segunda-feira, 21 de julho de 2008

Blackwater



Atualmente há cerca de 180 mil mercenários na Guerra do Iraque, e apeas 160 mil militares dos Estados Unidos. Mal começamos a discutir as implicações da privatização dos conflitos bélicos, mas o jornalista Jeremy Scahill deu bela contribuição com seu livro “Blackwater – a ascensão do exército mercenário mais poderoso do mundo”. Mais do que o exame da empresa, é a crônica de lado pouco explorado da estratégia da “guerra contra o terror” do governo Bush.

Em 1991, no conflito no Golfo, menos de 10% do pessoal presente no teatro de operações pertencia a empresas privadas. O então secretário de Defesa (e atual vice-presidente), Dick Cheney, queria mudar o quadro e começou a assinar contratos para terceirizar diversas atividades das Forças Armadas, em particular aquelas ligadas à logística, como alimentação e limpeza. Esqueça a imagem do recruta Zero descascando batatas: esse tipo de serviço passou a ser executado por funcionários de grandes corporações, como Halliburton, da qual Cheney se tornou presidente após deixar o governo.

A tendência continuou no governo Clinton, mas explodiu com Bush filho, após o 11 de setembro, quando o escopo de atuação das empresas passou a abarcar também treinamento de militares e policiais (americanos e de outros países), segurança a autoridades governamentais e a executivos e até operações de inteligência. As atividades começaram nos Estados Unidos e logo se espalharam para as zonas de guerra no Afeganistão e no Iraque.

A Blackwater é apenas a maior e mais bem-sucedida de mais de 600 dessas empresas e tem a particularidade de que seus principais executivos não estão interessados só em bons negócios, possuem agenda política-religiosa. Seu fundador, Erik Prince, nasceu em milionária família de industriais, vinculados à extrema-direita evangélica. No entanto, ele se converteu ao catolicismo e serviu nas forças especiais da Marinha. Com a morte de seu pai, as empresas do grupo foram vendidas por US$500 milhões. Em 1996, Prince usou sua parte na herança para criar sua própria companhia, dedicada ao nascente e promissor mercado de serviços de segurança e treinamento policial e militar para governos e iniciativa privada.

O nome sombrio da Blackwater é uma referência às águas escuras dos pântanos da Carolina do Norte, onde está sua sede – impressionante complexo de treinamento que em muitos pontos é mais avançado até do que as instalações das Forças Armadas dos EUA. Recrutou funcionários entre militares veteranos, analistas da CIA e policiais. Muito se comenta sobre os profundos vínculos da família Prince com o Partido Republicano, mas a empresa obteve seus primeiros contratos públicos no governo do democrata Bill Clinton, quando ofereceu serviços de segurança que contrabalancearam os medos após o massacre na escola de Columbine e depois dos primeiros atentados de Bin Laden contra alvos americanos.

A principal tarefa da Blackwater no Iraque é garantir a segurança dos diplomatas americanos – a embaixada tem 3 mil funcionários (mais do que o dobro do Itamaraty brasileiro). Nenhum deles foi morto durante a ocupação do país, o que mostra a eficiência da empresa em cumprir sua missão. O problema são seus métodos, que levaram a pelo menos três grandes massacres de civis, em Bagdá, Fallujah e Najaf - áreas sunitas e xiitas. Além disso, a empresa, e os demais mercenários, não estão sujeitas nem às leis iraquianas, nem às americanas, num limbo jurídico que contribui para a impunidade e estimula a violência.

Os militares americanos se ressentem da ação da Blackwater e companhias semelhantes. Os mercenários recebem salários várias vezes maiores e, na visão de muitos oficiais nas Forças Armadas, sues métodos truculentos prejudicam o objetivo de longo prazo, de conquistar a confiança da população iraquiana. Ao mesmo tempo, a baixa quantidade de tropas no país só é possível porque as empresas privadas executam muitas tarefas de segurança, que de outro modo exigiram número bem maior de soldados.

Schahill trata a ascensão da Blackwater como ruptura absoluta com o passado no qual assuntos militares eram exclusivos do Estado. No entanto, essa é uma experiência histórica bastante recente, que no caso dos EUA corresponde ao fortalecimento do poder central no século XX.

Se recuarmos para períodos anteriores, podemos encontrar modos parecidos de dividir as tarefas do império entre Estado e iniciativa privada: as companhias de comércio das Índias, na Inglaterra e Holanda, os piratas dos séculos XVI a XVIII, os bandeirantes no Brasil, as milícias étnicas nos Bálcãs e na região dos Grandes Lagos da África, as unidades paramilitares do nazismo e do fascismo e muitos outros exemplos, a bem da verdade pouquíssimos edificantes no que diz respeito à civilização... Curiosamente, agora um acadêmico importante no círculo neoconservador, Max Boot, fala em criar uma versão americana da Legião Estrangeira da França, que se chamaria... Legião da Liberdade...

A Blackwater recruta bastante na América Latina, em particular no Chile e em El Salvador, países com veteranos militares experimentados em operações anti-guerrilha. Schahill conta em detalhes como a empresa atua na região, e mostra que ela paga salários bem mais baixos aos latino-americanos - chegou a acontecer até um embrião de motim por parte de alguns colombianos.

8 comentários:

Patrick disse...

Curioso que Paul Bremer também tem o mesmo background religioso.

Ramon Blanco disse...

Grande Dr. Maurício, tudo bom?
O tema é muito interessante mesmo! Caso tenha curiosidade mais aprofundada sobre o assunto, tem uma menina aqui que está fazendo o Doutorado justamente sobre esse tipo de empresas e a sua relação na realidade pós-bélica. Algo que ela aponta sempre é justamente o que você apontou, o limbo jurídico que os "funcionários" se encontram.
No mais, estou tentando aproveitar mais um pouco as férias, porque daqui a pouco o trabalho começa para valer!!

Grande abraço,
Ramon

Maurício Santoro disse...

Salve, Patrick.

Sim, há uma análise detalhada da trajetória pessoal do Bremer e de sua relação com a Blackwater. É o mesmo grupo político-religioso.

Caro,

me interessa sim, sua amiga já escreveu algum trabalho sobre o tema?

Abraços

Anônimo disse...

Bom dia Maurício. Já trocamos algumas mensagens, não sei se vai lembrar de mim.
Estou em Buenos Aires e preciso fazer um trabalho sobre história de alum ramo do Direito no Brasil. Como minha linha de pesquisa é direito de integração, pensei em vc. Estou procurando material para pesquisar quando e como surgiu o direito da integração no Brasil. Vc poderia me dar uma dica?
Abraço e obrigada!

Maurício Santoro disse...

Olá, Carolina.

Lembro sim. Infelizmente conheço pouco da área, mas tenho uma amiga que é doutora em direito da integração. Sugiro que você escreva para ela, dizendo que fui eu quem lhe indiquei. Ela se chama Manoela e o email é mroland@ibase.br

Abraços

Swami Udine disse...

Olá Mauricio, estou fazendo uma monografia com base em temas da blackwater usa e seus contratos com a guerra do iraque e afeganistao.

Por acaso voce teria mais algum material que poderia me indicar com essa tematica? Preciso de bastante coisa cara... Já li o livro da Blackwater e agora estou tentando conseguir mais algum material.

Ficaria muito grato
abraços

Swami Udine disse...

Olá Mauricio, estou fazendo uma monografia com base em temas da blackwater usa e seus contratos com a guerra do iraque e afeganistao.

Por acaso voce teria mais algum material que poderia me indicar com essa tematica? Preciso de bastante coisa cara... Já li o livro da Blackwater e agora estou tentando conseguir mais algum material.

Ficaria muito grato
abraços

Swami Udine disse...

Olá Mauricio, estou fazendo uma monografia com base em temas da blackwater usa e seus contratos com a guerra do iraque e afeganistao.

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Ficaria muito grato
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