terça-feira, 29 de julho de 2008
A Anatomia do Fascismo
Fazia tempo que não mergulhava em um livro de história tão bom quanto “Anatomia do Fascismo”, de Robert Paxton. Pelo brilhantismo da análise e beleza literária do texto, o trabalho do professor da Universidade Columbia se compara ao do mestre Eric Hobsbawm. O objetivo da obra de Paxton é identificar os elementos comuns ao ciclo de ascensão, consolidação e queda de diversos movimentos fascistas, com ênfase na Itália e Alemanha, sendo a França um contra-exemplo de país onde essa tendência, embora presente, não chegou a triunfar.
“O fascismo foi a grande inovação política do século XX, e também a origem de boa parte de seus sofrimentos”, escreve Paxton. Definir “fascismo” é notoriamente difícil, e o autor optou por fazê-lo através da enumeração de características presentes nesses regimes, como a primazia do grupo sobre o indivíduo, a identidade coletiva construída a partir do sentimento de ser vítima de inimigos internos ou externos, doutrinas que pregam a “purificação” da raça/nação/cultura, eliminando os segmentos sociais vistos como corruptores, a defesa da superioridade da intuição do líder sobre a razão, um sentido de missão histórica e povo eleito que tudo justificaria.
O fascismo difere de ditaduras comuns, como aquelas da América Latina e da África, ou a Espanha de Franco e o Portugal de Salazar, porque aspira a mobilizar a população, ao passo que regimes autoritários tradicionais querem apenas manter o povo em silêncio, e em casa. Paxton estabelece um vínculo instigante entre democracia e fascismo, afirmando que este nasce como a manipulação sombria da política de massas e da reação à chamada “primeira onda de globalização”, a partir da década de 1880. Seus intrumentos: uso do nacionalismo exacerbado, do anti-semitismo e outras formas de racismo. Há muitos precursores aos fascistas, como a Klu Klux Klan nos EUA, o general Boulanger e a direita radical anti-Dreyfus na França, Karl Lueger em Viena (um dos principais inspiradores de Hitler).
O que transformou esses pólos de extremismo em sistemas políticos foram os traumas resultantes da Primeira Guerra Mundial, das revoluções comunistas (completadas ou abortadas) na Rússia e na Europa e do descrédito do Estado liberal, centrado na defesa dos direitos individuais. Em tais circunstâncias, os partidos políticos conservadores e respeitáveis se dispuseram a abrir caminho para aventureiros como Hitler e Mussolini, com suas novas táticas de brigas de rua, camisas coloridas e espancamento de minorias. A direita tradicional, inclusive os grandes grupos empresariais, acreditou que poderia manipulá-los e aceitá-los como o mal menor diante do comunismo. Isso funcionou na França e na Hungria, mas fracassou tragicamente na Itália e na Alemanha.
Um dos méritos do livro é estudar a estratégia partidária e eleitoral de Hitler e Mussolini, mostrando como mudaram e adaptaram sua maneira de agir, para ampliar sua base de apoio e se assenhorar do poder. Paxton analisa a Itália e a Alemanha como “Estados duais”, nos quais a estrutura habitual do serviço público convivia de maneira tensa com os partidos totalitários. Entre os italianos, a presença da monarquia e da Igreja Católica serviu como freio para muitas das intenções dos fascistas. No caso alemão, o domínio nazista foi muito mais amplo, encontrando resistência signficativa em poucas instituições. Em ambos os países, a violência atingiu proporções aberradoras nas suas aventuras bélicas e imperiais, como a Etiópia ocupada pela Itália e a Europa Oriental e a União Soviética invadidas pela Alemanha.
É bastante conhecido que o fascismo italiano não tinha o anti-semitismo como caráter central, ao contrário do nazismo (embora ele estivesse presente, sobretudo a partir das leis de 1938), e tendia a discriminações mais voltadas para questões de cultura e de história do que biologia e raça. Paxton sintetiza muito bem as diferenças, e apresenta uma hipótese fértil para examinar o Holocausto como uma política imposta “de baixo para cima”, das ações da SS nos territórios ocupados ao Leste.
Os últimos capítulos do livro são dedicados a estudar o fascismo fora da Europa – nos EUA, Japão, Argentina, Brasil e África do Sul, e a apontar sua permanência na Europa contemporânea. Paxton afirma que embora o fascismo não mais exista como sistema dominante, elementos seus continuam bastante presentes, agora reiventados como ojeriza aos imigrantes, mais anti-islâmico do que anti-semita e persistentemente hostil ao liberalismo econômico. Ele observa que é curioso que os programas de expansionismo territorial tenham sido abandonados (com exceção dos Bálcãs) e que agora a extrema-direita defenda a secessão de pequenas regiões, como o Norte da Itália ou a área flamenga da Bélgica.
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3 comentários:
muito interessante os temas que vc comenta, se a gente não se ligar, vamos acabar voltando para estes períodos negros da história, os elementos estão todos aí.
saudaçoes
Caro Maurício:
Estando desatualizado dos artigos encontro este, muito interessante. É curioso o que você diz sob o expansionismo e os novos separatismos. Nunca tinha ficado nisso. Parabéns por siguer estudando a história universal e näo só a atualidade latinoamericana.
Saludos!
Oi, Giulia.
O Paxton tem uma abordagem interessante, que faço minha: elementos do fascismo estão presentes em quase todas as sociedades democráticas, a questão é que tipo de crise provoca sua ascensão ao controle do sistema.
Eu diria que esses grupos extremistas estão mais fortes hoje do que há 20 anos, sobretudo na Europa, e que ganharam respeitabilidade como parceiros menores de coalizões conservadoras, em especial na Itália e na Áustria.
Dom Patricio,
Aqui e ali encontro tempo para ler sobre a Velha Europa, mas hoje o que me interessa é sobretudo América Latina, Índia e China.
Abraços
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