sexta-feira, 25 de maio de 2012

Um Voto pelo Egito

Na quarta e na quinta o Egito realizou a 1ª eleição presidencial livre de sua história de muitos milênios. Com cerca de 25% de toda a população árabe, é uma votação com grandes consequências para o Norte da África e para o Oriente Médio. Os resultados, porém, são preocupantes e apontam para um instável sistema político tripolar entre um presidente relativamente fraco, um parlamento dominado por uma coalizão de partidos islâmicos e as influentes Forças Armadas como o poder por trás do trono, fiadoras da estabilidade do país para as potências ocidentais.

A junta militar que governa o Egito desde a queda do regime autoritário vetou as candidaturas dos líderes mais expressivos, como o dirigente da Irmandade Muçulmana, Khayrat El-Shater, e o ex-chefe do serviço de inteligência, Omar Suleiman. As pesquisas eleitorais egípcias foram realizadas em condições precárias, sob censura e não são confiáveis, mas apontam para quatro favoritos entre os 11 candidatos: dois representam os remanescentes da ditadura Mubarak (“felools”) e os outros, as principais correntes da Irmandade Muçulmana. Provavelmente haverá 2º turno em junho.

Pelo lado do antigo regime, concorrem o general da Força Aérea Ahmed Shafiq, ex-primeiro-ministro de Mubarak, e Amr Moussa, ex-chanceler do ditador e posteriormente secretário-geral da Liga Árabe – cargo que exercia quando começaram as revoltas democráticas. O único episódio mais tenso da eleição foi uma agressão contra Shafiq – manifestantes anti-ditadura jogaram sapatos nele.

A Irmandade Muçulmana havia prometido que não iria disputar a presidência, mas rompeu com esse compromisso. Como a junta vetou seu líder, o grupo lançou Mohamed Morsi. Ele não é considerado um homem carismático ou inspirador, mas sua campanha foi conduzida de modo eficiente e profissional – talvez a melhor executada das eleições. O azarão da Irmandade é Abdel Fotouh, um ex-dirigente da organização que acabou expulso dela após anos de divergências com os colegas. Era bem mais crítico à ditadura do que a maioria deles, que firmaram uma série de pactos políticos com Mubarak. F tem sido criticado por ter montado uma coalizão entre islâmicos e liberais considerada insustentável no médio prazo.

Mubarak havia governado longas décadas sob uma Lei de Emergência revogada após a queda do regime e as funções do futuro presidente só serão definidas com a elaboração da nova Constituição. A Irmandade tem cerca de 50% do parlamento, e outros grupos islâmicos, mais 25%. Seja quem for o vencedor da eleição presidencial, terá que negociar com essa aliança. E, claro, independemente dos votos, as Forças Armadas continuarão a ser a instituição mais poderosa, rica e influente do país.

O Egito não é um país rico em petróleo ou minérios, mas continua a ser chave na política global por muitas razões: sua localização geográfica, a influência sobre a Faixa de Gaza e o Hamas, o tratado de paz com Israel, a presença do Canal de Suez e sua gigantesca capacidade de ter impacto sobre os acontecimentos nos demais países árabes. E tudo isso em meio a muitos, muitos problemas econômicos.

3 comentários:

Diogo Terra disse...

A saúde do Mubarak pode ter ido para o brejo faz tempo, mas é muita ingenuidade dos analistas ocidentais achar que todo o aparato por ele deixado se esfumaria apenas com a Primavera Árabe.

Israel, não é nem preciso dizer, deve estar de cabelo em pé. Porque a ameaça contida pelos radicais egípcios pode se tornar uma dor de cabeça - ou um pretexto? - pior do que o Irã.

Marcelo L. disse...

Grande votação de Sabahi em Alexandria e Port Said. Acho que ele é grande surpresa dessas eleições, por sinal a primeira na história do Egito que não se sabe os resultados de antemão.

O mundo árabe vem surpreendendo nas votações, na de Benguazi o mais votado foi uma mulher, no Egito há mais que islamistas (e salafistas) e mubarakistas.

Pode não ser o ideal, agora é ver como será o comportamento dos derrotados.

Abraço,

Maurício Santoro disse...

Caros,

São tempos interessantes. As duas maiores forças eleitorais do Egito despontam como islamistas e militares, mas a esquerda foi muito bem em Alexandria, uma cidade com fortes sindicatos ligados à indústria têxtil.

Estou curiosíssimo para ver como se darão essas alianças no 2o turno.

Abraços