segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O Leitor


Há dez anos eu trabalhava na assessoria de imprensa da Editora Nova Fronteira – o equivalente funcional de colocar a raposa para tomar conta do galinheiro, ou por o viciado para gerenciar a boca de fumo – e uma das perólas que descobri na época foi um pequeno romance alemão, “O Leitor”, de Bernard Schlink. Fiquei satisfeito em vê-lo adaptado para o cinema, e um tanto surpreso que tenha demorado tanto, dada a força da história.

Schlink é jurista, professor universitário e também se dedica à ficção. Seus romances tratam de temas relacionados ao Direito. “O Leitor” é um conto de amor e tomada de consciência, tendo como pano de fundo os processos judiciais pelos quais a Alemanha tentou lidar com o passado nazista.

O personagem principal é Michael, um adolescente que na Alemanha da década de 1950 inicia um caso com Hannah, uma mulher mais velha. No ritual que desenvolvem, o rapaz lê para ela obras clássicas da literatura e do teatro, e depois fazem amor. Michael se intriga com a relutância de Hannah em falar sobre seu passado, e como ela parece carregar um pesado fardo. O romance dos dois dura apenas um verão, e a mulher desaparece sem avisar e sem deixar vestígios.

Oito anos depois, Michael estuda Direito e participa de um seminário especial sobre os crimes nazistas e nessa situação assiste ao julgamento de um grupo de mulheres que pertenceram às SS. Entre elas, está Hannah, acusada de um conjunto de atrocidades. E alguns detalhes do comportamento da ex-amante com as prisioneiras fará Michael rever de maneira dolorosa o caso de amor entre os dois.

Gostei da adaptação para o cinema, em particular pelo desempenho excepcional de Kate Winslet como Hannah – pelo qual ela está indicada ao Oscar. Infelizmente, o roteiro optou por ressaltar os aspectos mais melodramáticos da trama, incluindo um longo e desnecessário epílogo na época atual, com Michael interpretado no piloto automático por Ralph Fiennes (com a mesma expressão facial de seus últimos quatro ou cinco filmes).

A escolha do roteirista deixa de lado a possibilidade de desenvolver a relação de Michael com seu professor de Direito, vivido pelo sempre excelente Bruno Ganz. Os dois discutem a validade de julgar apenas alguns dos crimes cometidos durante o nazismo, e se as mulheres em julgamento não estariam sendo usadas como bodes expiatórios para aplacar a consciência culpada de milhões de outros alemães, que nada fizeram para impedir as atrocidades do período. Há um debate sobre as relações entre lei, justiça e moralidade, mas para Michael a questão é mais urgente e visceral: o que fazer quando ele descobre que a mulher que ama é culpada de coisas tão terríveis? Certamente uma pergunta que, em maior ou menor grau, atingiu a muitas pessoas na Velha Europa do pós-guerra.

7 comentários:

Vinhal disse...

Rapaz,

de fato o epílogo é desnecessário e até chato e Ralph Fiennes realmente está com a mesma cara de personagens recentes.

Não entendi bem o seu parágrafo sobre a relação de Michael com o professor, pois me lembro de algumas cenas (pequenas, é verdade) em que se discute a validade daquele julgamento e o que ele implicaria na opinião pública, por exemplo. Na verdade, quem faz esse tipo de questionamento é um outro aluno, que logo é replicado por Michael, em uma cena que demonstra claramente a sua angústia pelo que você disse: 'o que fazer quando ele descobre que a mulher que ama é culpada de coisas tão terríveis?'

Na verdade, acho que a pergunta nem seria 'o que fazer?', mas 'o que era aquilo que teve com ela', 'o que foi tudo aquilo', etc.

Mas a sensação que Michael tem e que, pela simpatia pelo personagem, os espectadores também têm é a de algo mais terrível: Hanna fazia com Michael o mesmo que fazia com seus prisioneiros.
Para Michael, a casa da Hanna se tornou o que a Igreja em chamas se tornou para os prisioneiros.

Anônimo disse...

Eu amei o filme, não conhecia o romance. Dizeram que teria sido a história vivida pelo próprio autor. A informação procede?

Para mim, O Leitor ofuscou os demais concorrentes ao Oscar. Pena que não sou eu que distribuo as estatuetas...

De vez em quando me pego refletindo sobre ele. Em geral, as resenhas tem destacado a questão mal resolvida do nazismo, a expiação da culpa pelos alemães. Pra mim o filme transcende isto e traz para serem debatidos temas universais: a ética, o senso de dever, o não questionamento à hierarquia, o amor incondicional (dele por ela), o respeito (de novo, dele por ela) e também o impacto do primeiro amor (não sei se o livro enfoca isto) - aliás um amor muito 'edipiano', não acharam? A 'mãe' ideal, que ama e não cobra, não fala! Mas uma mãe que abandona...

Bem, não vou me estender aqui, já escrevi muito sobre o filme e, se aceitarem o convite, poderão ler o resto das minhas impressões no meu próprio blog.

Anônimo disse...

Ops, correção logo na minha primeira linha: "disseram" ao invés de "dizeram"

Maurício Santoro disse...

Oi, Vinhal.

Meu comentário é no sentido de que a relação de Michael com o professor poderia ser aprofundada pelo roteiro, assim como suas discussões com os outros colegas.

Por exemplo, a cena que você mencionou, do rapaz raivoso que acha que todos foram culpados, de certa maneira explica o surgimento de grupos violentos de extrema-esquerda na Alemanha, como o Bader Meinhof, que estão muito ligado a esse contexto.

Oi, Thays.

Sim, o próprio Schlink comentou que o romance é autobiográfico, mas não deu detalhes. Aparentemente, a história de amor é ficcional, mas parece que ele aproveitou elementos de casos que ocorreram com pessoas que conheceu, como um ex-professor de ginásio que fora das SS.

Abraços

Anônimo disse...

Não vi o filme.

Mas fico imaginando se o papel de Bruno Ganz não traz a marca indelével do personagem que ele fez em Asas do desejo, de Wim Wenders. Sempre que vejo um filme em que o ator aparece, é imediata a associação do personagem representado como tendo algum tipo de função "anglical" na trama.

É assim em "O leitor"?

Maurício Santoro disse...

Oi, André.

A atuação do Ganz no Asas do Desejo foi mesmo muito marcante, mas acredito que depois do desempenho excepcional dele como Hitler, em "A Queda", esse esteriótipo foi apagado.

Ele interpreta um professor muito reflexivo e ponderado, mais como uma consciência do protagonista do que como um papel angelical.

Abraços

Anônimo disse...

Acabei de ler o romance e acho q o autor explora mais intensamente o drama amor/moral. Ja que a narrativa é em primeira pessoa somos apresentados aos fatos na perspectiva dele Michel. Além desses interessantes conflitos há uma conversa com o pai filósofo(nada sobre isso no filme) para resolver dúvidas sobre "o que fazer". Para mim a visita a um campo de concetração desativado eh um dos momentos altos do filme (no livro isso também é motivo de mais angústia e indecisão). Queria poder conversar sobre essas impressões um pouco feitas "no calor da hora" da leitura.