quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Repensar a Relação


Uma das coisas que sempre me intrigaram no debate sobre relações internacionais no Brasil é o contraste entre a reflexão acadêmica, que às vezes (só às vezes) é de excelente qualidade e a cobertura da imprensa, ainda muito baseada em clichês e opiniões absurdas, com pouca base histórica. Por isso é um prazer ler uma coluna como a de Cristiano Romero no Valor de quarta, sobre as possibilidades de maior aproximação entre Brasil e EUA na presidência de Barack Obama.

O texto de Romero é basicamente uma entrevista com meu amigo e antigo chefe na Fundação Getúlio Vargas, Matias Spektor, um dos mais dinâmicos acadêmicos que conheço. Também há declarações da historiadora americana Julia Sweig, uma especialista nas relações dos Estados Unidos com a América Latina, em particular com Cuba. O ponto essencial da entrevista com Matias é sua crítica a uma das contradições da política externa brasileira:

O Brasil tem uma tensão não-resolvida em nossa política externa. Por um lado, o país quer mais poder, prestígio e influência no mundo, mas, por outro, diz que não não é bom estar no radar dos EUA. Ora, se você quer ter força e se quer contribuir para a ordem global, tem que estar no radar dos EUA, mesmo que isso traga problemas (....) Isso não quer dizer alinhamento automático. É o contrário. É usar a relação privilegiada com os EUA como uma alavanca para aumentar o multilateralismo no mundo. É trazer à mesa questões que hoje não estão na mesa. Trata-se de uma oportunidade gigantesca.

Para ele, e para Julia Sweig, o melhor modo de realizar esse objetivo é concentrar os esforços diplomáticos brasileiros em áreas onde existam boas convergências entre os dois países, como a agenda de mudança do clima. Os dois defendem que o Brasil pode ter posições mais cooperativas com os Estados Unidos nesse campo, e colocar em segundo plano pontos muito conflitivos do debate internacional, como o protecionismo americano ao etanol brasileiro.

O Brasil é um país repleto de contradições e nada é muito simples na maneira pela qual ele se insere nas relações internacionais. Acredito, de fato, que é possível e desejável uma política externa de maior entendimento com os Estados Unidos, mas essa aproximação nunca será tão grande quanto, digamos, aquela que o Canadá ou o Japão têm como a terra de Barack Obama. Por sua condição de país em desenvolvimento, e por suas ambições diplomáticas de exercer liderança para nações em situação semelhante, é interessante para o Brasil ter certa distância de muitas das posições americanas, em particular aquelas que implicam perda de autonomia para Estados do sul global.

Encontrar o ajuste fino entre esses pólos tão diversos é sempre uma questão difícil e delicada, mas é dessas escolhas que se faz boas políticas.

2 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Caro amigo:
Aqui na Argentina sempre se ve ao Brasil näo como um aliado dos EUA "näo automático" em poténcia, como sugiere o texto, senäo em ato. Vocês sempre tem tido uma relaçäo muito mais profunda com os EUA que nós desde os tempos do Vargas. Aqui ainda fica um pouco do ar de "rival continental" que vem dos fins do século XIX.
Saludos!

Maurício Santoro disse...

Caro Patricio,

De fato, essa é a percepção na Argentina, que me foi confirmada inclusive por ex-ministros do seu país. Contudo, é uma avaliação equivocada, baseada sobretudo na comparação Vargas/Perón.

Da década de 1960 até a de 1990, o Brasil teve uma política externa muito voltada para a autonomia, e que várias vezes entrou em conflito com os EUA.

Abraços