segunda-feira, 10 de outubro de 2011
A Primavera (no Outono) Americana
“Os republicanos acharam que levariam a democracia para o mundo árabe invadindo o Iraque. A ironia é que foi o mundo árabe que nos deu uma lição de democracia, e posso garantir que estamos aprendendo rápido”. Assim disse o estudante de Administração Brandon Klein, na ótima reportagem do Valor sobre a ocupação de Wall Street por movimentos sociais críticos às grandes empresas, ao setor financeiro e ao governo do país. Curiosamente, a inspiração não vem só da Tunísia e do Egito, mas também do outro lado do especto ideológico, com o Tea Party. Ambos são expressões da revolta da classe média americana com os descaminhos da crise nacional.
O Ocupe Wall Street se assemelha à Primavera Árabe no modo como transforma praças em acampamentos de rebeldes e descontentes, e pelo uso intenso das redes sociais para a organização dos protestos. De modo semelhante, aliás, ao que o “movimento dos indignados” fez na Espanha. Mas no Cairo e em Túnis havia inimigos concretos, regimes autoritários a serem derrubados – e a perspectiva séria e provável de enfrentamentos mortíferos com a polícia, prisão e tortura.
A agenda do movimento americano é bem mais difusa. Ele não apresenta reivindicações imediatas, não há uma lista de demandas para o presidente Obama ou o prefeito Bloomberg. É uma espécie de festival-cidadão, com marchas, protestos, shows, nos quais as pessoas podem expressar seu descontentamento. A praça da Liberdade já virou um imã para visitantes e celebridades. É fácil desqualificar tal ocupação como uma bobagem, mas ela me parece algo mais, como a faísca de um novo modo de mobilização política em quadro de ceticismo com os partidos e desorientação ideológica.
Chama a atenção a rapidez como esse modelo de ação política espalhou-se pelo país (mapa acima). Novamente, a analogia é com a disseminação dos grupos do Tea Party, no primeiro semestre de 2009. Os nova-iorquinos têm se destacado pelo bom humor das manifestações, como a encenação de um ataque de zumbis, e por um protesto na ponte do Brooklyn que culminou com 700 prisões. Houve outros incidentes de violência policial, mas também bom convívio entre eles e os manifestantes, que inclusivem lhes servem comida e café.
Em breve será inverno nos Estados Unidos e provavelmente os grandes protestos ao ar livre serão interrompidos, não sendo claro se retomarão com força em 2012, numa campanha eleitoral que promete opor Obama a um candidato escolhido pela direita religiosa no Partido Republicano (Romney, Perry, quem seja). Mas as manifestações são boa nova, que rompe com a apatia e aponta caminhos para a sociedade americana. Como diria George Bernard Shaw:
You see things; and you say, 'Why?'
But I dream things that never were; and I say, "Why not?”
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8 comentários:
Caro Amigo e Mestre, Maurício
Permita-me um "off topic", mas creio que o tema valeria uma análise sua.
Trata-se dos recorrentes ataques de grupos islâmicos radicais no Egito contra os cristãos coptas (também egípcios, vale destacar), que representam cerca de 10% da população egípcia.
Os últimos e mais cruéis incidentes resultaram na morte de 25 cristãos no último final de semana.
COmo eu já postei uma vez aqui, acredito piamente que a tal "primavera árabe", está mais para "outono" do que outra coisa...
E o que mais me preocupa e até mesmo aborrece é o fato de que não se dá a devida cobertura ao fato. Fossem os 25 mortos, palestinos, certamente já estariammos presenciando um movimento coordenado da opinião pública visando condenar Israel.
Vai ver é porque os cristãos egípcios são vítimas "sem pedigree" e talvez sejam até mesmo considerados culpados pelas aflições que sofrem, por terem escolhido a "religião errada no lugar errado"
Abraços, Maurício!
Gonçalez
situação americana, a meu ver, tem um grande responsável, e este se chama Barack Houssein Obama.
Sua falta de habilidade e mesmo de competência para liderar a política americana, tanto interna, como externamente é algo inédito na história da américa.
A falta de capacidade em assumir posturas e tomar decisões de um verdadeiro líder à altura da posição que ocupa tem sido uma atitude constante ao presidente americano.
Barack Obama, apesar de todo incenso que a opinião pública lhe envolve, está muito distante de ser alguém como um Franklin D. Roosevelt ou um Ronald Reagan.
Sua discurseira, onde invariavelmente faz referências "ao pessoal de Washington", como se ele próprio não fizesse parte do grupo já não está mais servindo para enganar o povo americano, que já lhe deu o primeiro sinal de alerta nas eleições legislativas de fevereiro deste ano.
Ou Barack Obama passa a governar como deve, ou acredito que sua reeleição corre sério risco de não acontecer.
Greande abraço!
Gonçalez
Salve, Gonçalez.
Estou seguindo os acontecimentos no Egito, e também na Síria (onde os cristãos defendem Assad, justamente por medo de que aconteça algo parecido por lá se a maioria sunita governar) e devo escrever amanhã sobre os dois países.
abraços
Caro Maurício
Eu já tinha certeza de que você estava "antenado" com os acontecimentos que vem ocorrendo no, a meu ver, "Outono Árabe"..hehe.
Fiz a sugestão apenas para lhe provocar; no bom sentido, é claro...rs :)
É sempre um prazer acompanhar as suas análises.
Aliás, parabéns pelo post sobre indicações de literatura versando sobre política internacional. Extremamente útil!
Grande abraço!
Gonçalez
Obrigado, meu caro. Sugestões são sempre muitíssimo bem-vindas! Já está no ar!
abraços
"um candidato escolhido pela direita religiosa no Partido Republicano (Romney, Perry, quem seja)"
Dizer que Romney pode ser candidato da direita religiosa do Partido Republicano eh passar atestado de ignorancia sobre a politica americana. Dose dura de engolir essa.
Mauricio,
vi pessoalmente manifestações, bem humoradas e com conteúdos dos mais variados - sistema financeiro, saúde, educação - também na Philadelphia e em Washington na semana passada. Nâo sei se vai gerar resultados, mas no mínimo mostra que ao contrário do que muitos podem pensar, não á algo como um único pensamento americano. Ali também tem quem discorde com as políticas adotadas pelo governo, e quer algo diferente para seu país... Vamos ver o que acontece.
Carol
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