sábado, 12 de maio de 2007

Quo Vadis, Domine?



A visita do papa Bento XVI ao Brasil demonstra o grande afastamento existente entre a Igreja Católica, o Estado e parcela considerável da opinião pública em nosso país. Teríamos que retroceder aos conflitos durante a ditadura militar, ou mesmo à Questão Religiosa durante o Império, para encontrar uma situação comparável.

O Vaticano insiste por um tratado diplomático que outorgue privilégios fiscais à Santa Sé, o chanceler brasileiro sequer recebe o papa. O governo quebra a patente de medicamentos para combater a AIDS e inicia um tímido debate sobre o aborto. A Igreja radicaliza suas posições e equipara as meninas que “ficam” a prostitutas, ao mesmo tempo em que ameaça excomungar políticos que defendam o direito a interromper a gravidez. O endurecimento do discurso reflete o medo do Vaticano de sofrer no Brasil derrotas como as que experimentou recentemente em Portugal e na Cidade do México.

A América Latina concentra 40% dos católicos do mundo e o Brasil é o maior país do continente. Contudo, entre 65% e 75% dos brasileiros se declaram católicos (varia conforme a pesquisa, os dados que cito neste post saíram de reportagens na Carta Capital, Valor, Globo e Estado de São Paulo), enquanto no México e na Argentina o percentual está em torno de 90%. Os evangélicos avançam e a Igreja contra-ataca imitando-os, como na Renovação Carismática.

Diz o teólogo e ex-frade fransciscano Leonardo Boff: “A Igreja não soube se renovar institucionalmente, nem na linguagem, nem nas celebrações. Deveríamos ter cerca de 120 mil padres e temos somente uns 16 mil.” O déficit de sacerdotes é um problema crônico na América Latina. Os teólogos da libertação enfatizaram o ponto e defenderam mais poder aos leigos, criticando a arrogância da hierarquia. A ala conservadora não deixou por menos. Eis o balanço do arcebispo da Paraíba, dom Aldo Pagotto: “As antigas comunidades eclesiais de base só faziam crítica social e desaguaram em quê? Nestes movimento sociais que temos hoje, que só promovem invasões e fazem baderna, nada mais.”

E os católicos? O que pensam e sentem a respeito dos conflitos dentro da Igreja? Menos de metade dos brasileiros sabem o nome do papa. Quase 90% defendem o uso da camisinha e a maioria aceita o aborto em caso de risco à vida da mãe (76%) ou estupro (70%). Nas reportagens sobre a visita de Bento XVI, mesmo as pessoas que esperavam sob a chuva para ouvir-lo falar manifestavam a discordância, ou a ignorância das posições que ele sustenta. Parecia platéia à espera de um ex-Big Brother, não um grupo de fiéis empenhados em renovar sua fé. A própria cobertura televisiva destacou o aspecto trivial da visita, como o tipo de comida que será servida ao papa.

5 comentários:

Anônimo disse...

Dom Aldo Pagotto é uma das figuras mais entrevistadas pela míope e preguiçosa imprensa paraibana. Quando não é "defendendo a vida" é fazendo média com figurões da política. Espírito conciliador, é amigo de todos os caciques da região. Ficou indignado quando a polícia federal prendeu o atual senador Cícero Lucena, na operação confraria, por ele ter superfaturado obras em algumas dezeas de milhões, quando era prefeito de João Pessoa.
E o que é irônico(?) é que ele sucedeu Dom Marcelo Carvalheira, um dos amigos mais próximos de Dom Helder e batalhador das causas sociais.

IgorTB disse...

No Brasil, infelizmente, tudo acaba em carnaval. Tenho certeza que naquela multidão que ficou lá embaixo de frio e chuva, tinha gente que nem sabia o que estava acontecendo ali, mas como viu muita gente junta, resolveu ficar para ver no que dava.

É tudo questão de educação. Se tivéssemos, nem precisaríamos estar aqui discutindo aborto. Aliás, tenho muito medo da legalização do aborto num país em que as pessoas não têm educação. Vai acabar virando método contraceptivo!!

Aí, deu-se a tragédia...

Saudade de vc, Mau! :-)

Maurício Santoro disse...

Salve, Bruno.

Me surpreendeu o tom rude de d. Aldo na entrevista e mais ainda saber que ele é sobrinho de um dos líderes mais progressistas da CNBB. O contexto que você forneceu ajuda a explicar as posições dele.

Caro Igor,

tem muito carnaval na visita papal, mas será que ela terá alguma conseqüência mais decisiva? Parece improvável.

Abraços

Anônimo disse...

Bento näo pode canonizar às figuras que você propone porque devem (aparte de mortos) fazer milagros. Na Argentina sim temos a uma pessoa "santificável": Maradona! Ele fiz dois milagros: foi o Sta. Juana de Arco sudamericano que, com ajuda divina ("la Mano de Dios"), derrotou aos ingleses; e sobreviviu a toda classe de terápias e situaçöes médicas límite. Estive pensando sobre o tema e cheguei à conclusäo de que ser maradoneano ou näo é como ser radical ou peronista e até uma fe: se você (como eu) se criu numa família quase inimiga do Diego e tinha amigos com posturas similares, näo gostarai dele e vice-versa. De todos modos, nos últimos anos minha postura foi sendo mais moderada, mas näo creo chegar a ser seu fanático.
Um abraço, amigo maradoneano

Maurício Santoro disse...

Meu caro Patricio,

Você viu o filme "El Hijo de la Novia"? Há uma cena em que o personagem de Eduardo Blanco, disfarçado de padre, comenta:

"Ele foi crucificado por seus próprios seguidores!"

O amigo o interrompe:

"Padre, chega de falar de Cristo!"
"Mas nós estamos conversando é sobre Maradona!"

Me impressionou muito os amigos argentinos com a imagem de Maradona tatuada no braço. Não conheço nada parecido no Brasil. É um santo popular, sem dúvidas.

A propósito, vi que o La Nación noticiou a visita do papa ao Brasil como sendo um fracasso de público, reunindo menos pessoas do que o esperado. Não sei se foi assim, mas de fato Bento XVI mobilizou muito menos a população do que João Paulo II.

Abraços