domingo, 6 de julho de 2008

Adam Smith em Pequim




O economista italiano Giovanni Arrighi se tornou famoso por seus estudos de grandes perspectivas históricas sobre o desenvolvimento das relações internacionais, à semelhança de Fernand Braudel e Immanuel Wallerstein. Sua obra-prima, “O Longo Século XX”, é uma reflexão sobre os ciclos da ascensão e queda das grandes potências, de Gênova e Veneza aos Estados Unidos, passando pelos impérios ibéricos, Holanda e Inglaterra. No entanto, como tantos bons analistas, ele caiu no engano de considerar que os EUA estavam em declínio inexorável no fim da década de 1980, e que seriam substituídos pelo Japão.

Por isso fiquei muito curioso ao ver nas livrarias sua pesquisa mais recente, “Adam Smith em Pequim – origens e fundamentos do século XXI”. De fato, adorei o livro, mas com várias ressalvas. A primeira é que humildade é uma qualidade rara no meio acadêmico, e Arrighi sequer se refere ao seu erro de avaliação sobre o Japão. A segunda é que esta obra é, na realidade, composta por dois ensaios.

O primeiro dele ocupa talvez 2/3 do livro é uma espécie de acerto de contas de Arrighi com as teorias que explicam a “grande divergência” entre o progresso da Europa e dos EUA após a eclosão da Revolução Industrial e o espantoso declínio e fragmentação da China no mesmo período. Arrighi faz um uma instigante leitura de Adam Smith, mostrando que o pai da economia havia valorizado bastante o rumo do desenvolvimento no império chinês, apontando vários pontos nos quais os ocidentais poderiam se inspirar. Em seguida, examina autores chineses e japoneses que abordam aspectos dessa mesma história, em geral ressaltando positivamente avanços econômicos que haviam ocorrido na Ásia nos séculos XVII e XVIII.



O terço final do livro é seu pedaço mais saboroso e trata das causas e conseqüências do retorno da China à condição de grande potência internacional. É um estudo fascinante que aborda as decisões cruciais das antigas dinastias, em particular Ming (1368-1644) e Qing (1644-1911), os impactos da Revolução Comunista de 1949 e da Revolução Cultural da década de 1960, os benefícios da reforma agrária e da expansão da educação, o papel decisivo da diáspora chinesa em (re)investir no país e, lógico, as reformas empreendidas por Deng Xiaoping a partir do fim dos anos 1970.

Arrighi traça um panorama sintético, mas muito rico, dos principais debates nos Estados Unidos em como lidar com a China, avaliando que não há consenso na elite americana e que a política com relação ao país asiático é errática e confusa. Ele mostra as possibilidades das dinâmicas de rivalidade e aliança entre China, Índia, Japão e outras nações do Oriente.

Há diversos aspectos questionáveis no livro. Por exemplo, acredito que Arrighi é excessivamente otimista e benevolente com as reformas chinesas, dando ao governo mais coerência e credibilidade do que merece em vista das confusas lutas políticas no país. Simultaneamente, creio que ele exagera no impacto da Guerra do Iraque para os Estados Unidos, e que subestima a influência das rivalidades nacionais na Ásia. Mas, valha-me Deus, este é um livro que realmente faz pensar! Uma bela discussão sobre história, desenvolvimento e teoria econômica, tendo como pano de fundo este admirável mundo novo que mal começou a se descortinar.

5 comentários:

Vítor Sandes disse...

Descobri esse blog lendo um excelente texto escrito no blog "Os Conspiradores", cujo nome é "A Ciência Política vai ao condomínio". Gostei muito desse Blog também e da indicação do livro no post.

Atenciosamente

Vítor Sandes

Maurício Santoro disse...

Salve, Vitor.

Pois é, continuo com as tarefas à frente do condomínio, mas infelizmente a ciência política, por si mesma, não é mais capaz de dar conta do desafio. Pelo andar da carruagem, em breve terei que pedir auxílio às ciências militares...

Abraços

Vítor Sandes disse...

(Risos)

Talvez o único caminho viável pra desafios desse tipo é utilizar-se da coerção, mesmo que seja a militar (risos).

Atenciosamente

Vítor Sandes

Anônimo disse...

Oi Maurício!

Pelo visto esse livro parece ser bem interessante! Principalmente, como você disse, por levantar diversos questionamentos! Li algumas coisas sobre a China, em particular uma reportagem da Época, e o que parece é que eles também são otimistas de mais em relação a este país.
Vendo pelo lado comércio internacional, também é possivel ter essa visão e embarcarmos na "onda chinesa" ou o setor privado, no caso brasileiro, deve tomar cuidado para não ser prejudicado?

Bjos Isabella

Maurício Santoro disse...

Olá, Isa.

O comércio entre Brasil e China cresceu muito, aquele mercado já está entre nossos maiores, atrás apenas da União Européia, dos EUA e da Argentina - embora talvez ultrapasse esta última.

O problema é que o déficit do Brasil com a China é imenso, e basicamente as exportações brasileiras são de baixo valor agregado (soja, minério de ferro) enquanto se importa manufaturados chineses, que prejudicam bastante setores como têxteis e brinquedos.

De modo que é preciso iniciativas para melhorar essa situação.

Abraços