segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Uma Década de Chávez
Nesta segunda Hugo Chávez completa 10 anos como presidente da Venezuela - o recorde desde Bolívar! No dia 15 haverá um referendo (mais um) para decidir se poderá concorrer a (mais uma) reeleição. No balanço geral da década, impossível escapar da sensação que o país perdeu (mais uma) excelente oportunidade do boom petrolífero para se desenvolver, e que sua política se tornou um emaranhado de instituições frágeis, sempre ameaçadas por personalismos e tendências autoritárias de diversos matizes ideológicos.
No fim da década de 1950 a ditadura militar venezuelana foi substituída por um acordo entre os dois principais partidos da elite civil, o chamado Pacto de Punto Fijo, que equilibrou o jogo político por 30 anos, evitando novos golpes mas às custas de excluir a participação de muitos movimentos sociais importantes da esquerda. Ainda assim, os analistas acadêmicos em geral consideravam a democracia da Venezuela como uma das mais sólidas da América Latina. A ilusão foi destruída em 1989, quando uma rebelião popular contra um duro pacote de estabilização econômica foi reprimida pelo Exército em um banho de sangue nas favelas e bairros pobres de Caracas.
Não havia ficado claro na época, mas o evento marcou o fim de Punto Fijo e despertou a inquietação política de um grupo de jovens oficiais militares que viam seus superiores com deprezo, como lacaios da oligarquia corrupta e violenta que controlava o país. Há muitas semelhanças com o tenentismo brasileiro da década de 1930 e com o movimento militar peruano dos anos 1960. Contudo, essas duas correntes tiveram seu auge num momento em que a democracia estava sob ataque no continente, ao passo que os soldados venezuelanos tentaram derrubá-la quando ela havia se tornado praticamente consensual na região. O resultado foram os dois golpes fracassados de 1992, mas a derrota da insurreição transformou-se em vitória política para o tenente-coronel Hugo Chávez, o carismático oficial pára-quedista que comandou o movimento.
A popularidade conquistada pela tentativa de golpe surpreendeu o próprio Chávez, que levou a década de 1990 inteira para perceber que poderia ter grande sucesso eleitoral. O mais complicado foi transformar seu grupo de conspiradores militares em alguma coisa próxima a um partido político - a rigor, até hoje o processo não se completou, e os métodos hierárquicos de liderança de Chávez frequentemente entram em conflito com as demandas dos movimentos sociais que se aliam a ele. A dificuldade de institucionalizar o movimento vem do personalismo extremo do presidente, que afasta todos os colaboradores que começam a ser algo mais do que sua sombra. Chávez não tem um Número 2. É um Perón sem Evita, que depende de parentes próximos - como o pai e o irmão mais velho - para cargos de confiança.
A falha em criar um partido democrático de massas é um dos principais problemas do Chavismo, outro é a dificuldade do movimento em aceitar a legitimidade dos grupos de oposição, insistindo em classificá-los sob rótulos insultosos de traição da pátria. A mudança constante e casuística das regras eleitorais tampouco ajuda a consolidar um ambiente favorável à democracia venezuelana. Temos também os impactos da Constituição de 1999, que comentei em post da semana passada.
O panorama é melhor quando abordamos as políticas sociais de Chávez. Em que pesem as manipulações partidárias da distribuição de benefícios, elas de fato proporcionam avanços significativos no atendimento de saúde, expansão de oportunidades de educação e ampliação da segurança alimentar, via preços subsidiados. O ponto é que tais ações também tem sido implementadas, até com mais sucesso, por governos moderados como os do Brasil e do Chile, e mesmo por presidentes conservadores com os do México. É um preço alto, e questionável, a pagar pela "Revolução Bolivariana".
No que toca à controversa política externa de Chávez, creio que o balanço é matizado. Muito da agenda chavista - petróleo barato em troca de influência política no Caribe, América Central e Andes - repete paradigmas clássicos da diplomacia venezuelana, em particular a agenda terceiro-mundista que teve seu auge na década de 1970, após o choque petrolífero e no governo de Carlos Andrés Pérez. A novidade são os ataques retóricos aos Estados Unidos, que fazem sucesso com a população mas afastam presidentes que de outro modo poderiam encontrar bons pontos de convergência com Chávez - o Peru é o exemplo mais forte. Para não mencionar as trágicas intervenções venezuelanas no conflito armado da Colômbia.
Para as nações do Cone Sul, Chávez é um aliado importante, apesar dos ocasionais constrangimentos políticos. Suas ofertas de energia e o atrativo mercado consumidor estimulado pelo câmbio sobrevalorizado tornam a Venezuela um parceiro muito sedutor para Argentina e Brasil, que têm ampliado muito seus negócios (exportações e investimentos) no país.
Os ciclos políticos da Venezuela tem sido dominados pelas altas e baixas do petróleo desde a década de 1920 e tudo indica que continuará a ser assim. Os indicadores econômicos do país estão muito ruins diante da crise atual e a perspectiva é de tempos difíceis para Chávez, com o crescimento de alternativas eleitorais na oposição, como mostraram as eleições regionais de novembro.
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3 comentários:
Como habitual, só tenho a agradecer a objetividade e abrangência do texto.
Foi muito esclarecedor.
Caro Maurício:
Gostei de sua comparaçäo com o Perón. Eu sempre acho muitas similitudes: militares que ingresaram na política, disposiçäo de muito dinheiro usado pra ajudas direitas aos mais castigados, estruturas partidárias heterodoxas e hierárquicas, dicotomia total entre opositores e defensores, fortes discursos anti-EEUU, anticapitalistas e anticlericales (no fim do periodo)... só faltaria, como bem diz, uma Evita! HA HA HA
Perón também tinha familiares como funcionários. O Juan Duarte era o hermano da Evita. Há várias películas sob ele, eu vi "¡Ay, Juancito!".
Saludos!
Caros,
Um dos melhores professores que tive na Argentina definia o chavismo como "um peronismo do setor informal". O curioso é que Chávez cita dezenas de líderes latino-americanos que admira, mas nunca menciona o general argentino.
Abraços
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