quarta-feira, 21 de abril de 2010

Brasília, 50 Anos



Brasília completa nesta quarta 50 anos e nas palavras do jornal Valor Econômico, "inaugurada pelo presidente Juscelino Kubitschek em 1960 como símbolo do futuro, vai comemorar seu meio século envergonhada de sua elite política atrasada, que se especializou unicamente em dividir butins confiscados de todo o país." Sim, mas é preciso avaliar também os impactos econômicos - positivos e negativos - da construção da cidade.

Levar a capital para o interior de modo a impulsionar o desenvolvimento econômico do Centro-Oeste e do Norte era um velho projeto que estava presente na primeira Constituição republicana, de 1891. No entanto, não foi uma questão levantada pelos diversos governos desenvolvimentistas que se seguiram à Revolução de 1930, mais preocupados com a industrialização do Centro-Sul.

A idéia tampouco constava dos projetos iniciais de JK, que só a encampou quando foi perguntado num comício se cumpriria a determinação constitucional de transferir a capital para o interior. Em retrospecto, é fácil entender seu entusiasmo: ele havia sido prefeito de outra cidade planejada (Belo Horizonte), tinha um histórico com renovação urbana (o complexo da Pampulha) e as crises políticas de 1954-1956 o deixaram horrorizado com a estridência da imprensa carioca pró-golpe, contra Vargas e contra ele mesmo.

A construção da capital se encaixou mal no Plano de Metas com o qual JK pretendia fazer o país avançar "50 anos em 5" e a falta de planejamento financeiro adequado resultou num surto inflacionário que teve grande responsabilidade na crise econômica de 1961-1964, e na instabilidade que culminou na instalação da ditadura militar. Mas no médio prazo, a inauguração de Brasília e das rodovias que a ligaram aos extremos do país foram importantes para o desenvolvimento.

Do ponto de vista do urbanismo, Brasília é a concretização do ideário do movimento moderno, que queria racionalizar o que via como a situação caótica das grandes cidades, encaradas como focos de problemas sociais como más moradias, crime, dificuldades de circulação do trânsito e das pessoas. A nova capital queria ser outra coisa: setores separados para residências, comércio, trabalho, vias expressas para automóveis no lugar de ruas para pedestres.

Vivi em Brasília por um ano, e não gostei da cidade. Senti falta do calor humano e mesmo da confusão que se encontram nas ruas do Rio de Janeiro. A sociabilidade de condomínios fechados, shopping centers e clubes é muito diferente daquela a que estou acostumado. Compartilho as críticas a Brasília feitas por urbanistas como James Holston e Marshall Berman e acrescento os problemas cotidianos de morar numa cidade com planejamento rígido, pensada para ter 500 mil habitantes no anos 2000, e que tem quase seis vezes esse total. O mais impressionante é a segregação social, com os pobres empurrados para longe (cidades satélites, municípios do entorno) - o Distrito Federal tem a mais séria desigualdade social do país. Consequência lógica de um modelo urbano que sempre os excluiu, não obstante as ideologias progressistas de seus fundadores.

Capitais são importantes não só como sedes administrativas, mas pelas imagens e representações dos países. Torço para que Brasília seja capaz de se reinventar e concretizar a modernidade sonhada em sua utopia. Porque hoje, ela manifesta o que há de arcaico na política nacional.

7 comentários:

Mário Machado disse...

A percepção de uma cidade é muito distinta de pessoa para pessoa. Que saudade da minha cidade, da minha Brasília.

http://www.coisasinternacionais.com/2010/04/o-ceu-as-pessoas-o-lago-as-quadras-e.html

para minhas impressões da cidade.

Enzo Mayer Tessarolo disse...

Salve Mauricio,

A crítica do Marshall Berman ao Niemeyer me pareceu bem pesada. Um ponto de vista interessante, mas será que o arquiteto realmente queria segregar as pessoas? E outra: não são os pobres sempre empurrados para os entornos das cidades?

Abraços,
Enzo.

Gabriel disse...

- Off-topic -

Salve, Maurício. Tive uma aula contigo na pós da UCAM, no ano passado. Após a aula você foi tomar um chope com a minha turma e conversamos sobre Christopher Hitchens e etc. Tem algum e-mail que v. pode me dar? Quero pedir um conselho acadêmico e creio que você é a pessoa certa. Abração!

luizgusmao disse...

concordo com o mário m.: morei dois anos no rio e, apesar do belo cenário com a mistura d morros, florestas e praias, não consegui gostar nada do "carioca way of life". saí com a impressão dq é uma metrópole em franca decadência.

Maurício Santoro disse...

Salve, Mário.

Pois é, lembro que havíamos tocado nesse ponto em outro dos meus posts sobre Brasília.

Ontem eu via pela TV as imagens do aniversário de 50 anos da cidade e me surpreendi em não sentir nenhum afeto pela capital. Não gostei disso, afinal, bem ou mal, foi uma cidade importante na minha vida.

Caro Enzo,

Por tudo que já li sobre a construção de Brasília, o que mais me impressiona não foi tanto a suposta intenção de segregar os pobres, mas o absoluto descaso por onde eles morariam.

O planejamento das superquadras é todo voltado para os diversos escalões das classes médias que compõem o funcionalismo público, mas me espanta em como ninguém se importou com os mais pobres, inclusive os que trabalhavam nas obras de Brasília.

Tenho a impressão de que os planejadores achavam que erguiam algo como Ottawa, uma cidade administrativa para burocratas de classe média, sem se dar conta de que a realidade social brasileira é muito mais dramática.

Salve, Gabriel.

Claro, lembro do nosso ótimo papo sobre o artigo a respeito do waterboarding. Me escreva no mauriciosantoro1978@gmail.com, terei o maior prazer em ajudar.

Grande Gusmão,

Não nego a decadência do Rio, mas adoro a cidade mesmo assim - coisas da paixão :-)

Mas falando sério, as limitações do mercado de trabalho carioca são hoje, para mim, o principal problema da cidade.

Abraços

P.R. disse...

compartilho de sua opinião sobre a cidade.

Maurício Santoro disse...

Imaginava :-)