quarta-feira, 23 de maio de 2007

Pensar o Nacionalismo



Desde março minhas noites de quarta-feira são dedicadas ao estudo do pensamento nacionalista brasileiro dos anos 50 e 60, em curso ministrado por meu orientador no IUPERJ. Já terminei meus créditos e não preciso da disciplina, mas a faço pelo simples (e essencial) prazer de aprender. Também é uma despedida do instituto, em poucos meses completarei o doutorado.

O pensamento da época foi muito desvalorizado após o golpe de 1964, tanto pelos militares quanto pela esquerda. O foco da crítica era parecido: identificação entre nacionalismo e populismo, termo que só então ganhou a carga pejorativa que conserva até hoje. A primeira parte do curso foi exatamente o estudo de como se construiu o conceito de populismo e como atualmente ele é retrabalhado pelos historiadores, em particular aqueles vinculados à UFF, como Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira.

Em seguida passamos para os textos dos autores mais representativos do período, os que foram membros do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB): Hélio Jaguaribe, Roland Corbisier, Álvaro Vieira Pinto. O livro que mais gostei foi “O Nacionalismo na Atualidade Brasileira”, de Jaguaribe, obra de 1958 com uma das mais brilhantes análises da política externa brasileira que já li. As discussões que ele levanta a respeito das possibilidades diplomáticas do Brasil são incrivelmente contemporâneas.

Me surpreendi com a atenção que os autores do ISEB dedicavam ao mundo afro-asiático, que então estava no início de seu processo de descolonização. Por outro lado, foi assustador notar a ausência de referências à América Latina, com exceção de Jaguaribe, que muito trata do tema. A desatenção impressiona porque havia muitas idéias interessantes sobre integração regional circulando na Argentina e no Chile da década de 50, para não falar da CEPAL que então estava no auge de sua influência.

Outro ponto que me espantou foi a freqüência de citações a autores que eu não associaria com nacionalismo, como Hegel, Sartre (e os existencialistas de maneira geral). Elas contrastam com a notável falta de interesse demonstrada diante de Keynes, List, Hamilton e outros economistas que eram muito estudados pelos tecnocratas que conduziam o processo de industrialização por substituição de importações.

Ainda assim, há elementos muito saudáveis no pensamento nacionalista da época, como a ênfase na nação com um projeto, como algo que se desenvolve na história. A visão é o contraponto a toda a tradição do “ensaio de interpretação da realidade nacional” que buscava a “essência do ser brasileiro” e quase sempre concluía pelo fatalismo de nosso atraso e pobreza. Algo que segue bastante difundido no senso comum.

Minha idéia é que o ensaio que terei que escrever ao fim do curso verse sobre nacionalismo, desenvolvimento e diplomacia. Quero analisar como os debates sobre a industrialização levaram à guinada rumo à “política externa independente” do início dos anos 60. Acredito que possa explicar melhor esse processo partindo da ação da Assessoria Econômica de Vargas e de órgãos como o BNDE, a SUMOC e a própria CEPAL. Levou quase dez anos até que as teses desenvolvimentistas fossem assimiladas pelo Itamaraty, embora tivessem sido encampadas por um grupo de jovens diplomatas que haviam participado de conferências e missões importantes durante a Segunda Guerra Mundial - o de maior destaque entre eles é Roberto Campos.

Campos será o tema da aula desta quarta e para os que se surpreendem com sua inclusão, esclareço que nos anos 50 ele tinha um pensamento desenvolvimentista, embora não fosse um entusiasta do nacionalismo. Foi só mais tarde que se tornou o neoliberal que minha geração conheceu de artigos nos jornais e polêmicas no Congresso.

Para as próximas semanas, teremos aulas sobre a ideologia da segurança nacional, o papel político dos militares e sobre a UDN.

6 comentários:

Anônimo disse...

Caro Maurício,

Creio que vc já conhece, mas uma boa referência bibliográfica ao assunto que vc abordou no último post é a obra "Pensamento Econômico Brasileiro", de Ricardo Bielschowsky, ed. Contraponto.
Li muito para a prova do Irbr.

Com estima,
gabobuendia

Marconi Leal disse...

Muito bom post, Mauricio. Tão bom quanto a enquete! Hilária. Parabéns.

Maurício Santoro disse...

Caro Gabobuendia (Cem Anos de Solidão?),

conheço sim o livro do Bielschowsky e é uma das referências do curso. Acho que é simplesmente a melhor obra sobre o tema do pensamento a respeito do desenvolvimento.

Também gosto muito de panoramas mais gerais, como os de Joseph Love (A Construção do Terceiro Mundo) e Katryn Sikkink (Ideas and Institutions: development in Brazil and Argentina). Em suma, o assunto é bem estudado, a questão é mais fazer a ponte para a história da política externa brasileira.

Obrigado, Marconi. Sobre a enquete, é como diz o José Simão: o Brasil é o país da piada pronta.

Abraços

Sergio Leo disse...

Caríssimo Santoro, o Bielschowski, hoje na Cepal aqui em BSB, tem feito interessantes reflexões sobre política economica, nacionalismo e desenvolvimento, como me explicou numa entrevista que produzimos para o valor. Posso catá-la, se te interessar. Aliás, or uma engraçada coincidência, v. mesmo fez um post sobre desenvolvimentismo, tempos atrás, também ilustrado com foto de época, e te recomendaram o livro dele, do mesmo jeito (http://osconspiradores.blogspot.com/2005/03/memrias-do-desenvolvimento.html).

Te recomendo o livro que o Bresser-Pereira acaba de lançar, cujo nome esqueci. É excelente a provocação dele contra o que chama de ortodoxia convencional, na maneira de ver países como o Brasil no mundo.

Sergio Leo disse...

É Macroeconomia da Estagnação, o nome do livro do Bresser.

http://www.bresserpereira.org.br/index.asp

Maurício Santoro disse...

Salve, Sérgio.

O tema do desenvolvimento, e a história das políticas públicas brasileiras nessa área me interessa muito. O livro do Bielschowski é um clássico, não tenho dúvidas, só não me lembrava de que já tinham me recomendado a obra. Vou buscar a entrevista dele no site do Valor.

Li a matéria com o Bresser na semana passada, e gostei imensamente do debate dele sobre câmbio e desenvolvimento. A Carta Capital também publicou reportagens interessantes a respeito, em breve postarei sobre o tema.

Abraços