quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Yo, El Supremo



No domingo houve mais um referendo na Venezuela e 54% dos eleitores deram ao presidente Hugo Chávez o direito de tentar reeleições ilimitadas. O resultado reverte decisão negativa tomada numa votação há 15 meses, quando Chávez havia sido derrotado por 1%. O que aconteceu no país nesse período para que houvesse a reviravolta eleitoral em favor do presidente?

É uma pergunta difícil de ser respondida. O último ano foi ruim para a Venezuela, com aumento da inflação, queda no preço do petróleo e a constante polarização política que tem marcado a década de Chávez na presidência. Não houve nenhum fato de destaque que explique, por si só, o aumento do apoio a Chávez. Meu palpite é que a lógica do eleitorado passa pela constatação de que a crise mundial trará um período de grandes obstáculos à Venezuela, e que a liderança forte do presidente, com todos os seus defeitos, é necessária para que o país possa enfrentar a turbulência.

No entanto, é apenas um palpite. Os analistas políticos em geral não gostam de Chávez e as supostas explicações sobre seu sucesso raramente vão além de expressões vagas como "carisma" e "populismo". O que foi publicado de mais interessante nestes dias destaca os desafios que o presidente venezuelano enfrentará no futuro próximo. Seus discursos têm dado ênfase à gestão da crise econômica e ao combate ao crime, sem dúvida um dos principais problemas cotidianos no país. Como observaram os jornais, é uma mudança de tom, que deixa de lado as confrontações ideológicas e se volta para uma agenda mais próxima do dia a dia das pessoas.

A oposição, resta o consolo de ter conseguido 45% do total e pela primeira vez superado 5 milhões de votos. A abstenção esteve em torno de 1/3 dos eleitores, padrão comum na Venezuela, onde votar é facultativo.

Pós-Escrito: Dica do Sergio Leo: o artigo de Fabiano Maisonnave na Folha de São Paulo, analisando as razões da vitória de Chávez. Destaque para as mudanças no sistema eleitoral e nas relações federativas na Venezuela. Aliás, esperem para breve novidades envolvendo o site do Sergio e este blogueiro.

6 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Se pensamos, só variu um 5% a qüantidade de votos em favor do Chávez. Näo é uma grande diferência como para pensar que têm mudado muito as preferências dos venezuelanos; mais bem, creio que "El supremo" decidiu jogar a tirar a moeda até consiguer cara.
Tal vez, entre os que mudaram seus votos, muitos pensam, como você diz, que ante a crise o melhor é ter um executivo forte. Uma idéia que se me ocurre é que alguns que votaram "románticamente" no 2007 contra "a ditadura" agora, qüando a renovaçäo presidencial está mais cerca, se assustaram e deixaram os ideáis a um lado e preferiram o ordem. Qüando um governo é forte é mais comum que a oposiçäo faça uma melhor eleiçäo em legislativas que em executivas, qüando a estabilidade está mais em jogo.
Mas o panorama é o mesmo: a sociedade venezuelana está claramente dividida entre uma metade fanáticamente governista e outra totalmente opositora, ao estilo da Argentina durante as duas primeiras presidências do Perón.
Saludos!

Maurício Santoro disse...

Olá, Patricio.

Pois é, em termos percentuais a mudança não é tão expressiva, mas quando levamos em conta o que está em jogo, e o nível da disputa política sobre tudo que diz respeito a Chávez... É foi uma vitória significativa para o presidente venezuelano.

Abraços

carlos disse...

caro santoro,

me perdoe, mas a ironia da chamada do post "yo, el supremo" não se aplica ao presidente chavez da venezuela.

primeiro, o el supremo, geralmente, se refere ao ditador josé gaspar de francia do paraguai, retratado no livro de mesmo nome de augusto roa bastos, que, tenho certeza, o senhor conhece.

segundo, o dito francia, ao que me consta, não era dado a referendos, ou mesmo a escrutínios eleitorais.

por último, o presidente chavez já realizou quinze referendos com acompanhamento de observadores internacionais. até prova em contrário, eleições e referendos são inerentes à democracia, né não?

agora, a análise do resultado do último referendo são outros quinhentos, o que seus leitores teem toda a liberdade de elaborá-las.

abçs

Maurício Santoro disse...

Caro Carlos,

referendos não são necessariamente instrumentos democráticos, se você entender a democracia como um sistema que procura, simultaneamente, o equilíbrio entre a vontade da maioria e a preservação dos direitos da minoria.

Governantes carismáticos de tendências autoritárias com alguma frequencia utilizam referendos e plebiscitos para esmagar a oposição. Na França do século XIX, os dois Napoleões se valeram muito desse recurso. Marx batizou o sistema de "cesarismo".

Chávez tem utilizado diversos métodos autoritários para se manter no poder. Tentou um golpe militar em 1992, demitiu funcionários contrários a seu governo, fechou uma emissora de TV oposicionista, distribui recursos públicos de maneira partidária, para formar clientelas, e usou uma série de manobras juridicas questionáveis para impor sua Constituição.

A citação ao romance de Roa Bastos - do qual gosto muito - ilustra mais do que uma semelhança casual entre Chávez e Francia. Ambos se valem do expediente do nacionalismo e do discurso anti-imperialista para tentar afirmar a suposta unidade da nação e desqualificar os oponentes como traidores da pátria.

Não são práticas saudáveis para construir nenhuma democracia.

Abraços

Rodrigo Cerqueira disse...

Maurício,

confesso que ando meio cansado de Chávez, mas me incomoda a maneira como o discurso da democracia vem sendo utilizado para referendar práticas que eliminam o pouco de democracia que poderia haver na Venezuela e outros vizinhos nossos. E incomoda mais ainda a maneira como o governo brasileiro, o Itamaraty e o presidente, se manifestam sobre os fatos. Mas, apenas para tentar contribuir com o debate, creio que o fato de no primeiro referendo o pacote de medidas ser maior, envolvendo tantos outros pontos controversos, tenha ajudado a aumentar a rejeição da proposta, o que parece não ter acontecido dessa vez.

Sobre o título, prefiro o da Newsweek: Hugo Boss. Muito bom!

Grande abraço.

Maurício Santoro disse...

Oi, Rodrigo.

Pois é, o primeiro referendo foi mais complexo, mas isso deveria ter ajudado Chávez, em vez de prejudicá-lo, porque o pacote incluía muitas medidas de ampliação das ações sociais do governo.

Abraços