sexta-feira, 3 de abril de 2009

Argentina: Eleições contra o Relógio


Segue abaixo um pequeno artigo que escrevi para o Ibase, sobre a política de nosso vizinho platino:

A decisão do governo argentino em antecipar as eleições legislativas de outubro para junho é uma corrida contra o relógio. Com dificuldades econômicas e políticas crescentes, a presidente Cristina Fernández de Kirchner tenta uma vitória expressiva que lhe assegure maioria parlamentar, em particular na crucial província de Buenos Aires e na capital federal. A população irá escolher metade da Câmada dos Deputados e 1/3 do Senado.

Cristina Kirchner foi eleita presidente com excelente votação, vencendo no primeiro turno com 46% dos votos. Contudo, seu governo tem sido marcado por conflitos políticos. Disputas com o agronegócio, em função da proposta de aumento dos impostos sobre o setor, paralisaram o país no início de 2008 e resultaram em bloqueios de estradas, protestos contra a presidente e falta de alimentos essenciais, como carne e leite. A popularidade da presidente despencou para 20% e atualmente está ao redor dos 30% - um dos piores índices da América do Sul, onde mandatários como Lula no Brasil e Álvaro Uribe na Colômbia ultrapassaram os 80% de aprovação.

A crise com o agronegócio fragilizou a base de apoio do governo no Congresso. Parlamentares de províncias onde a agricultura tem peso econômico romperam com a presidente e votaram contra sua proposta tributária para o setor. O voto decisivo foi dado pelo próprio vice-presidente, Julio Cobos, que desde então tem uma relação difícil com a chefe de Estado.

Além das disputas com o agronegócio, Cristina Kirchner enfrenta problemas de confiança, devido às denúncias de corrupção contra altos dirigentes do governo e de seu partido, e pelas acusações de manipulação dos índices oficiais de inflação – estimativas independentes apontam que ele seria pelo menos o dobro do valor apontado oficialmente. Tais dificuldades não só afetaram sua popularidade, comoe também prejudicaram a imagem internacional da Argentina, com desvalorização dos títulos públicos do país nos mercados financeiros.

Os Impactos da Crise Econômica

Os efeitos da crise econômica internacional agravaram a situação do governo argentino. Cerca de 2/3 das exportações do país são concentradas em produtos primários agrícolas, minerais e combustíveis, cujos preços caíram bastante em função das turbulências globais. As autoridades reagiram adotando uma série de medidas protecionistas, para tentar equilibrar a balança comercial. Mas essas decisões têm causado longas discussões com o principal parceiro comercial da Argentina, o Brasil, que foi atingido em setores importantes, como o têxtil. O aumento das barreiras não tem resultado em recuperação da indústria argentina, mas no crescimento de importações das nações asiáticas, sobretudo China e Índia, que têm explorado com habilidade as oportunidades trazidas pelas disputas.

A crise também traz preocupações fiscais para o governo argentino. Os gastos do Estado foram muito ampliados como parte da estratégia de recuperação após o abismo de 1998-2002. Foram criados programas sociais como o Chefes e Chefas de Família (semelhante ao Bolsa Família brasileiro) e lançados incentivos oficiais às indústrias. A malfadada tentativa de aumentar os impostos sobre o agronegócio visava a remediar o déficit fiscal. Com o fracasso da iniciativa, o governo se vê em situação difícil, ainda mais porque os mercados financeiros consideram o país com desconfiança, devido à história recente de instabilidade e não-pagamento da dívida externa, e dificilmente concederão novos empréstimos.

Contudo, Cristina Kirchner tem a vantagem de enfrentar uma oposição dividida em coligações frágeis, que reunem de peronistas dissidentes a adversários de direita (o partido Pro, do prefeito de Buenos Aires, Maurício Macri), centro (a União Cívica Radical, dos ex-presidentes Raúl Alfonsín e Fernando de la Rúa) e esquerda (Coalizão Cívica, da deputada Elisa Carrió, a segunda colocada na última disputa presidencial) do atual governo. A presidente joga suas cartas mais importantes na capital e na província de Buenos Aires – nesta última, seu marido, o ex-presidente Néstor Kirchner, deverá liderar a lista partidária. A região é tradicionalmente um bastião do peronismo, pela presença de bairros de trabalhadores e forte atividade sindical.

Ao antecipar as eleições em quatro meses, o governo aposta em sua melhor capacidade de organização, sobretudo para retomar a influência sobre peronistas dissidentes. Essa característica pode se mostrar decisiva, em cenário onde os partidos de oposição são em sua maioria bastante recentes e ainda não consolidaram o apoio de setores expressivos da população.

3 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Obrigado por falar da Argentina. Tenho que dizer que é muito bom o artigo.
Há duas coisas nas quais näo chego concordar. A primeira é objectiva: Cristina consiguiu o 46%, näo o 56% (leia http://www.clarin.com/diario/2007/10/28/um/m-01528566.htm )
A segunda é mais pantanosa. Creio que o que o governo busca é, näo tanto consiguer aos peronistas opositores (cada dia mais) senäo evitar uma eventual aliança entre a UCR, a Coalición Cívica (do Carrió) e o Partido Socialista e sócios menores. Já na província de Santa Fe, no ano 2007, os tres grupos ganharam unidos e agora ameazam com repetir a experiéncia a nível nacional, com o perjuício pelo kirchnerismo.
Respeito aos peronistas independentes e o PRO, há uma aliança entre o Macri, o Francisco de Narváez (empresário peronista aliado desde 2007 ao Macri) e o ex governador de Bs. As. Felipe Solá, quem estiva com o governismo até a crise com o agro.
Por favor, quando tenha tempo, fale do Alfonsín.
Saludos!

Maurício Santoro disse...

Caro Patricio,

Gracias a vos, pela correção. Me confundi com o índice de votação de Cristina, no Brasil a regra para vencer no primeiro turno exige mais de 50% dos votos.

É bastante verossímil que a estratégia do governo seja a que você apontou, embora sempre que eu pense em coalizões na Argentina me venha à memória a experiência da Alianza entre 1999 e 2001. Me parece que a oposição tem pouco em comum, a não ser a rejeição aos Kirchner.

Prometo para breve um post sobre Alfonsín. Ele merece.

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Por nada. Incluso no discurso de asunçäo ela falou do porcentaje exato e explicou os artigos da Constituiçäo ao respeito. Antes da reforma de 1994 era distinto; tinhamos colégio eleitoral.
Pensei que talvez tinha confundido com o índice de popolaridade, que sem dúvidas chegou a isse número e talvez ainda mais. De todos modos, näo säo muito seguidor dessas estadísticas. De La Rúa chegou ao 60%...
Concordo totalmente. Uma coalizäo entre o PS, a UCR, o ARI e partidos menores (a Democracia Cristiana, o Partido Demócrata Progresista, o fundado pelo Lisandro de la Torre, forte em Santa Fe e muitos outros mais) é um calco da Alianza de 1999. E creio que, em forte medida, a culpa é da gente. Se você presta atençäo va ver que em verdade a maior demanda näo é de maior honestidade, segurança, etc., senäo de "Que se vayan estos K". Näo é bom, e o mesmo que com o Menem, há muito antioficialismo pero näo propostas concretas.
Saludos!

Patricio Iglesias