quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Hoje, Somos Todos Americanos



A grande "promessa" para o futuro dos democratas eh um senador estadual do Illinois que se chama Barack Obama. Ele eh negro, filho de queniano com norte-americana, eh um bom orador e mantem-se longe de questoes raciais. No contexto da apatica politica norte-americana atual, causou frisson no publico.

Assim meu amigo e então co-blogueiro Bruno descrevia a jovem estrela que despontava na política dos Estados Unidos. Era julho de 2004 e foi a primeira vez que ouvi falar no atual presidente eleito americano.

"Esta é a verdadeira América", dizia ontem uma mulher em Nova York, ao observar a multi-étnica fila de votação. As pessoas se abraçavam e choravam e pela Internet meus amigos na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina me mandavam mensagens falando sobre esperança. No restaurante onde almocei nesta quarta, o entregador - negro - arrastou a cadeira para junto da TV e aumentou o volume para ouvir as notícias sobre a vitória de Obama. Os clientes comentavam que agora as coisas vão mudar nos Estados Unidos. Uma corrente global de esperança e mudança. Hoje, somos todos americanos.

Foi uma campanha excepcional. A mais cara e longa da história dos EUA, conduzida com brilhantismo ímpar pela equipe de Obama, em particular por David Axelrod. Discurso limpo, inteligente, bem executado, que conseguiu a proeza de vencer a luta interna contra a máquina dos Clinton no Partido Democrata, enfrentando depois um Partido Republicano enfraquecido pela crise econômica, por um candidato honrado, mas sem experiência com temas financeiros e uma vice que é uma fábrica de gafes, deslizes verbais e limitações ideológicas.



A campanha e a vitória de Obama restauraram a imagem internacional dos Estados Unidos após anos de guerras, torturas, unilateralismo e tragédias domésticas e externas. A exepcional história de vida do presidente eleito dificilmente teria sido viável em outro país: filho de um dinâmico e esperançoso estudante africano com uma moça branca da pequena classe média do Kansas, infância passada entre a Indonésia e o Havaí, a dor do pai ausente mas a promessa e expectativa que o sucesso paterno em Harvard deixou no jovem Barack, a ascensão acadêmica do jovem inteligente, o questionamento sobre sua identidade e lugar no mundo, o trabalho comunitário nos guetos de Chicago, a pós-graduação em Direito em Harvard e a entrada na política como senador estadual em Illinois, em 2000 - há apenas oito anos, mas parece um universo de distância: "Se existe alguém aí que duvida de que a América é o lugar onde todas as coisas são possíveis, esta noite é sua resposta", disse o presidente eleito à multidão que comemorava sua vitória, em Chicago (acima).


Obama saiu-se muito bem e triunfou em "swing states" (isto é, aqueles que oscliam entre republicanos e democratas) como Ohio e Florida, e em áreas conservadoras como Indiana, Virgina, Colorado e Novo México (veja abaixo a comparação com a eleição de 2004). Os democratas ampliaram a maioria na Câmara dos Deputados e no Senado, dando ao novo presidente uma confortável situação para lidar com o Legislativo. Os desafios são muitos: a crise econômica, as guerras no Afeganistão e Iraque, as tensões no Paquistão e no Irã, a deterioração da saúde pública e da educação fundamental, a mudança climática...



O novo presidente mencionou uma mulher de 106 anos, filha de pais que nasceram escravos, que votou nele ontem. Qualquer eleitor americano com mais de 45 anos tem idade suficiente para ter vivido sob as sombras da Jim Crow, as leis racistas que impediam ou dificultavam a participação eleitoral dos negros e que só foram abolidas com o Ato dos Direitos Civis, de 1964. Naturalmente, as pessoas dessa idade que viveram no sul lembram da época da segregação e do apartheid.. Quando os pais de Obama se casaram, seu relacionamento interracial era proibido em metade dos estados do país.

Existem muitas Américas. Uma delas é a dos pais fundadores, que escreveram uma Constituição onde afirmavam que todos os homens nascem livres e iguais, mas esqueceram de mencionar no rodapé que a dádiva não se aplicava àqueles com azar suficiente para terem nascido seus escravos, isso para não citar as mulheres, de qualquer cor de pele. Outra América é aquela, de milhões de pessoas, que sempre se recusaram a compactuar com a injustiça e o racismo. O país que sonha ser a "cidade sobre a colina", a inspiração para o resto do planeta. Ora, os problemas globais são hoje grandes demais para que possam ser resolvidos por uma só nação, mesmo que seja a mais poderosa que o mundo já conheceu. Mas é bom ver que os Estados Unidos se tornam novamente parte da solução, após tantos anos como parte do problema.

8 comentários:

Fernando Ludwig e Ramon Blanco disse...

Salve Maurício!

Como coloquei no Botequim, hoje os EUA têm mais uma janela de oportunidade para recuperar seu prestigio, influencia e até admiração pelo mundo afora. Assim como Bush pós 9/11, hoje Obama tem um mundo inteiro ao seu lado e ao lado dos americanos. O primeiro fechou tal janela e foi para o unilateralismo, creio que Obama não tomará tal caminho.
Resta esperar e ver. Hoje, somos todos americanos! "Yes, we can!"

Grande abraço,
Ramon

Anônimo disse...

Grande Maurício!

Me deparo com o seu texto depois de um longo dia que ia se tornando mais irritante enquanto lia e ouvia comentários de brasileiros comemorando a vitória de Obama (pois não vejo o mesmo engajamento político quando estamos falando no nosso quintal).

Valeu esperar o longo dia. Valeu ler um texto em que a comemoração é diretamente relacionada com o que vivemos e ainda assim com o pé no chão.

Um grande abraço.

Maurício Santoro disse...

Salve, Ramon!

Yes, we did it!

Engraçado o "nós", porque você foi a segunda pessoa a me citar o slogan do "Yes, we can". De fato, Obama conseguiu criar um sentido de comunidade que extravasou as fronteiras nacionais dos EUA.

Política de Identidade, em suma. Escreverei novamente sobre isso.

Salve, Leandro.

Obama faz todos os políticos brasileiros - e latino-americanos, de modo geral - parecerem muito velhos e ultrapassados, presos às controvérsias partidárias da época das ditaduras.

O presidente eleito dos EUA, ao contrário, aponta para um mundo novo, para outras perspectivas.

Dada a influência dos Estados Unidos, é claro que suas ações impactarão por toda a parte, inclusive no Brasil.

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Tenho esperanças de que possa mudar as irracionalidades da política norte-americana, começando pela invasäo ao Iraque.
Siguendo com as citas, acredito que em muitos aspectos "Change we need". HE HE HE
Espero que näo viva o que aconteceu ao Lincoln e ao Kennedy, mas é uma possibilidade forte, pensando no racismo de grupos extremistas como o Ku Klux Klan.
Saludos!

Patricio Iglesias

Maurício Santoro disse...

Caro,

Pois é, que o Serviço Secreto te ouça e protega bem o novo chefe. Vale acrescentar à sua lista as tragédias que ocorreram com Martin Luther King Jr, Malcom X, Robert Kennedy... E depois nós, latino-americanos, é que somos violentos e selvagens!

Abraços

Sergio Leo disse...

Se não me engano, V Excia chega nesta semana a BSB. Dê notícia!!!!!

Maurício Santoro disse...

Salve, meu caro.

Chego amanhã à capital, pronto para mergulhar de cabeça no programa de dez horas diárias (!!!) de aulas na Escola Nacional de Administração. Em breve entro em contato!

Abraços

Enzo Mayer Tessarolo disse...

brilhante post!