quarta-feira, 9 de maio de 2007

Batismo de Sangue



Falei mal do cinema brasileiro na semana passada, agora é hora do merecidíssimo elogio a “Batismo de Sangue”, de Helvécio Ratton, adaptação do livro autobiográfico de frei Betto sobre o envolvimento dos dominicanos na resistência armada à ditadura militar. Relutei em assistir ao filme: trabalhei com pessoas que participaram dessa história e receava as cenas em que eles são torturados.

De fato, o sentimento de angústia que tive ao vê-las foi muito forte. Não são mais cruéis do que as imagens em filmes anteriores sobre a ditadura, como “Cabra-Cega” e “Ação entre Amigos”. Mas minha identificação com os protagonistas tornou-as insuportáveis. Os próprios atores disseram que choraram ao filmá-las.

A trama se passa entre 1968 e 1974 e acompanha cinco jovens frades dominicanos – Tito, Fernando, Ivo, Betto e Oswaldo – que se aproximam de Carlos Marighella, o lendário líder comunista que durante a ditadura se afastou do partido e tentou criar uma guerrilha contra o regime. Os freis ajudam com informações, apoio logístico e auxiliam na retirada de perseguidos políticos do Brasil. Contudo, a polícia os descobre e tortura os três primeiros, que acabam traindo Marighella, assassinado numa emboscada pela equipe do delegado Fleury. Os frades são presos, mas Tito – o que foi mais barbarizado pelas selvageria da repressão – é libertado em troca do embaixador suíço. Ele segue para o exílio na Europa, mas não consegue escapar do pesadelo psicológico da tortura, e comete suicídio.

A história é muito conhecida na esquerda, mas acredito que as pessoas sem envolvimento político nada sabem a respeito dela. Talvez o filme jogue muitos fatos na tela sem contexto. Por exemplo, mostra a operação policial contra o congresso da União Nacional dos Estudantes em 1968, sem explicar que a organização tinha sido proscrita pela ditadura.

“Batismo de Sangue” tem momentos de grande beleza, como a missa que os frades celebram nos cárceres do DOPS, ou as cenas nos conventos dominicanos de São Leopoldo (Rio Grande do Sul) e La Tourette (França). Também recria de modo interessante o ambiente no Presídio Tiradentes, onde foram presos vários ativistas políticos e existiu uma intensa vida intelectual e cultural – tinha até ateliê de pintura!

O elenco é muito bom, com destaque para Caio Blat, que interpreta frei Tito – o protagonista do filme. É impressionante a fragilidade que ele empresta ao personagem, muito diferente de seu papel em “Proibido, Proibir”. Caio faz bela carreira, olho nele. Daniel de Oliveira também dá um show como frei Betto. Aliás, confiram a ótima conversa dos dois com o escritor dominicano.

Encerro com uma pequena crítica ao filme. Ele poderia terminar de modo esperançoso. O suicídio de frei Tito foi trágico, mas os outros frades seguiram adiante e deram contribuições importantes para o Brasil, como religiosos, como professores, como autores de livros. Inclusive a minha obra favorita de frei Betto, “Cartas da Prisão”, foi escrita no Presídio Tiradentes.

A Ordem Dominicana foi muito visada pela ditadura, ficou anos sem admitir membros por receios de que eles fossem perseguidos pelos militares. Uma das sessões mais emocionantes do filme foi realizada para 60 dominicanos, que relembraram aquela época de trevas e falaram com ânimo da renovação das atividades da Ordem.

No fim das contas o delegado Fleury perdeu.

Nunca é demais lembrar.

2 comentários:

Unknown disse...

Amado mestre,

muito tempo que não passo por aqui também. Se tiver a oportunidade, veja Hércules 56 e tire suas conclusões. Adorarei ler!

Beijos e saudades!

Maurício Santoro disse...

Querida Mari,

li umas críticas muito boas sobre o Hércules, e vou assistir a ele no sábado ou no domingo. Depois conto como foi.

Beijos, lindinha.