domingo, 28 de novembro de 2010

A Longa Marcha da República



As polícias e as Forças Armadas ocuparam o Complexo do Alemão em poucas horas, sem confronto violento, mas os traficantes não se entregaram, nem foram presos, o que faz crer que estão escondidos nas casas dos moradores (provavelmente mantendo muitos como reféns) ou abrigados nas matas das redondezas.

Caiu o mito do crime organizado todo-poderoso. O que vimos foi uma rede de compadres, arrogante, autoritária, cheia de bravatas, que desmoronou diante da reação rápida e decidida do poder público, com cenas humilhantes como a do traficante que urinou nas calças ao ser detido. Torço para tenhamos uma solução pacífica, com a captura dos bandidos.

A imagem mais marcante deste domingo foi o hasteamento da bandeira brasileira (e não a das unidades policiais de elite, como era habitual nas operações de invasão de favelas) no alto do complexo, simbolizando a (re)conquista do território pelo Estado. Mais uma foto para a iconografia bélica que tomou conta da cidade, numa semana que certa imprensa comparou ao desembarque Aliado na Normandia. Por esta lógica, este momento seria talvez como os soviéticos erguendo seu estandarte no Reichtag, durante a conquista de Berlim...

Mas o que vivemos no Rio - insisto no ponto - não é uma guerra. Nem sequer um conflito civil, de fundo religioso ou étnico. Os xiitas não tomaram o Alemão, os hutus não conquistaram Vila Cruzeiro. Trata-se de uma operação policial, com auxílio militar, para eliminar o controle de quadrilhas criminosas sobre bairros pobres. A linguagem bélica tem muitos usos e abusos, em especial legitimar atos autoritários do poder público contra a população mais vulnerável.

Todos os episódios marcantes da violência no Rio geraram um impulso de renovação e reforma, que murchou após poucas semanas de entusiasmo midiático. Isso ocorreu depois das chacinas dos anos 90 e de crimes chocantes como o sequestro do ônibus 174,o assassinato do jornalista Tim Lopes e o do menino João Hélio etc. Há consenso que são necesssárias transformações profundas no aparato legal-repressivo: um código prisional, um regime mais restritivo aos chefes criminosos, monitoramento de advogados e parentes de presos que agem como pombos-correios... Ainda não se fala na reforma da polícia - por exemplo, criação de uma força de ciclo único, que fundisse a PM e a Civil. Sou cético quanto à chance de algo assim avançar.

O Alemão havia sido palco de um grande conflito há quase quatro anos, no início do governo Cabral. Aquela operação fracassada acabou sendo o incentivo para outras iniciativas, que acabaram resultando nas UPPs. A tendência é expandir essa experiência para além das 13 comunidades nas quais foram implementadas e a ocupação do Alemão é o primeiro passo para a UPP nesse complexo de favelas.

O Alemão agora tem Estado, oxalá possa em breve ter também a República, entendendo por essa expressão aquilo que todos os outros brasileiros queremos e merecemos: império das leis, democracia, bens públicos básicos (educação, saúde, segurança). Implementá-la nas favelas requer o uso da força, para desalojar as quadrilhas criminosas que as controlam.

Louvemos o Estado de Direito Democrático: Forças Armadas e polícias são nossos instrumentos, a serviço dos cidadãos. O que vimos nestes dias é aquilo que deve ser normal em qualquer país decente - pessoas aplaudindo os agentes da lei, oferecendo-lhes água e ajuda, pedindo para tirar fotografias a seu lado. Estamos, felizmente, bem distantes do que via quando fui repórter, e testemunhava hostilidade ou indiferença da população a essas instituições. Tomara que tudo isso fique para trás, do mesmo modo como o país superou o descalabro econômico da hiperinflação e começa a avançar sobre a pobreza.

6 comentários:

Karin Nery disse...

Olá, Maurício. Muito triste a onda de violência vivida no Rio nestes últimos dias. Esta semana li um artigo que me mandaram por e-mail, escrito por Luiz Eduardo Soares, "A crise no Rio e o pastiche midiático" que relata um ponto de vista muito interessante. Parece que essas ações policiais de efeito imediato são apenas paliativos e que o problema é muito mais sério do que parece. Involve policiais corruptos que se "aliam" aos traficantes formando milícias. Não sei até que ponto tudo isso que o Soares falou é verdade, mas no mínimo é intrigante. Se quiser posso te enviar por e-mail. Parabéns pelos artigos, sem os acompanho. São ótimos!
Abs.

Maurício Santoro disse...

Salve, Karin.

Li o artigo, está circulando bastante. Há um outro do Marcelo Freixo, que também é excelente.

As milícias se tornaram um problema de segurança muito sério no Rio, em especial na Zona Oeste da cidade. Elas são basicamente, policiais e bombeiros corruptos que tomam conta de comunidades anteriormente dominadas pelo tráfico, e as exploram economicamente cobrando tarifas extorsivas de vans, tv a cabo, distribuição de gás etc.

Sem uma reforma na polícia, existe o risco muito concreto de simplesmente trocarem os traficantes do Alemão por milicianos.

Abraços

Anônimo disse...

UPP: Unidade Policial Paliativa?

Brincadeiras à parte, creio que precisamos de umas UPP's no ES meu caro.

Curioso também é uma frase que diz "quando o bicho pegar, chamem os fuzileiros!"

forte abraço meu caro.

Helvécio.

Maurício Santoro disse...

Salve, meu caro.

Digamos que a sigla poderia significar "Unidade Pacificadora Provisória"...

O plano do governo federal é expandir a UPP para todo o país, mas terá um nome diferente, acho que algo como Centro de Policiamento Comunitário... Quem sabe em breve você tem uma por aí no Espírito Santo.

Abraços

Mário Machado disse...

Como diz o Reinaldo Azevedo (xi, arrumei vários inimigos com essa citação) é hora da UPP do B, unidade de polícia prendedora.

Foi pouco, foi o começo, mas como foi bom ver o 15 de novembro de 1890 chegar para os pobres (em sua maioria negros ou mais escuros).

Eu posso estar a ser inocente, mas vejo uma influência dos filmes 'tropa de elite' na visão que a sociedade tem do BOPE (e por extensão da CORE) que foi ajudada pela feliz e tardia decisão dessas forças de tratar cidadãos como cidadãos.

Afinal se há um criminoso em minha rua e o policial pede pra vasculhar meu quintal com educação eu permito, se ele chega 'esculachando' não há cooperação possível.

Que a República se instale em todo Brasil.

Anônimo disse...

E' uma pena as pessoas acreditarem que toda essa operacao e' verdadeira. A maneira que vejo e' que tudo foi feito para um belo marketing internacional, mostrando que o Estado nao e' tao omisso quanto se pensa. Afinal, a Copa esta ai e precisamos de capital estrangeiro...
Num pais onde mal se cumprem direitos civis e politicos, direitos economicos e sociais nao tem vez. Sera que um dia terao?
A onda de violencia sempre existiu dentro de qualquer comunidade, principalmente no suburbio e na Baixada. Por que agora esta "tendo voz"?
UPP? Precisamos e' de direitos basicos ja e a mudanca da mentalidade classicista da classe media e alta do Brasil.