quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Wikileaks



O início da divulgação pelo site Wikileaks de cerca de 250 mil documentos diplomáticos confidenciais dos Estados Unidos é uma fofoca deliciosa sobre os bastidores da política internacional, mas com poucas novidades. Alguém está surpreso em saber que Berlusconi promove festas selvagens, que há corrupção de larga escala no governo Karzai ou que Sarkozy é autoritário? É, no entanto, muito divertido ouvir os sisudos diplomatas americanos compararem a relação Putin-Medvedev a de Batman e Robin, ou a já clássica descrição de um casamento no Daguestão.

A reação das autoridades mundiais, em particular nos Estados Unidos, foi violenta e extrema, com o surgimento de uma acusação de estupro contra o fundador do site, acompanhada por um mandado de prisão emitido pela Interpol. Medo do quê mais o Wikileaks pode divulgar... O que há de pior nas mensagens é a constatação de como os diplomatas americanos têm cruzado a fronteira da espionagem com freqüência perturbadora. Com o agravante de que os documentos divulgados até agora não são top secret, em geral são despachos rotineiros de embaixadores para seus ministérios. Não houve, por exemplo, nenhum texto produzido exclusivamente para chefes de Estado ou escalões superiores restritos.

Houve boa quantidade de documentos relativos ao Brasil, o que mostra a importância crescente do país para os Estados Unidos. Os temas envolvem críticas ao combate brasileiro ao terrorismo (avaliações negativas do governo, mas elogiosas da Polícia Federal e das ações do Ministério da Fazenda na repressão a crimes financeiros), acompanhamento do papel de “potência emergente” (negociações com o Irã, aproximação com a França).



O que mais chamou a atenção da imprensa brasileira, sem dúvida, foram os despachos do então representante americano em Brasília, Clifford Sobel, relatando conversas nas quais o ministro da Defesa, Nelson Jobim, critica o secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. Jobim teria revelado ao diplomata estrangeiro o câncer de Evo Morales, dito a Sobel que Guimarães “odeia os Estados Unidos” e conquistado a admiração do interlocutor, que o classificou para seus superiores em Washington como um dos melhores e mais confiáveis líderes brasileiros.

No entanto, em outros documentos publicados pela Wikileaks, Sobel se mostra muito crítico à política nacional de defesa, pelo que ele avalia ser uma ênfase exagerada na “independência”. Entusiasmo com Jobim à parte, o embaixador percebe que as Forças Armadas brasileiras examinam com desconfiança os Estados Unidos, preocupam-se com influência estrangeira na Amazônia e buscam autonomia tecnológica por meio de parcerias com outras potências.

Em outras palavras, as rusgas Jobim-Guimarães são disputas burocráticas entre um Ministério da Defesa cada vez mais assertivo nas relações internacionais, que briga pelo espaço tradicional do Itamaraty. O ministro buscou relação mais próxima com o embaixador americano para ganhar vantagem sobre o rival, mas é falso procurar uma suposta oposição entre “Defesa pró-EUA” e “MRE anti-americano”.

7 comentários:

Mário Machado disse...

Dr,

Essa revelação que Samuel Pinheiro é antiamericano foi a do século, juro que ninguém nunca deve ter pensado nisso antes..

Ok, ironias a parte me parece que a agenda do wikileaks não é simplesmente denunciar escândalo ou mal-feitos governamentais e privados e sim uma agenda política mais complexa e ativista - disfarçada de luta pela liberdade de informação.

Ah sim devo acrescentar se o MRE é antiamericano (ou algo próximo disso) a Defesa não fica muito atrás.

Maurício Santoro disse...

Pois é, Mário, ontem eu comentava num almoço com amigos que bastava ler os dois livros escritos pelo embaixador Pinheiro Guimarães para saber com clareza o que ele pensa a respeito dos Estados Unidos...

O Assange, e a Wikileaks, me parecem ser apenas a ponta de um iceberg. Com tanta informação circulando pela Internet, a possibilidade de vazamentos, organizados ou acidentais, aumenta bastante.

Abraços

Anônimo disse...

Cara, tem certeza que vc leu as criticas a politicaxde defesa brasileira? aparentemente não. pois os americanos estão criticando não a "independência", mas sim o foco da politica de defesa não na defesa mas sim em reengenharia social (serviço militar obrigatório) e política industrial. O memo do embaixador deixa bem claro que ele acredita que a política de defesa brasileira e inadequada porque não tem a defesa como prioridade.

A mais interessante parte do documento e a lamentação dos americanos pela inexistência de debate inteligente sobre defesa na mídia e meios políticos do Brasil.

Peter S

Volmer

Maurício Santoro disse...

Caro,

Li as críticas que os diplomatas americanos fizeram à política de Defesa e também já conversei com funcionários e acadêmicos daquele país a respeito.

Os americanos acham que a preocupação do Brasil com a Amazônia é "paranóica" e tambem criticam duramente a busca de autonomia tecnológica bélica pelo governo brasileiro. Por exemplo, o embaixador Sobel chamou o projeto do submarino nuclear de "elefante branco". Cheque o link que está no post.

Com sinceridade, alguém está surpreso? O que esperavam, que Washington iria adorar as parcerias brasileiras com outros países, que prejudicam as empresas americanas?

Há outros pontos de descontentamento, como a questão do combate às drogas, mas isso não aparece com tanta força nos Wikileaks.

Abraços

Glaucia Mara disse...

Primeiro Amazon bloqueou o site de WIKILEAKS, e agora PAY PAL tambem proibiu as doaçoes justificando como atividade ilegal. Até agora nada do que li é verdadeiramente surpendente, mas as reaçoes dizem muito sobre o momento que estamos vivendo. Ninguem tentou negar as noticias, mas calar o mensageiro. Uma coisa ninguem discute, muitas coisas vao mudar a partir de agora, talvez nao nos conteudos, mas nas formas de fazer as coisas da diplomacia.

Igor Moreno Pessoa disse...

Caro Maurício,
O Sr. Assange veio à Genebra tem 3 semanas durante a nona Revisão Periódica Universal. A sessão era exatamente que fazia a revisão dos EUA. O fundador do Wikileaks participou de uma reunião paralela que se eu não me engano tinha sido organizada pelo Irã.
Infelizmente não pude participar da reunião, pois estava na revisão das Ilhas Marshall que por azar aconteceu ao mesmo tempo. No entanto, meus colegas da missão foram e nenhum deles saiu muito convencido pelo discurso do Assange. Ele demonstrou pouco conhecimento sobre os temas e também pouca abertura para falar sobre outros assuntos. Para mim é extremamente contraditório uma pessoa querer abrir todos os segredos diplomáticos, mas ao mesmo tempo não permitir sequer perguntas sobre seu processo de estupro. A impressão que ficou é que ele está sendo usado como uma ferramenta política por grupos anti-americano, ao mesmo tempo que ele também se auto-promove.
Como você mesmo disse, não há nada de novo nos documentos, porém eles são muito bem vendidos. Parece que foram revelados grandes segredos de Estado...
De qualquer maneira, um ponto interessante que pode-se observar foi a falta de habilidade dos EUA para lidar com o assunto. Eles acabaram fazendo realmente muito barulho, o que me parece uma estratégia ruim. O wikileaks ganhou uma visibilidade extraordinária nessas últimas semanas e isso não foi devido ao material divulgado, mas sim pela forma que ele foi recebido.
Abraços!

Maurício Santoro disse...

Salve, Glaucia.

Me parece, pela violência da reação, que o que está em jogo não é tanto o que foi vazado nesta ocasião, e mais uma preocupação contra problemas futuros.

Caro Igor,

Em primeiríssimo lugar, parabéns pelo aniversário - se meu Facebook está correto! Ainda te devo um email de parabéns decente, que prometo escrever em breve, inclusive porque temos bons assuntos para conversar.

O Assange me parece ser o tipo de provocador meio anarquista que atira para todos os lados contra as instituições, e com contradições fortes com relação à sua vida pessoal, como você destaca.

Espero que a campanha dele acabe resultando em regras mais flexíveis para a divulgação de documentos. Algum tipo de resposta as autoridades terão que dar aos Wikileaks...

Abraços