Este excelente livro de Paul Farmer faz um balanço da sequência de catástrofes humanitárias que assolaram o Haiti nos últimos 5 anos – furacões, tempestades tropicais, epidemia de cólera e um grande terromoto que talvez tenham matado 200 mil pessoas – e discute as falhas nas políticas de saúde pública, (re)construção da infraestrutura e geração de emprego, em meio a desdobramentos positivos na segurança e na estabilização política. É um debate que interessa muito ao Brasil, pela liderança que o país exerce desde 2004 na missão de paz da ONU no país.
Farmer é médico, professor de Harvard, e engajado em organizações de ajuda internacional, co-fundador da iniciativa Partners for Health, que tem exercido tarefas importantes em saúde pública em países como Haiti, Ruanda e Rússia. Seu parceiro na empreitada foi outro médico, Jim Kim, nomeado há poucas semanas presidente do Banco Mundial. Farmer também ocupou cargos em instituições globais, servindo como vice de Bill Clinton quando este foi representante especial da ONU para o Haiti. Conhecer suas perspectivas é importante para entender esse novo enfoque que liga medicina e políticas para o desenvolvimento.
A presença de Farmer no Haiti tem várias décadas e vem de uma razão familiar – ele é casado com uma haitiana. Juntos com profissionais de vários países eles criaram hospitais e clínicas no país, apoiaram instituições haitianas e fizeram parcerias com outras, no exterior. Em seu livro, ele narra a melhora da situação após a instalação da missão de paz e elogia a atuação dos militares e diplomatas brasileiros, cumprimentando-os por sua dedicação, capacidade de diálogo, e de improvisação diante das dificuldades burocráticas. Também há muitas referências positivas aos esforços de profissionais dos Estados Unidos, Canadá, Cuba e, claro, dos próprios haitianos.
O terremoto de janeiro de 2010 encerrou esse período de melhora. O Haiti é um dos países mais densamente povoados do mundo e a maioria das habitações é muito precária. O impacto do tremor foi devastador. A capital, Porto Príncipe, ficou destruída, assim como a maioria dos prédios públicos, incluindo o Palácio Presidencial – o governo passou a funcionar numa delegacia. Farmer relata os desafios assustadores das equipes de saúde: lidar com centenas de milhares de feridos em condições muito, muito precárias de infraestrutura, segurança e em meio a traumas emocionais. Muitos haviam perdido amigos e parentes, outros estavam machucados.
Devido à falta de moradia, os desabrigados tiveram que ser instalados em tendas, em campos improvisados que deveriam ser temporários. A maioria continua até hoje. Condições de saúde e higiene são ruins, e a insegurança é enorme, em particular com relação a mulheres, vítimas de violência sexual. As promessas de ajuda internacional para reconstruir o país não foram cumpridas, a maior parte do dinheiro nunca chegou e grandes parcelas foram para pagar os salários da burocracia humanitária. Contudo, o apoio externo foi crucial: a chegada de profissionais estrangeiros, de um navio-hospital da Marinha dos EUA, e a ida de pacientes haitianos para a América do Norte, para serem tratados por lá.
Farmer defende posições que já ouvi de diplomatas brasileiros – a de que um estratégia de desenvolvimento bem-sucedida parao Haiti deveria priorizar o fortalecimento do Estado, a única instituição capaz de executar projetos em todo o país. Ele chama a atenção para a necessidade de reflorestar o país, de modo a permitir a retomada de uma agricultura produtiva, e frisa o tamanho da precariedade da infraestrutura, em particular das habitações e das estradas. Há um excelente capítulo no qual Farmer compara o Haiti com Ruanda, cuja liderança política pós-genocídio foi muito bem-sucedida nas tarefas de reconstrução e crescimento.
O médico elogia bastante a capacidade da população haitiana em sobreviver às múltiplas catástrofes – naturais e políticas que abalaram o país. Dá o que pensar diante da política migratória brasileira, de restringir vistos para haitianos que queiram vir para cá.
5 comentários:
O PIH é a instituição que leva minhas minguadas doações justamente pelo respeito que presta àqueles que precisam da ajuda.
Que bom!
É um excelente trabalho, que precisa de mais ajuda!
abraços
Mas estava tudo ok com a chegada de haitianos até que a imprensa - notadamente O Globo - fez disso um escândalo. Honestamente, o que vi ali foi racismo, pois dentre os imigrantes que entraram no Brasil em 2011 os haitianos não eram os mais numerosos.
Foi uma reação exagerada da imprensa, tratando de modo agressivo uma situação que poderia ter sido mostrada de outro modo, como a busca por oportunidades econômicas.
abraços
"Foi uma reação exagerada da imprensa"
"até que a imprensa - notadamente O Globo - fez disso um escândalo"
tudo a ver...
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