segunda-feira, 2 de junho de 2008

Um Lugar ao Sul



No fim de semana, meus alunos do Curso Clio fizeram a prova discursiva de política internacional, parte da etapa final da seleção para o Ministério das Relações Exteriores. O que mais me impressionou no concurso deste ano foi a ênfase dada à agenda diplomática entre o Brasil e os demais países em desenvolvimento.

Das quatro questões da prova de política internacional, duas trataram do tema, abordando potências emergentes e África. As restantes versaram sobre biocombustíveis e aquecimento global, que naturalmente são temas muito relevantes também no âmbito da cooperação sul-sul. Além disso, as provas de história e geografia incluíram questões a respeito do papel do Mercosul na diplomacia brasileira e a comparação entre os modelos de desenvolvimento da China e da Índia.

Curioso como a abordagem das provas está próxima à cobertura internacional sobre política externa brasileira. A imprensa estrangeira aborda o tema principalmente a partir da perspectiva da ascensão dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), considerando muito natural a guinada ao sul do Itamaraty. Bom exemplo é a coluna de Roger Cohen no International Herald Tribune, que afirma que “o mundo virou de cabeça para baixo” e os países emergentes apresentam hoje as melhores oportunidades de crescimento econômico, comércio e investimento.

Historicamente, o Brasil procurou definir a si mesmo como intermediário entre os países ricos e o mundo em desenvolvimento. A política externa brasileira nunca teve ideário terceiro-mundista significativo, como tiveram em certos momentos a Argentina e o México. Nem no governo Geisel? Nem lá, porque embora houvesse a forte agenda com a África e o Oriente Médio, ela era equilibrada pelo acordo nuclear com a Alemanha Ocidental e pela a parceria econômica com o Japão.



No governo Lula o país adotou uma identidade bem mais vinculada ao chamado “sul global”. Creio que as razões principais estão acima, mas também pesam fatores domésticos. Todos os dirigentes petistas com quem conversei sobre África frisaram que a aproximação com o continente não era apenas uma questão econômica, mas também o compromisso com a valorização do movimento negro brasileiro.

Concordo, mas penso que jornalistas como Fábio Zanini têm razão quando apontam que às vezes a identificação do Brasil com o sul se dá por posturas defensivas um tanto impensadas diante das pressões do mundo rico, sobretudo em questões ligadas à agricultura e à energia, como ele observou cobrindo a visita presidencial a Gana, durante a reunião da Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento:

Lula, nas 48 horas que passou em Gana, mostrou-se um perseguidor implacável e só faltou jogar a pia do banheiro em europeus e norte-americanos. Ele está acuado com as críticas a uma política estratégica de seu governo, a dos biocombustíveis. Eles eram, até pouco tempo atrás, uma unanimidade mundial: mais baratos que o petróleo, mais limpos, mais efetivos como fator de distribuição de renda. E, para Lula, o que é muito importante: um veículo para projetar sua influência sobre o Terceiro Mundo. (...) É uma tática deliberada, que ele pretende usar em todos os fóruns de que for capaz. Não foi à toa que Lula foi um dos pouquíssimos chefes de Estado a prestigiarem a reunião da Unctad, aqui em Acra, um dos mais desprestigiados órgãos da ONU.

Difícil imaginar um movimento como esse sendo bem-sucedido, inclusive porque o Brasil de hoje se desenvolveu a tal ponto que têm muitos elementos comuns com países ricos – por exemplo, a existência de um núcleo dinâmico de empresas transnacionais que atuam por todo o planeta, e pesquisa científica de ponta em diversos ramos. E apesar de questionar os subsídios agrícolas da União Européia e dos EUA, é pródigo em benefícios semelhantes ao setor industrial, via BNDES. Não dá para sustentar um discurso de identificação com os deserdados e desvalidos, e ao mesmo tempo conquistar grau de investimento e lucros recordes para Petrobras, Vale, Embraer...

Roger Cohen tem razão e o mundo está mesmo virando de ponta-cabeça. Nesse processo, o Brasil acabará também por se reinventar.

3 comentários:

Anônimo disse...

oi mauricio,
acompanho o seu blog a quase dois anos e aprecio muito o seu trabalho. comecei a acompanha-lo em virtude do meu interesse por politica internacional e gostaria de opinioes suas sobre o assunto.
se puder postar o seu email para eu entrar em contato ficaria muito grato.

abraços, sergio

Anônimo disse...

Ou, então, virar de ponta cabeça, o que tem uma significação um pouco diversa da de se reinventar, como vem fazendo o mundo....

Maurício Santoro disse...

Olá, Sergio.

Pode me escrever em msantoro@iuperj.br, e seguimos trocando idéias.

Dom Igor,

pois é, são muitas mudanças... Algumas até para melhor, como no caso de Obama nos EUA.

Abraços