segunda-feira, 5 de abril de 2010

Terreblanche



No fim de semana foi assassinado um dos líderes da extrema-direita da África do Sul, Eugene Terreblanche. Aparentemente, não foi um crime político: segundo a polícia, ele teria sido morto por dois trabalhadores de sua fazenda, em razão de uma disputa salarial. Terreblanche já fora preso em 2001 por ter assassinado um dos funcionários em sua propriedade. Sua história, claro, é extrema. Mas nem tanto: desde o fim do apartheid, 3 mil fazendeiros brancos foram mortos na África do Sul, e no vizinho Zimbábue fugiram em massa após o confisco de suas terras pela ditadura de Mugabe.

A questão agrária no cone sul da África é um barril de pólvora, em função de um padrão de colonização muito particular. Na maioria do continente, a presença de colonos europeus foi bastante reduzida. Alguns poucos milhares, em geral administradores públicos ou militares. Mas na porção austral da região, o clima mais ameno propiciou a instalação de centenas de milhares de fazendeiros e comerciantes, sobretudo na África do Sul, Angola, Moçambique, Rodésia do Sul (o atual Zimbábue) e Quênia.

A instalação dos europeus se deu, claro, às custas da expulsão dos africanos de suas terras. Em geral após longas e sangrentas guerras coloniais – mais de 10 só na África do Sul, mas depois também por decisões administrativas dos governos. Durante o apartheid, as autoridades removeram diversas comunidades negras das cidades e zonas rurais que foram reservadas aos brancos e as instalaram à força em favelas como Soweto ou nos chamados bantustões/homelands, áreas destinadas para membros de determindadas etnias.



A ficção é que os bantustões seriam territórios independentes, cujos cidadãos permaneceriam temporiariamente na África do Sul, em busca de trabalho, mas sem direitos de cidadania. Os governos-fantoches das homelands eram pagos pelas autoridades do apartheid e alguns criaram pequenos impérios particulares, baseados em cassinos e prostituição. Sexo entre brancos e negros era proibido na África do Sul, mas não nos bantustões, o que criava, digamos, um nicho de mercado para o turismo sexual étnico.

Eugene Terreblanche entrou nessa história na década de 1990, propondo a criação de um bantustão para os brancos, no contexto dos anos finais do apartheid. A idéia era surreal: as homelands acabariam junto com o apartheid e os brancos estão muito dispersos no território sul-africano, não são maioria em nenhuma região. Mas no clima tenso daqueles anos, parecia uma alternativa razoável para os africâners apavorados com a possibilidade de um massacre quando os negros chegassem ao poder, com a eleição de Nelson Mandela.

O próprio Terreblanche era uma caricatura do extremista político, com a suástica que era o símbolo de seu movimento, e seu hábito de fazer discursos montado a cavalo – mesmo que ele costumasse cair do animal, em função de problemas com a bebida. Mas seu grupo chegou a ter a adesão de um respeitado ex-comandante do Exército, invadir o centro de convenções onde o governo e a oposição negociavam a transição para a democracia e até tentar conquistar pelas armas uma homeland negra em revolta, num ato que terminou num fiasco tão grande que sepultou politicamente o movimento.

A reforma agrária na África do Sul pós-apartheid caminha a passos lentos, demasiadamente lentos. A situação explosiva no Zimbábue fica como uma sombra, um lembrete do que pode ocorrer. O presidente Zuma tem agido muito bem na reação ao assassinato de Terreblanche, pedindo calma e moderação. Certamente se lembra dos dias trágicos em que negociou o cessar-fogo nos conflitos étnicos, com africânders e zulus.

2 comentários:

P.R. disse...

Falando em continente africano, dá uma olhada no último post do Barrados. A escritora nigeriana Chimamanda Adichie conta a história de como ela encontrou sua autêntica voz cultural - e adverte-nos que se ouvimos somente uma única história sobre uma outra pessoa ou país, corremos o risco de gerar grandes mal-entendidos.

Muito legal mesmo a fala dela. Estou com vontade de comprar o livro Half of a Yellow Sun (http://www.halfofayellowsun.com/), você conhece?

Beijos e saudades! Espero que seu bote esteja funcionando. Estou com pena de vocês na cidade maravilhosa.

Maurício Santoro disse...

Olá, querida.

Eu não a conhecia, mas pelos seus comentários parece ser muito interessante.

As coisas por aqui ficaram caóticas, por causa da chuva, estou há alguns dias fora do ar. Mas enfim, acabo de postar sobre isso.

beijo e saudade