sexta-feira, 27 de março de 2009

O Eterno Retorno da Reforma do Estado


Os jornais das últimas semanas trouxeram reportagens interessantes sobre a volta da reforma do Estado para uma posição de destaque na agenda política. O tema entrou no radar dos principais pré-candidatos à presidência e também nas discussões da Secretaria de Assuntos Estratégicos.
O Brasil teve três grandes reformas do aparato administrativo. Duas delas ocorreram em regimes autoritários: a da Era Vargas, na década de 1930 criou o embrião de uma burocracia moderna (bastante avançada para os padrões da época). A da ditadura militar apostou no fortalecimento das estatais, autarquias e fundações, em detrimento dos ministérios e da presidência. Em democracia, houve apenas a reforma Bresser, que introduziu de forma importante, ainda que incompleta, elementos gerenciais inspirados na Nova Gestão Pública dos países de língua inglesa, em particular do Reino Unido. Naturalmente, também houve mudanças significativas em outros momentos, como a obrigatoriedade de concurso para ingressar no serviço público, estabelecida pela Constituição de 1988.

A reforma Bresser foi muito associada pelos partidos de oposição ao ideário neoliberal de redução do Estado. Não é bem assim, e análises acadêmicas apontam que uma das razões de suas limitações foi o medo das autoridades econômicas que ela acabasse por ampliar os gastos públicos. No fim das contas, a reforma lançou as sementes do fortalecimento/recriação de diversas carreiras estratégicas para o Estado, inclusive a dos gestores de políticas públicas, da qual sou membro. Mas a etiqueta ficou e a meu ver explica em grande medida porque o PT viu com pouca simpatia o tema e não apresentou uma proposta própria, embora tenham retomado os concursos e aumentado bastante os salários.

A retomada dos investimentos governamentais, via Programa de Aceleração do Crescimento, ilustrou a fragilidade estrutural na qual haviam caído vários setores do Estado. Muitas obras atrasaram em função da falta de profissionais qualificados em áreas tão diversas quanto engenheiros e redatores de editais. Foram, afinal, pelos menos 20 anos de degradação salarial e condições adversas no serviço público. As dificuldades chamaram a atenção do governo para a necessidade de fortalecer o funcionalismo de carreira.

Simultaneamente, a reforma Bresser e outras mudanças políticas – como a Lei de Responsabilidade Fiscal – foram poderosos estímulos para que os governos estaduais levassem adiante suas próprias reformas administrativas. Há muita coisa interessante acontecendo Brasil afora, e o “choque de gestão” de Minas Gerais virou talvez a principal bandeira política do governador Aécio Neves.

A estrutura federativa do Estado brasileiro impõe desafios particulares. A União recolhe a maioria dos impostos e tem quadros técnicos extremamente qualificados, situação infelizmente ainda incomum em boa parte dos estados e municípios – justamente as unidades administrativas responsáveis pela prestação dos serviços essenciais aos cidadãos, como educação básica, saúde e segurança. Por isso a importância de ideias lançadas pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, de criar “agências transfederais” que possam melhorar a coordenação entre os diversos entes federativos.

Sei não. O Brasil periga virar um país sério.

4 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Exelente descripçäo. Já temos falado muito do distinta que é Argentina no ponto. Aqui a administraçäo pública començöu a se organizar a partir das "presidencias históricas" (Mitre, Sarmiento y Avellaneda, 1861-1880). Creio que a única reforma importante foi alrededor de 1960, qüando se fixou a imovilidade dos cargos públicos. Es decir, passado determinado tempo (creio que umos meses, realmente näo me lembro e creio que depende do organismo) o empregado público näo pode ser removido; antigamente com as mudanças de governo se despediram aos que tinham entrado en tempos de oposiçäo. Meu avô sufriu isso depois da Revolución "Libertadora" de 1955. Depois disso, até onde eu sei, todo siguiu igual, ou até pior, porque desde a lei de flexibilizaçäo laboral os entes públicos (fundamentalmente municípios) fazem contratos por um ano (ou até por meses) com seus empregados ameaçando-os, assim, com a remoçäo de näo apoiar ao oficialismo. Conheço pessoas que chevam 7 anos na administraçäo municipal e ainda estäo contratadas. Isso sem falar das grandes empresas estatais (YPF, Aerolíneas Argentinas, os ramáis ferroviários) que, depois das ventas, vieram disminuidas as filas dos seus empregados.
Saludos!

Maurício Santoro disse...

Salve, Patricio.

Aqui a Constituição de 1988 tornou os servidores estáveis, mas houve muitas contratações terceirizadas para o funcionalismo depois disso.

De alguns anos para cá, o Ministério Público do Trabalho passou a exigir que os terceirizados fossem substituídos por funcionários concursados, é o processo que ainda está acontecendo.

Abraços

André Egg disse...

Sou professor de uma universidade estadual no Paraná. O governador do meu Estado é, via de regra, apresentado na imprensa como um fanfarrão.

Mas Requião não é só isso. É visível a modernização que se processa no aparato do Estado, especialmente se contrastada com os 8 anos do governador anterior - Jaime Lerner, normalmente percebido como "moderno".

Acho que o tal "choque de gestão" do Aécio não passa de peça publicitária. Convivo com mineiros que sabem das coisas e acham o governo atual uma porcaria, exceto no quesito publicidade. Aliás, o Aécio foi derrotado nas eleições do ano passado, grande parte por conta dessa percepção, acredito eu.

Também acho que pode-se falar num grande processo de desmonte dos equipamentos do Estado começando no governo Collor e continuando no governo FHC (que sempre teve como lema superar a "era Vargas" identificada basicamente com um Estado indutor do desenvolvimento). Que o governo Lula mudou apenas parcialmente.

Um Estado bem equipado fere muitos interesses poderosos. Como se vê da atuação recente da Polícia Federal. Imagine se o Banco Central resolve exercer de verdade seu papel de fiscalizar o sistema financeiro?

Acho que é por isso que os liberais de plantão (hegemônicos na imprensa) fazem uma gritaria cada vez que um funcionário público é nomeado ou recebe reajuste salarial.

Maurício Santoro disse...

Oi, André.

Há ideias muito interessantes no choque de gestão mineiro, particularmente no que concerne à avalição por desempenho e ao estabelecimento de escritórios de projetos. Mas concordo contigo que Aécio tem um efeito mídia de "Requião às avessas", e que é preciso separar melhor a análise do marketing político.

A prioridade de FHC sem dúvida foi a estabilização econômica e isso por vezes resultou num ataque ideológico ao Estado, inclusive ao setor dele que funcionava bem.

O curioso é que, entre mortos e feridos, FHC criou uma série de carreiras federais estratégicas que no governo Lula se tornaram muito atrativas em função do aumento dos salários.

Abraços