quinta-feira, 3 de maio de 2007

Por que o cinema brasileiro está tão ruim?



No feriado assisti a "Proibido Proibir", de Jorge Durán, que parte da crítica saudou como a obra-prima sobre ser jovem no Brasil. Me decepcionei. O filme tem méritos, mas seus defeitos são bastante ilustrativos dos problemas do cinema brasileiro atual. Ok, o Durán é chileno, mas vive aqui há décadas e foi roteirista de clássicos das telas nacionais, como "Lúcio Flávio, passageiro da agonia".

"Proibido Proibir" começa como um triângulo amoroso entre três estudantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Paulo (Caio Blat) cursa medicina e parece não acreditar em nada, a não ser sexo, drogas e... samba antigo (o rock´n roll morreu). Ponto para Blat que está muito bem no papel. Divide apartamento com Léon (Alexandre Rodrigues), que estuda sociologia e junta preocupações sociais com a vontade de aproveitar o que a vida tem de bom, como a namorada Letícia (Maria Flor), bela, rica e algo mimada aluna de arquitetura.

O filme seria excelente caso se concentrasse nesse núcleo de personagens, fazendo a crônica de lugares que pouco aparecem no cinema, como o campus da UFRJ na Ilha do Fundão e o bairro da Penha. Mas parece que baixou o sentimento de culpa na equipe e a história envereda pela denúncia social, envolvendo os estudantes de classe média com moradores de favela ameaçados por grupos de extermínio e policiais corruptos. Soa falso. O roteiro erra a mão e cai em várias incoerências e falhas.

O povo é retratado como bom e puro, só que ingênuo, precisa ser guiado pelos intelectuais da zona sul do Rio de Janeiro. Um xarope que já era difícil de engolir nos anos 60 e é muito decepcionante que os cineastas continuem a tratar dos pobres por essa perspectiva populista, mesmo depois de tantos movimentos sociais importantes terem aparecido no nosso país.

Talvez pela tradição do cinema social dos anos 60, os artistas contemporâneos sentem-se obrigados a retratar as mazelas do país. A questão é que Glauber Rocha e cia sabiam do que falavam. Quando Glauber misturava o sertão nordestino com o os cânones do Velho Oeste e fazia uma maravilha como "Deus e o Diabo na Terra do Sol", criava a partir de sua experiência pessoal, da realidade que conhecia. O bang bang urbano de muitos cineastas contemporâneos soa apenas uma versão mal-editada do noticiário das 19h. Como diz a crítica Ivana Bentes, minha ex-professora de história e teoria do cinema, passamos da estética da fome à cosmética da fome.

Também me frustra o baixo nível dos roteiros, em particular os diálogos. "Proibido Proibir" repete piadas sobre drogas ou clichês sobre como ninguém faz nada pelo Rio de Janeiro. A degradação da linguagem é igualmente a corrupção do pensamento. Sempre. Influência da TV? Falta do hábito da leitura? Péssima qualidade da educação? Contrasta com o alto nível poético de tantas letras de música no Brasil, da MPB ao hip-hop.

Não entro pelas dificuldades de arranjar financiamento, porque não trato de grandes produções. Falo sobre boas idéias, projetos simples. Basta pensar, por exemplo, nos excelentes filmes britânicos recentes, como "A Rainha" e "Notas sobre um Escândalo". Produções modestas, mas bem realizadas, que divertem e botam o espectador para pensar. Mas reconheço que mesmo conseguir um baixo orçamento é difícil, um profissional do prestígio de Durán ficou 20 anos sem filmar.

Mestre Antônio Candido - o melhor crítico literário deste país - escreveu que a literatura brasileira era um arbusto secundário no jardim das musas, mas era ela, e não outra, que nos expressava. O mesmo pode ser dito a respeito de nosso cinema, mas me surpreende o constraste entre um país cheio de histórias à flor da pele, onde cada esquina guarda uma tragédia e uma comédia, e a má fase dos filmes nacionais.

5 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, concordei com cada palavra do texto. Esse "bang bang urbano" busca sua justificação mais na apresentação de uma realidade brutal do que propriamente numa história que faça sentido.

Entre os filmes recentes que mostram mazelas sociais, o que mais me chamou a atenção foi Madame Satã, exatamente porque, neste caso, há um personagem riquíssimo, cuja história não gira em torno de uma mera "denúncia".

Maurício Santoro disse...

Salve, Marcus.

Meu irmão costuma dizer que quando um pobre aparece nas telas do cinema brasileiro, a gente pode apostar que em menos de cinco minutos acontecerá algum crime. Faz falta a crônica do cotidiano.

Também gostei muito de Madame Satã, entre outros méritos teve o de revelar Lázaro Ramos, um dos mais talentosos da nova geração.

Abraços

Anônimo disse...

não é justo generalizar quando vc diz q os dialogos no cinema nacional sao fracos. basta lembrar os escritos pelo trio marcelo gomes, karim ainouz e sergio machado, que fizeram coisas bem interessantes como abril despedaçado; cinema, aspirinas e urubus; madame satã; o céu de suely..

Maurício Santoro disse...

Salve, Bruno.

Ainda não vi o "Céu de Suely" mas concordo com sua ressalva com relação aos outros filmes, que são de fato excelentes. Gosto especialmente do trabalho dos pernambucanos de "Baile Perfumado" e "Cinema, Aspirinas e Urubus".

O problema é que são produções feitas para um pequeno público, do circuito alternativo. Quantos espectadores cada um fez? Será que chegaram a 100 mil? As produções mais vistas reproduzem o formato das novelas.

Abraços

Anônimo disse...

Volto a esta caixa de comentários para recomendar este texto de Bernardo Krivochein, que, a pretexto de resenhar o novo filme-provocação de Claudio Assis, faz uma análise ácida e demolidora do estado das coisas do cinema brasileiro.

Acho que é um ótimo complemento para o seu post, mesmo que você eventualmente não concorde com algumas coisas.