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Meu artigo nesta sexta no jornal "Folha de São Paulo":
Análise: Gregos correrão risco de queda livre sem rede de proteção da União Européia
A Grécia corre sério risco de decretar moratória de sua dívida externa. Apesar do aumento da ajuda externa e da adoção de medidas de austeridade, a situação econômica do país continua grave e sem solução visível. Ainda que esse desfecho seja inevitável, faz diferença se o governo grego contar com uma rede proteção internacional da União Européia ou se cair em queda livre, como aconteceu com os países da América Latina e da África na crise da dívida de 1982.
Naquela ocasião, os países em desenvolvimento ficaram privados de crédito e foram forçados a realizar reformas econômicas de maneira brusca por pressão das organizações financeiras multilaterais, sem a devida atenção às negociações em busca de apoios políticos domésticos para as mudanças. Os resultados da crise foram baixo crescimento combinado com inflação acelerada e uma “década perdida” de tensões e retrocessos sociais.
A Grécia pode evitar esse caminho. A União Européia oferece a possibilidade de negociar reformas que passam não apenas por preocupações econômicas, mas por um projeto de integração regional baseado em paz e desenvolvimento, com fundos estruturais de solidariedade entre nações ricas e pobres. A resposta às crises de 1914-1945, com duas guerras mundiais e uma grande depressão. Com seus altos e baixos, esse ideal político auxiliou muitos países a consolidarem suas democracias, inclusive a própria Grécia, que deixou para trás trajetória sombria que no século XX foi marcada por guerras contra seus vizinhos, ocupação nazista, embates entre monarquistas e comunistas e ditadura militar.
A recuperação grega será lenta e difícil – seus principais mercados externos estão na estagnada Europa, seu Estado está enfraquecido e com parcos recursos. Por isso é especialmente importante a ajuda da União Européia, para que o país possa sustentar políticas públicas de educação, saúde, assistência aos desempregados e requalificação profissional, que amorteçam os impactos de desastre que se anuncia inevitável. Tais medidas reduziriam a instabilidade, construindo pontes entre governo, sindicatos e movimentos sociais, na busca de pactos de governabilidade. Uma moratória negociada e amparada pelas instituições regionais também diminuiria o risco de contágio da crise para Portugal, Irlanda ou mesmo economias maiores como as da Espanha e Itália.
Maurício Santoro, 33, é doutor em Ciência Política pelo Iuperj e professor do MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.