quinta-feira, 15 de abril de 2010
Segurança Nuclear
Desde o fim da Guerra Fria, três países desenvolveram armas atômicas: Índia, Paquistão e Coréia do Norte. Eles se juntaram às outras seis nações que já possuem bombas nucleares: EUA, Rússia, Reino Unido, França, China e Israel. O Irã caminha para ser o décimo da lista. A Cúpula sobre Segurança Nuclear realizada em Washington com 47 chefes de Estado foi um esforço de Obama para dar legitimidade multilateral aos objetivos americanos de promover o que um ex-chanceler brasileiro chamava de "congelamento do poder mundial". É duvidoso que tenha sucesso.
Os Estados Unidos atacaram duas vezes o Japão com armas atômicas em 1945, e depois disso nunca mais esse tipo de bomba foi utilizada em conflitos bélicos, embora tivesse havido o risco de que isso acontecesse em outras ocasiões, sobretudo na crise dos mísseis cubanos, em 1962. Tampouco a posse de armas nucleares serviu para impedir guerras e ataques terroristas aos países que as possuem. Índia e Paquistão continuam a se engalfinhar pela Caxemira, e o mesmo vale para Israel e seus vizinhos árabes. Do mesmo modo, o gigantesco arsenal atômico da União Soviética não conseguiu impedir o esfacelamento do Estado, e nem sequer a derrota no Afeganistão (como os EUA já haviam aprendido na Coréia e no Vietnã), ou na Rússia de Ieltsin, na primeira guerra na Chechênia.
De modo que os benefícios das armas nucleares têm se mostrado bem menos generosos do que se costuma imaginar, e talvez por isso a proliferação atômica no mundo pós-Guerra Fria tenha sido bastante limitada. Nem Alemanha nem Japão desenvolveram essas armas, assim como outras nações com histórico de fragilidade militar e invasões estrangeiras, como Polônia e Coréia do Sul. A exceção da Índia e do Paquistão pode ser explicada pela ascensão do nacionalismo hindu, com o BJP fazendo do programa nuclear uma importante plataforma para sua vitória eleitoral na década de 1990. Medo do fundamentalismo islâmico no eterno rival, mas também receio pela potência ascendente da China, que havia humilhado o exército indiano na guerra no Himalaia, em 1962.
O que mudou esse cenário foi a agressividade da política externa americana no pós-11 de setembro. Embora o Iraque tenha sido invadido a pretexto de eliminar armas de destruição em massa, o que a guerra estimulou foi o efeito inverso: incentivou regimes hostis aos EUA a desenvolver armas atômicas como garantia de que não seriam atacados. No caso da Coréia do Norte, foi mais um empurrão num processo que vinha desde a década de 1990, quando Kim Il-Sung apostou no programa nuclear como modo de extrair auxílio econômico do Ocidente, no contexto da desintegração de seu patrono na URSS e nas reformas pró-mercado na China. No Irã, com seus vizinhos Iraque e Afeganistão ocupados por exércitos estrangeiros, não é de estranhar a histeria nacionalista no país, ainda mais tendo em conta que os iranianos sofreram cinco ataques militares no século XX (dois britânicas, dois russos, um soviético e um iraquiano).
O argumento de Obama de que é necessário conter a proliferação nuclear para impedir que bombas atômicas caiam nas mãos de terroristas é útil como estratégia de marketing político, e também para aprovar medidas mais eficazes de controle dos arsenais que já existem. Mas é precário para impedir que mais países se armem, uma vez que persistem as razões para seus medos e inseguranças e as grandes potências mantém enormes quantidades dessas armas.
No entanto, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU concordam com a continuação das sanções ao Irã, e o regime em Teerã está numa situação bastante difícil. Não é uma questão de justiça internacional, mas do medo que um Irã com armas nucleares se torne a grande potência regional no Oriente Médio, em momento em que seu rival tradicional (Iraque) está em ruínas e Israel demonstra fragilidade política pela instabilidade de suas coalizões governantes, pela estagnação do diálogo com os palestinos e pelas feridas não-cicatrizadas das recentes guerras no Líbano e na Faixa de Gaza. Para EUA, Rússia, China e União Européia, é mais interessante que o Golfo Pérsico continue uma área com lideranças fragmentadas por razões religiosas, étnicas e políticas, sem um Estado que predomine e possa opor uma posição conjunta às grandes potências.
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2 comentários:
Maurico, você concorda então com a posição do Itamaraty e do Lula em não pressionar o Irã ? Até o momento as explicações dadas pelo Celso Amorim não me convenceram muito, mas você tem um ponto de vista interessante.
Abraços,
Vera
Salve, Vera.
Vejo duas questões distintas: a natureza do Tratado de Não-Proliferação e o que o Brasil ganha em se opor diretamente a ele.
O Tratado é um acordo muito injusto e desequilibrado, é difícil defendê-lo.
Contudo, o Brasil fez uma sólida opção pelo uso pacífico de energia nuclear. A rigor, o Tratado pouco importa para o país, uma vez que a própria Constituição já proibe a criação de armas atômicas.
Por isso é tão contraditória a posição do governo brasileiro. Qual a lógica de um desgaste internacional tão grande em nome de criticar um tratado que pouco nos interessa, e defender um país fora da área primordial da diplomacia nacional?
Estou até pensando em escrever um artigo sobre isso. Mais em breve.
Abraços
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