quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Um Olhar sobre Nova York

No início era Mannhata ou Manata, a “ilha das colinas”, como a chamavam os povos indígenas. Com uma excelente baía e ao lado do rio que permitia a exploração do continente americano, logo chamou a atenção dos exploradores europeus. Os holandeses a compraram a nela construíram uma pequena cidade, Nova Amsterdã, que terminava em um muro poucas centenas de metros ao norte do porto. Os britânicos a tomaram pela guerra e a rebatizaram como Nova York. Sua história se confunde com a da economia global dos últimos 400 anos, e com as próprias mudanças no urbanismo. Cheguei aqui no domingo e fico cerca de um mês, lecionando e pesquisando no Observatório sobre América Latina da New School University.

Nova York era um pequeno porto de 10 mil habitantes quando os Estados Unidos se tornaram independentes, e a cidade foi praticamente destruída na guerra de independência, com ocupação britânica e dois grandes incêndios. Mas rapidamente se recuperou, juntando suas vantagens naturais e o dinamismo empreendedor de seus comerciantes, que inventaram novas maneiras de vender seus produtos (como lançar seus navios ao mar de forma regular, com ou sem muitas mercadorias a bordo). Sediou o governo americano em seus primeiros anos, mas o impulso para o crescimento veio na década de 1820, com a construção de um canal ligando à cidade aos grandes lagos, e por tabela à próspera agricultura do Meio Oeste, então um dos celeiros do mundo.

A cidade multiplicou sua população e virou o local de algumas das favelas miseráveis para imigrantes, em particular na parte leste de Manhattan. Os ricos começaram a migrar para o norte, em especial ao redor do novo Central Park, e os avanços nas ferrovias (e posteriormente, o automóvel) permitiu que as pessoas passassem a morar bastante longe do seu local de trabalho. Nova York cresceu para além da ilha original, e no fim do século XIX incorporou municípios e vilarejos vizinhos, como o Brooklyn, interligando-os numa complexa rede de estradas, pontes e linhas de metrô. Novas tecnologias de construção permitiram o surgimento dos arranha-céus, que dominaram o horizonte da cidade e tornaram-se alguns de seus símbolos mais conhecidos.

A Nova York poderosa e orgulhosa mergulhou numa crise nas décadas de 1960 e 1970. As indústrias deixaram a cidade, a classe média fugiu para os subúrbios ou municípios vizinhos e a arrecadação de impostos caiu, ao mesmo tempo em que a prefeitura aumentava gastos, expandindo a rede de serviços públicos para tentar lidar com as tensões sociais que então explodiam pelos Estados Unidos. A cidade faliu e a degradação e violência de áreas como Times Square e Bronx viraram ícones da crise urbana americana.

Hoje sabemos que eram as dores do parto, da transição de uma economia industrial para a nova etapa de desenvolvimento baseada em serviços – financeiros, de tecnologia da informação, de design, consultorias etc. Nova York e outras cidades americanas, como Pittsburg, conseguiram resolvê-la bem. Algumas, como Detroit, até hoje não superaram a crise. Nem os ataques terroristas de 11 de setembro conseguiram alterar a guinada rumo à prosperidade. Nova York atrai pessoas de todo o planeta – quase metade dos habitantes é de fora! – e o ambiente cosmopolita, multicultural e dinâmico que eles dão à cidade não tem preço.

Contudo, há muitos problemas. A infraestrutura é deficiente e está defasada com relação às novas metrópoles do Oriente, como Cingapura e Dubai. A desigualdade é enorme, maior do que a do Brasil, e com frequência tem implicações étnicas e culturais. Manhattan é caríssima, uma espécie de playground para ricos e turistas, e muitos lamentam os efeitos negativos disso para a coesão dos bairros e das comunidades.

Ainda assim, Nova York tem lidado melhor do que os Estados Unidos como um todo com as ansiedades e tensões contemporâneas, como crise econômica, medo do terrorismo, e do declínio. A cidade tem uma capacidade enorme de se reinventar e de absorver os fluxos criativos dos seus muitos filhos adotivos.

6 comentários:

Anônimo disse...

A estrutura de transporte de Nova York é centenária e algumas estações de metrô não têm nada de bonito, mas eu não diria que ela é defasada. Em qual argumento você baseia essa informação?

Patricio Iglesias disse...

Com seu artigo da vontade de conhece-la!

Maurício Santoro disse...

Anônimo,

os trens do metrô de NY com frequência são velhos, cheios e desconfortáveis em constraste com os sistemas moderníssimos que foram instalados nas cidades do leste da Ásia. Esse é um tema frequente de comparação dos meus colegas urbanistas na New School. Embora para mim, como carioca, o metrô de NT dê de cem a zero na porcaria que tenho na minha cidade.

Dom Patricio,

Te gustará mucho y además, hay muchos argentinos por aqui, sobre todo en la universidad.

abrazos

Unknown disse...

Olá Mauricio,

Gostei do post, mas discordo quanto à majoração da desigualdade de NY frente ao Brasil.
Não há dúvidas a respeito da disparidade na cidade, mas o Gini da metrópole ainda é menor que o brasileiro.
Además, a fonte citada para essa afirmação levou em conta dados exclusivamente numéricos de concentração.
Tecnicamente pode-se aceitar essa visão, entretanto ela embute a áura de pobreza. Pode haver
desigualdade sem pobreza absoluta. Além de inapropriada a comparação da cidade com nosso país, é
de duvidosa veracidade com base nos índides de desigualdade.

Parabéns pelo blog
Abraço
Leno

Marc Jaguar disse...

Prezado Amigo e Mestre Mauricio

Caso voce esteja planejando dar uma chegada em Washington DC, me avise! Seria otimo poder encontrar com voce e colocarmos os assuntos em dia! :)
Grande abraco!

Goncalez

Maurício Santoro disse...

Salve, Leno.

Os dados utilizados para calcular a desigualdade do Brasil na comparação na realidade estão ultrapassados, de modo que o panorama atual é ainda mais desfavorável para NY.

Já rola até uma versão municipal do Bolsa Família em NY, mas financiada pelo setor privado. Os problemas sociais daqui não são brincadeira, apesar da riqueza da cidade, 1 em cada 5 de seus moradores é pobre. Está piorando com a crise.



Salve, Gonzales.

Devo estar em Washington depois do dia 12. Vamos ficar em contato para nos encontrarmos na capital!

Abraços