segunda-feira, 26 de abril de 2010
Curso de Colisão
No princípio era o Ford Modelo T. Para fabricá-lo, o velho Henry inventou a linha de produção em massa (inspirado nos processos de trabalho dos matadouros de Chicago) e o salário de US$5 por dia, muito alto para os padrões da época, que permitia aos operários se tornarem consumidores das mercadorias que eles mesmos fabricavam. Era o início de um sonho, e ele era tão americano quanto a torta de maçã.
Paul Ingrassia é um jornalista que ganhou o Pulitzer cobrindo a crise da indústria automobilística americana para o Wall Street Journal. Seu recém-lançado livro "Crash Course: the American automobile industry´s road from glory to disaster" é um belo presente para quem quer entender que as turbulências econômicas pelas quais passam os EUA têm raízes antigas.
Para Ingrassia, o modelo da indústria automobilística americana era baseado na combinação do oligopólio da produção, concentrado nas Três Grandes de Detroit (Ford, GM e Chrysler) e no monopólio da força de trabalho, controlado pelo poderoso sindicato United Auto Workers (UAW), consolidado após greves históricas durante o New Deal. Essa mistura foi altamente inovadora e eficiente entre as décadas de 1930-1960, mas não conseguiu competir a contento com o novo mundo pós-choques do petróleo e com rivais internacionais mais ágeis, como os japoneses.
Detroit já foi um centro de inovação tão fascinante quanto o Vale do Silício. Se a Ford inventou a produção em massa, a GM criou o modelo da moderna empresa: marketing amplo, operações descentralizadas com controle unificado das finanças. As linhas de montagem ofereceram oportunidades de ascensão social para gerações de trabalhadores. O automóvel se tornou parte essencial do estilo de vida dos EUA, mudando a estrutura das cidades e a cultura popular. Modelos como Cadillac e Mustang se transformaram em ícones de épocas inteiras.
O que é bom para a GM é bom para os Estados Unidos, dizia Charles Wilson, presidente da empresa, que serviu como Secretário da Defesa de Eisenhower. Robert McNamara, da Ford, o sucedeu no cargo, sob Kennedy. A indústria sofreu seus primeiros baques com movimentos sociais como a cruzada por segurança nos automóveis, lançada por Ralph Nader, e pressões de ambientalistas para regular emissão de poluição e consumo de combustível. Também houve escândalos financeiros envolvendo executivos das Três Grandes.
Foi por essas rachaduras que os japoneses entraram com força no mercado americano, oferecendo carros menores e mais eficientes, com processos produtivos muito mais modernos do que os modelos já ultrapassados usados em Detroit. Os generosos acordos trabalhistas com a UAW, símbolos da era da afluência, não ajudaram as empresas a competir.
O declínio americano era inevitável? Não, afirma Ingrassia. Ele cita a surpreendente guinada da Chrysler sob Lee Iaccoca, que durante alguns anos foi o executivo mais famoso do mundo. Ou como as Três Grandes prosperaram na década de 1990 produzindo grandes veículos utilitários esportivos (SUVs) que os japoneses demoraram para compreender. Os erros de Detroit foram arrogância, má administração, estruturas rígidas difíceis de mudar. Ele dedica vários capítulos para dissecar essas falhas, desde a tentativa de reestruturação da GM (lançamento do Saturn, com um modelo trabalhista e de produção diferente) até os acordos malsucedidos das Três Grandes com firmas européias, como a Daimler-Benz.
Ingrassia é bastante cético das perspectivas das Três Grandes em se reerguer, mesmo com a ajuda do governo americano, que agora, pasmem, é o acionista majoritário da GM! A Chrysler, depois do fracasso do acordo com os alemães, pediu falência e pasou ao controle da Fiat, que não é exatamente um marco de eficiência em gestão. Ingrassia aponta também a ascensão de novos competidores internacionais, como os indianos.
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7 comentários:
Quando Obama anunciou o que era, efetivamente, uma estatização da GM, parecia que o inferno tinha congelado. Era um choque keynesiano para aumentar a demanda agregada e bla bla bla, mas a GM é menos importante do que já foi.
O que me parece é que a indústria pesada nos Estados Unidos está no ocaso, e as atividades mais ligadas a engenharia, projetos, pesquisa técnica, etc, estão mais fortes. A GM e a Ford que fracassam nos Estados Unidos estão indo muito bem em suas fábricas brasileiras - e geralmente usando modelos que foram projetados na terra de Obama.
Salve, Bruno.
Pois é, o desempenho delas no Brasil é muito melhor, mas acho que isso se deve a dois fatores:
1- Economia aquecida, com a nova classe média comprando automóveis em programas de longas prestações.
2- Menor competição internacional no mercado brasileiro. Os carros japoneses aqui são para a elite, e não para a classe média, como nos EUA.
Abraços
ótima resenha, mauricio. mas por um segundo pensei q vc ia falar sobre o grande colisor de hádrons, acredita?
Meu caro:
Excelente. E uma dúvida respeito ao artigo anterior. É verdade que houve deflação na China em décadas passadas? Não tinha ouvido da inflação dos '80.
Abraços!
Patricio Iglesias
Salve, Luiz.
Rapaz, não faço idéia do que seja isso! :-)
Grande Patricio,
Não soube de deflação na China, mas é improvável que isso tenha ocorrido, porque coisas assim costumam acontecer em momentos de depressão econômica, e não em crescimento acelerado com os chineses têm experimentado.
Abraços
Salve, Mestre.
Suas observações são absolutamente pertinentes, e meu comentário não deixa de ser um grande chute. Mas para os economistas Ricardo não morreu, e vive no modelo de Heckscher e Ohlin.
Dentro desse modelo de dotação de fatores de produção, os Estados Unidos estão deixando de oferecer vantagens comparativas para a produção de automóveis, frente nações emergentes ou mesmo desenvolvidas. Um exemplo: se olharmos a cadeia de valor das montadoras lá, vemos que elas têm perto delas siderúrgicas obsoletas e devem recorrer ao ao aço chinês ou indiano.
E reverter isso leva tempo. Se eu fosse fazer um modelo para explicar a diferença do sucesso das montadoras americanas na terra de Adriano e Wagner Love em relação à pátria de Tiger Woods, os motivos que você apontou seriam variáveis endógenas, que podem ser alterados por políticas públicas. E a perda de vantagens comparativas seria uma variável exógena, dada, já que uma tendência dessa só é mudada no longo prazo. Só pensando em um tempo mais longo seria possível pensar em todos esses componentes.
De novo, um grande chute!
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