alto do livro é mostrar o período – em geral subestimado – de Goulart como vice-presidente de Juscelino Kubitschek, que cimentou a aliança do PTB com o mais conservador PSD. Pela lei eleitoral da época, as pessoas votavam separadamente para os dois cargos e Goulart teve maior votação do que JK, agindo no governo como o interlocutor com o movimento trabalhista, solucionando greves e atendendo demandas por vezes tensas em virtude do aumento da inflação.

Nas eleições de 1960 Goulart foi novamente candidato a vice, na chapa do marechal Henrique Lott – o militar legalista que havia garantido a posse de JK e impedido o golpe que Carlos Lacerda, outros políticos de direita e parte das Forças Armadas tentaram dar em 1954-5. Lott perdeu a disputa nas urnas para Jânio Quadros, que prometia varrer a corrupção da era JK, mas Goulart foi eleito seu vice. Durante os breves meses que ocupou a presidência, as relações entre ambos foram distantes e formais e aparentemente Jânio esperou Goulart estar em viagem à China comunista para renunciar, na vã esperança que houvesse uma rebelião popular para que ele permanecesse no posto, com poderes ampliados.



Ferreira afirma que a renúncia presidencial foi um dos golpes mais duros contra a democracia inagurada em 1946, contribuindo para desacreditar suas instituições e criar um clima de polarização e radicalismo que dominou o país entre 1961-64. As principais crises do período estão muito bem narradas na biografia: a campanha da legalidade lançada por Brizola para garantir a posse do cunhado, a solução de compromisso do parlamentarismo, a campanha pelo retorno do presidencialismo e a deterioração da situação política e econômica até o golpe que instaurou a ditadura militar de 20 anos.

Em sua análise, Ferreira destaca o papel da esquerda militar nesses acontecimentos, em especial o movimento dos sargentos e as dificuldades das correntes moderada e radical da esquerda em confiar uma na outra e estabelecer uma aliança. Ele frisa a radicalização pela qual passou Brizola e as Ligas Camponesas de Francisco Julião, com cada qual dos líderes acreditando ser o Fidel Castro brasileiro. Mostra também o modo como os impasses no Congresso travaram não só , mas a própria estabilidade do governo, impedindo a implementação do Plano Trienal elaborado por Celso Furtado para controlar a inflação.

Os últimos capítulos do livro são dedicados aos exílios de Goulart no Uruguai e na Argentina, à sua relação com a esposa Maria Thereza e os filhos, e os amigos e aliados que o visitavam com certa frequência e as perseguições que lhe moviam os ditadores brasileiros. A biografia é discreta com relação aos muitos casos amorosos de Goulart, mas conta em detalhes seu último relacionamento extraconjugal, com uma jovem argentina que o ajudou a superar os problemas crescentes com a depressão de não conseguir voltar ao Brasil. Ferreira não acredita na hipótese que o ex-presidente tenha sido assassinado (embora não a descarte totalmente) afirmando ser mais provável que ele tenha morrido em decorrência dos problemas cardíacos que manifestava desde o início da década de 1960, agravados por seus hábitos alimentares.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A ONU e o Estado Palestino



Na próxima semana a Assembléia Geral da ONU se reúne em Nova York e o tema mais importante em discussão será o reconhecimento do Estado palestino. O assunto foi colocado em pauta pela Autoridade Palestina, que busca uma vitória diplomática pela qual possa compensar ao menos em parte as muitas derrotas da última década, em particular a expansão dos assentamentos de Israel em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia, o bloqueio a Gaza e a guerra civil contra o Hamas. Dessa nova posição de força, seriam retomadas negociações de paz.

Para ser reconhecida plenamente como Estado, a Palestina precisaria da aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Isso não acontecerá, porque os Estados Unidos já anunciaram que usariam seu poder de veto. Washington afirma que a questão tem que ser acordada bilateralmente entre os governos israelense e palestino.

Contudo, a Palestina pode obter da Assembléia Geral uma resolução que a reconheça como “Estado observador”, mesma categoria da qual desfruta hoje o Vaticano, e que no passado foi o primeiro passo de países como a República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental) e Suíça para ingressar plenamente na ONU. Para isso, os palestinos precisam de dois terços dos votos, ou seja, 129 países. Há boa possibilidade de que consigam esse apoio, porque 116 nações (incluindo China, Rússia e Brasil) já reconhecem a Palestina como Estado. No campo opositor, Estados Unidos e Israel pressionam, e a União Européia está dividida, com França a favor e Alemanha contra.



Em 1947, a ONU havia determinado que a Palestina fosse dividida em dois Estados, um para os judeus, e outro para os árabes. Este nunca foi criado, porque seu território foi ocupado pela Jordânia e pelo Egito, e posteriormente por Israel. Ao longo de seis décadas de guerras e conflitos violentos, os palestinos perderam cada vez mais espaço (mapa acima). A proposta atual é que seu Estado seja reconhecido pelas fronteiras imediatamente anteriores à guerra de 1967, o que inclui Jerusalém Oriental, mas é um território menor que o previsto inicialmente pela ONU, pois aquele traçado é considerado interiramente insustentável do ponto de vista da segurança israelense.

O principal objetivo dos palestinos na ONU é a vitória simbólica, mostrar aos olhos da opinião pública internacional a legitmidade de sua causa nacionalista. Mas o reconhecimento na Assembléia Geral teria repercussões práticas importantes, sobretudo a possibilidade de integrar agências especializadas das Nações Unidas e, eventualmente, até processar políticos e militares israelenses no Tribunal Penal Internacional, por crimes de guerra.

Israel tem ameaçado com retaliações duras, como retirar-se dos acordos de Oslo e cancelar o controle territorial exercido pela Autoridade Palestina, mas não é provável que isso aconteça. Os desdobramentos da Primavera Árabe tem sido preocupantes para o governo isralense, com graves tensões diplomáticas com Egito e Turquia, anteriormente parceiros próximos e a enorme instabilidade na vizinha Síria. Além disso, Israel passa pelas maiores manifestações populares em décadas, com protestos de 400 mil pessoas contra a situação econômica. Não é o quadro propício para iniciar nova guerra na região.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Hotel Trópico



“Se a América Latina é o cenário indispensável da nossa política externa, a África é a tela onde ela se projeta, anunciando já algumas das formas que ela terá que assumir no futuro... Mais do que a política externa dos anos 1970, é a do ano 2000 que estamos, de certo modo, traçando com as iniciativas de hoje.
Embaixador Azeredo da Silveira, chanceler do governo Geisel

“Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo, a influência direta, ou vaga e remota, do africano.”
Gilberto Freyre, sociólogo brasileiro

“O lusotropicalismo de Gilberto Freyre matou mais do que a G3 [rifle usado pelo Exército de Portugal]

De um nacionalista da Guiné-Bissau ao acadêmico brasileiro José Maria Pereira

Hotel Trópico – o Brasil e o desafio da descolonização africana, 1950-1980” é um excelente livro do historiador americano Jerry Dávila. Recém-lançado em português, vai muito além das fontes tradicionais das análises diplomáticas, relatando a participação de intelectuais, ativistas políticos e guerrilheiros nos debates sobre como a política externa brasileira deveria lidar com o nacionalismo ascendente na África e com o declínio do império de Portugal no continente. Focado nas relações do Brasil com Angola e Nigéria, e em segundo plano com Gana e Senegal, a obra mostra as ambiguidades de ambições internacionais que acabaram revelando muito sobre as contradições raciais do país.

Durante o período abordado no livro, o discurso oficial é que o Brasil era democracia racial e uma história de sucesso da miscigenação, que se contrapunha à segregação experimentada nos Estados Unidos e na África do Sul – visão também propagada pelo Portugal de Salazar. Essa trajetória, aliada às raízes africanas da população brasileira, tornaria o país um aliado natural das nações que surgiam da descolonização e permitiria à política externa conquistar influência nos fóruns multilaterais, como a ONU, consolidando o Brasil como potência emergente e líder no mundo em desenvolvimento.

Essa perspectiva esbarrou em três obstáculos principais: 1) A proximidade do país com Portugal – até 1974, uma ditadura que não queria abrir mão de suas colônias na África; 2) As tensões raciais latentes no Brasil e as objeções que o crescente movimento negro apresentava ao governo, inclusive no plano internacional; 3) A fragilidade das bases econômicas para as ambições africanas, com desconhecimento dos empresários sobre possibilidades no continente, deficiências de infraestrutura, escassez de produtos competitivos nos mercados externos.

Para Dávila, o Brasil via na África uma projeção idealizada de si mesmo, num projeto que entrou em choque com as dificuldades de enfrentar a discriminação racial dentro do Brasil e a incapacidade de romper com o colonialismo português, colocando a diplomacia brasileira num quadro de desconfiança e isolamento com as jovens nações africanas, em particular aquelas governadas pela esquerda, que apoiavam os guerilheiros que lutavam contra Portugal em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.



Cerca de dois terços do livro são dedicados às análises dessas contradições e o restante aborda o período 1974-1980. Quando a Revolução dos Cravos acabou com a ditadura em Portugal e aceitou o fim do império colonial, o governo brasileiro – uma ditadura anticomunista – viu-se como o primeiro a reconhecer o regime marxista em Angola. A lógica era impecável : reaproximar-se com a África num momento em que o petróleo do continente era fundamental para a manutenção do crescimento econômico brasileiro, em contexto da brutal alta dos preços dessa commodity. Mas a decisão gerou muitos conflitos internos, inclusive uma tentativa de golpe contra Geisel, em particular quando ficou clara a enorme presença militar de Cuba em Angola.

Dávila também aborda as dificuldades no relacionamento com a Nigéria, estratégica por sua enorme produção de petróleo. Para equilibrar as contas do comércio externo, a Petrobras usou uma subsidiária para vender produtos agrícolas e manufaturados ao país africano. Usando Pelé como garoto-propaganda, a empresa afirmava que as mercadorias brasileiras tinham “tecnologia tropical”, mais adequadas à realidade nigeriana do que as concorrentes da Europa ou dos EUA. Nem sempre era o caso e as dificuldades de operar num cenário instável com pouca estrutura de apoio ao comércio por vezes resultou em maus negócios, dívidas não pagas e incapacidade de embaixadas e consulados em alcançar os ambiciosos objetivos pensados em Brasília e no Rio de Janeiro.

“Hotel Trópico” é um livro que deixa na boca um gosto de “quero mais”, até pela revitalização da política africana do Brasil na década de 2000. Por suas páginas passam diplomatas, intelectuais e líderes políticos de primeiro calibre: Azeredo da Silveira, Gibson Barboza, Alberto da Costa e Silva, Ovídio de Mello, Antônio Olinto, Maria Yedda Linhares, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Leopold Senghor, Kwame Nkrumah – com frequência, em ferozes discordâncias entre si.

domingo, 11 de setembro de 2011

Do Fim da História à Guerra Preventiva

Entre 1989 e 1991 a História acabou, ou assim nos garantiu Francis Fukuyama. O mundo rumaria para a economia de livre mercado e para a democracia. O período dos grandes embates ideológicos havia terminado e seria substituído por variações sobre o tema do American way of life. Essa visão – otimista ou arrogante, conforme a perspectiva – ruiu ao longo dos violentos conflitos étnicos e religiosos da década de 1990, com os genocídios na Iugoslávia e em Ruanda, a vitória dos Talibãs na guerra civil do Afeganistão, o colapso do Estado no Congo, a nova Intifada na Palestina. Quando o World Trade Center e o Pentágono foram atingidos em 11 de setembro de 2001, acionaram um imenso catalisador político, que levou ao centro da agenda pública dos Estados Unidos ideias e propostas que haviam surgido nos anos anteriores, mas permaneciam às margens do debate.

A mais importante delas: Washington deveria abandonar a estratégia diplomática da Guerra Fria, de contenção aos Estados inimigos, e substituí-la por políticas de guerras preventivas, para impedir a ascensão de potências regionais que pudessem desafiar sua hegemonia em regiões-chave do planeta. Afinal, não havia agora uma superpotência rival que vetasse as ambições militares do país.

(...)

Entre os atentados de 2001 e as guerras no Afeganistão e no Iraque, morreram cerca de 10 mil americanos e um número impreciso de pessoas nos dois países asiáticos – as estimativas oscilam entre 100 mil e 600 mil apenas entre a população iraquiana. A Al-Qaeda foi enfraquecida e Bin Laden assassinado após uma década de caçada. Mas os Talibãs se reorganizaram no Paquistão, alteraram sua estratégia para se aliar a outros grupos étnicos além de seu núcleo pashtun e transformaram 2011 no ano mais sangrento da guerra do Afeganistão. Os Estados Unidos se retiram até dezembro do Iraque e tirarão dois terços de suas tropas do território afegão até suas eleições presidenciais de novembro de 2012. Declaram vitórias em ambos os conflitos, mas deixarão para trás dois países destruídos e fragmentados, caldeirões de ódios étnicos e religiosos.

A História é claro, não acabou, mas mudou o endereço de seus protagonistas. As multidões de jovens anônimos que derrubaram ditaduras na Tunísia, Egito e Líbia tornaram-se mais influentes do que as doutrinas dos Estados Unidos e do que os exércitos que atravessam o Oriente Médio. O sul global pode ser fonte de ameaças, mas também é de esperanças e renovação democrática.

A íntegra, no artigo que escrevi a convite do Portal Sul21.

E minha entrevista de sábado no especial da Globo News sobre os 10 anos do 11 de Setembro: a cidade de Nova York reagiu melhor do que os Estados Unidos como um todo ao terrorismo. Apesar de ter sofrido maior destruição, manteve seu caráter aberto e cosmopolita, ao passo que a política americana tornou-se muito fechada e amarga.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O Haiti e a Retirada da Minustah



Na última quinzena, foi divulgado um vídeo no qual soldados uruguaios das tropas de paz da ONU no Haiti aparecem abusando sexualmente de um rapaz no país. Houve manifestações criticando os militares estrangeiros e o novo presidente haitiano, Michel Martelly, reforçou seu pleito para que o Exército nacional seja recriado e o governo do Haiti volte a assumir a responsabilidade pela segurança do país. E o novo ministro da Defesa do Brasil, Celso Amorim, propôs e seus homólogos sul-americanos que chegou a hora da estabelecer o cronograma de retirada da missão. Após sete anos de presença das forças das Nações Unidas no país, já ocorreram duas eleições presidenciais democráticas. Contudo, os desafios com relação ao desenvolvimento e ao crime continuam enormes, em grande medida em função do terrível terremoto de 2010.

O país é o mais pobre das Américas e sua história política tem sido marcada por forte instabilidade e pelo predomínio dos regimes autoritários e intervenções estrangeiras. A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), iniciada em 2004, é apenas a mais recente de uma série de tentativas da ONU em lidar com os problemas daquela nação. Tem sido a mais bem-sucedida: além do reestabelecimento das eleições, a economia voltou a crescer (em média 2,5% ao ano) e a segurança foi garantida a nível suficiente para a ação das organizações humanitárias, com a relativa pacificação das grandes favelas da capital Porto Príncipe, como a Cité Soleil.



O Brasil lidera o componente militar da missão. A Minustah foi analisada pela imprensa brasileira sobretudo pelo prisma da segurança pública, uma vez que as ações das Forças Armadas no Haiti serviram de prelúdio para operações semelhantes nas favelas do Rio de Janeiro. Esse enfoque praticamente excluiu o debate sobre os temas relacionados à promoção do desenvolvimento e ao novo papel do Brasil como doador internacional.

O Haiti foi importante para o trabalho conjunto de órgãos públicos e de ONGs brasileiras em temas de cooperação - como as atividades do Viva Rio no desarmamento, da Action Aid Brasil no combate a epidemias e da Pastoral da Criança. Também foi fundamental para a ação coordenada dos militares sul-americanos, que somam cerca de 45% dos efetivos da missão, e para o uso criativo do esporte como instrumento de construção de confiança junto à população local.

Outros pontos merecem análise mais aprofundada, por conta de erros que podem ser corrigidos em futuras operações de paz. Houve dificuldades na transparência e prestação de contas nas denúncias de violações de direitos humanos por parte de militares da Minustah. Os projetos de desenvolvimento tem se restringido a intervenções pontuais para resolver problemas localizados, sem a formulação de uma abordagem ampla que reconstruísse o Estado haitiano.

Muito se perdeu com o terremoto de 2010, que causou prejuízos superiores ao PIB do Haiti, destruiu quase todos os prédios do governo e matou a maior quantidade de militares brasileiros desde a Segunda Guerra Mundial. Mesmo as missões de paz trazem riscos de morte e faltou um debate sólido no Brasil sobre os objetivos e interesses do país na Minustah em operações semelhantes.A questão agora é discutir o ritmo adequado da saída da missão de paz, a reconstrução da autoridade militar do Haiti e evitar os erros comettidos no Timor Leste, onde uma retirada prematura das tropas da ONU resultou na retomada da violência inter-étnica.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A Agenda Internacional da Defesa do Brasil



La defensa ha ganado importancia en los países de América del Sur. En Chile y Colombia políticos han llegado a la presidencia en función de su desempeño al frente de dicha cartera (Bachelet y Santos, respectivamente). En Brasil, las políticas públicas relacionadas con las Fuerzas Armadas cobraron relevancia durante el gobierno de Luis Ignacio Lula da Silva (2003-2010), reflejado en el aumento de más del 50% en el presupuesto militar y la puesta en marcha de iniciativas de impacto internacional, así como un amplio programa de desarrollo tecnológico, de compras de equipo militar y submarinos nucleares para los combatientes de la próxima generación, por valor de US$ 22,5 billones de dólares. El objetivo de este artículo es hacer un balance de los aspectos internacionales de la política de defensa del presidente Lula, y señalar los desafíos que la Presidenta Rousseff enfrentará.


El Ministerio de Defensa fue creado en Brasil en 1999 bajo la presidencia de Fernando Henrique Cardoso. Sustituyó a tres departamentos militares (Ejército, Armada y Fuerza Aérea) que estaban al mando de oficiales de las Fuerzas Armadas y fue diseñado como parte de la normalización de las relaciones entre el Estado y los militares, en el contexto de la consolidación de la democracia brasileña después de la estabilización macroeconómica lograda con el Plan Real, en 1994. En su momento, el presidente Cardoso destacó la importancia del nuevo órgano para el encuadre de Brasil en los regímenes internacionales de desarme y Derechos Humanos. El retiro del rango ministerial a los comandantes del Ejército, Armada y Fuerza Aérea y su subordinación a un ministro civil fue un aspecto importante de este proceso.


Sin embargo, los cambios también fueron en gran medida simbólicos. El mando militar se quedó con un enorme grado de autonomía, incluido el establecimiento de los planes de estudio (el currículo) de las escuelas de las Fuerzas Armadas, que no siguen las directrices del Ministerio de Educación - tema sensible debido a la visión positiva que expresan acerca de la dictadura militar (1964-1985). El cargo de Ministro de Defensa fue ocupado por una sucesión de políticos poco carismáticos y con escasa capacidad de influencia, al frente de una estructura frágil. En los casos en que los generales divergieron públicamente con los ministros -en especial las declaraciones sobre la dictadura militar - el presidente respaldó a los oficiales de las Fuerzas Armadas.


O resto, no artigo que escrevi sob encomenda da revista "La Replica", do Chile.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Horizonte da Minha Pele



O poeta e crítico literário cubano Emilio Bejel traça neste “romance autobiográfico” um panorama da primeira geração de emigrados da Revolução de 1959, dos conflitos pessoais e sociais envolvendo sua autodescoberta como homossexual, em Cuba e nos Estados Unidos, e da difícil relação da diáspora com as autoridades e parentes na ilha. É uma história de perseguições e discriminações, e às vezes elas são maiores na Flórida do que em Havana. O livro está estruturado de maneira não-linear, com capítulos que intercalam recordações da infância e juventude do autor em Cuba com descrições de sua vida nos Estados Unidos.

Bejel é de uma família da pequena classe média da província, filho de mãe solteira, professora, neto de soldado espanhol que se encantou com Cuba. Era adolescente quando ocorreu a Revolução e a princípio a apoiou, pela possibilidade de fazer algo para combater a pobreza extrema que havia testemunhado quando trabalhava em ações sociais em grupos católicos. É justamente o conflito entre a Igreja e o governo marxista que faz com que ele afaste-se da Revolução e emigre para os Estados Unidos em 1962. Nunca mais veria sua mãe: “Aquela despedida, que passados os anos chegaria a ser a mais radical de sua vida, ocorreu sem espalhafato, sem muitas lágrimas visíveis. A mãe fingia estar serena.”

(...)

A importância da homossexualidade para a vida de Bejel é tão grande que forma o subtítulo do livro. Ele conta que já sentia impulsos gays em Cuba, mas que, confuso, tratava de reprimi-los. Na ilha da década de 1950, os homossexuais sofriam intensa discriminação, inclusive com agressões físicas. É somente nos EUA dos anos 60 que ele assume sua sexualidade, em meio ao ambiente liberal de Miami (“o que me interessava de verdade estava acontecendo nos alojamentos da universidade”) e, mais tarde, em Nova York. As lembranças de Bejel são agridoces, conjugando a descoberta do prazer sexual e da afirmação da identidade com certa rejeição de seu comportamento promíscuo na época, além do relato de situações de risco pelas quais passou, como quando foi sequestrado e ameaçado de morte por um amante de uma noite.


O resto, na resenha que escrevi para o Amálgama.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A Questão Nacional em Tempos Globais



A idéia de que é possível ter um projeto de desenvolvimento para o país parecia fora de lugar com a globalização, mas voltou com força total na última década. Contudo, o Brasil enfrenta dificuldades por conta da crise da indústria, da ascensão da China como competidora, do real sobrevalorizado e da má qualidade da educação e das instituições públicas. Estas foram as principais conclusões do debate entre o sociólogo Luiz Werneck Vianna, professor da PUC-Rio, e o embaixador Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, no evento “A Questão Nacional e a Identidade Brasileira no Mundo” realizado no dia 22 de agosto em parceria entre o Centro de Relações Internacionais e o Laboratório de Pensamento Social da FGV-Rio.

(...)

O embaixador Ricupero falou em seguida e frisou o desafio de formular um modelo de desenvolvimento em meio à crise da indústria brasileira. Ele lembrou a ascensão do ruralismo, que pela primeira vez desde a Revolução de 1930 voltou ao núcleo duro do poder: “O pensamento desenvolvimentista sempre foi voltado para a indústria, como quando Celso Furtado apontava o mercado interno como o que iria unificar o país.”


O resto, no texto que escrevi para o portal do Centro de Relações Internacionais da FGV.