quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O Lugar da Argentina



Na sexta-feira passada fui um dos palestrantes em um seminário no IESP sobre a conjuntura eleitoral na Argentina. Fiz o balanço da política externa de Cristina Kirchner. O governo argentino tem sido muito criticado pela falta de estratégias internacionais claras, e por um suposto isolamento nacional que se manifestaria na escassez de visitas de dignatários estrangeiros. Disse que concordava de maneira pontual com algumas dessas observações, mas que em minha análise a atual política externa argentina é claramente a refutação do modelo do “realismo periférico” de buscar relação privilegiada com os Estados Unidos, que havia vigorado durante os anos 1990 e um retorno relativo ao chamado “paradigma globalista” de 1945-1989, embora complicado pelas mudanças do poder do país.

As idéias centrais do paradigma globalista – perseguido nos governos de Perón, mas também nos de Frondizi e Alfonsín – eram a diversificação dos parceiros econômicos da Argentina e os esforços para obter maior autonomia nas relações internacionais. Isso continuou com Cristina Kirchner. A Argentina é membro dos dois G-20, preside o G-77 + China na ONU, participa de todas as iniciativas de integração regional na América Latina, tem uma ativa diplomacia de direitos humanos e estabeleceu uma grande parceria econômica com a China, em conjunto com interlocutores tradicionais como Brasil, União Européia, Chile e Estados Unidos.

Contudo, há fragilidades sérias na inserção econômica internacional da Argentina. Cerca de 2/3 de suas exportações são commodities, cujo preço oscila muito. As exportações industriais dependem do mercado brasileiro e das mudanças por vezes bruscas na política cambial do vizinho, com as conseqüentes querelas protecionistas que afetam setores como eletrodomésticos e calçados. A instabilidade do marco regulatório argentino torna o país pouco atraente para investimentos estrangeiros – recebeu menos de 10% do total sul-americano, abaixo não só do Brasil mas também do Chile e da Colômbia. A situação é particularmente séria na área de energia, onde a Argentina é cada vez mais dependente de importações, que estão diminuindo o superávit comercial do país.

A dívida externa foi renegociada no governo Néstor Kirchner e hoje a relação entre ela e o PIB é de apenas 40%, baixa para os padrões internacionais (é de aproximadamente 250% no Japão, 165% na Grécia e 100% nos EUA). Mas a Argentina continua a ser encarada com desconfiança pelos mercados financeiros, sem acordo com o Clube de Paris e com absoluta falta de credibilidade dos dados oficiais com relação à inflação e à taxa de pobreza. As relações com os Estados Unidos seguem ruins, com enfrentamentos retóricos desnecessários que muitas vezes parecem pretextos para tentar justificar o pouco espaço os temas argentinos têm na agenda de Washington.

A crise de 1998-2002 foi um golpe duro para a Argentina e só em 2005 a economia ultrapassou o tamanho que tinha antes do colapso. Mas a queda foi brusca. Hoje o país representa cerca de 10% do PIB da América do Sul, contra uma média histórica de 20% desde a década de 1970. O Brasil tem 50% e países menores como Chile, Colômbia e Peru prosperam rapidamente. Dito de outro modo, a Argentina precisa reinventar seu lugar no mundo, e na região, com base numa situação de forte declínio relativo não só à hegemonia brasileira mas também a ascensão de potências médias. Tarefa dura para país que por tanto tempo teve aspirações bastante fundadas de liderar o continente.

4 comentários:

José da Silva disse...

Maurício, tenho curiosidade de saber o efeito dessa "decadência" histórica sobre a autoestima argentina. Afinal, eles são provavelmente a nação mais europeizada da América Latina, em meio a outros latinos "indigenizados" ou "africanizados", que por ora estão tendo melhores desempenhos, pelo menos no aspecto econômico.

Maurício Santoro disse...

Caro José,

Depois da crise de 1998-2001, os sentimentos de superioridade argentina sobre o resto da América Latina caíram bastante. O país ficou mais pobre, mais desigual. Mas é interessante lembrar que após a Segunda Guerra Mundial a Agentina chegou até a enviar ajuda humanitária para a Espanha.

abraços

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:
Nos tempos de Perón à Argentina enviu ajuda humanitária não só pela Espanha, mas também pela Itália, pela França, pelo Israel...
José, é difícil te dizer bem o efeito; sou de 1989 e minha família foi das que não viviu econômicamente o "esplendor menemista"; a fins dos 90 já parecia todo possível: que os EUA compraram a Patagônia, que algumas províncias se indepedizaram...
Excelente, como sempre, Maurício! E vejo que não falou das primárias. Fique tranquilo: ninguém compreende muito bem o que tem acontecido :P

Maurício Santoro disse...

É verdade, meu caro, a ajuda foi bem além daquela fornecida à Espanha.

Falei das Primárias em agosto, logo depois da minha última visita ao país. Mas escreverei novamente sobre as eleições presidenciais, provavelmente na semana que antecederá o voto.

abraços