segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Argélia e Iêmen: dominós árabes



As revoltas na Tunísia e no Egito marcam o início de uma onda democrática no mundo árabe. O que sabemos de outras transições no sul e leste da Europa, na América Latina e no oeste e sul da África é que tais processos nunca se limitam a um só país. Uma vez iniciados, espalham-se pela vizinhança regional, de acordo com a semelhança das situações sociais e políticas. Desde janeiro tivemos protestos intensos em diversos países árabes e a Economist organizou inclusive um ranking da instabilidade regional (abaixo), baseado em indicadores como peso dos jovens na população total, níveis de corrupção e de autoritarismo. Ótimo para começar o debate, porque a meu ver a revista subestimou o dominó argelino. Falei um pouco sobre o tema na entrevista que dei à Globo News no sábado, mas aprofundo o argumento aqui.



A Argélia tem um potencial ainda mais explosivo do que o Egito, por três razões: 1) O país viveu uma terrível guerra civil na década de 1990, quando 100 mil pessoas morreram em conflitos entre uma ditadura militar e fundamentalistas islâmicos – o Exército deu um golpe para impedir que vencessem eleições nas quais eram favoritos; 2) A tradição de mobilização popular é muito forte, ainda um legado da guerra de independência contra a França, entre 1956-1962; 3) A presença de milhões de argelinos na ex-metrópole colonial faz com que qualquer convulsão política no país repercuta também nas periferias das cidades francesas.

O presidente da Argélia é Abdelaziz Bouteflika, um herói da independência que foi por muitos anos chanceler e figura de proa no Movimento dos Países Não-Alinhados. Foi eleito presidente em 1999, com a promessa de promover a paz e punir os responsáveis por violações de direitos humanos na guerra civil. Tais expectativas foram frustradas e seu governo tem sido marcado por autoritarismo, fraude e perseguições a seus oponentes.

A situação econômica da Argélia é ruim, com muitos desempregados, apesar dos altos dividendos do petróleo e do gás natural. No país fala-se dos “jovens do muro”, os rapazes que passam o dia sem trabalhar ou estudar. Ironicamente, o primeiro posto de alto escalão de Bouteflika foi como ministro da Juventude, em 1962. Vejamos se ele aprendeu algo com a experiência.

Os principais partidos de oposição, a Reunião pela Democracia e o Movimento Sociedade pela Paz (islâmico moderado, embora não oficialmente, pois a lei pós-guerra civil proíbe partidos religiosos) organizaram uma frente ampla contra Bouteflika e lançaram manifestações, reprimidas com violência. Mas o presidente anunciou a revogação da Lei de Emergência, em vigor há 20 anos, que autorizava poderes ditatorais.




O Iêmen é um caso à parte: o mais pobre entre os países árabes, sem uma classe média significativa como na Tunísia e no Egito. Viveu um período turbulento na década de 1960, com separatismo e guerra civil entre um norte tradicional e um sul comunista. O declínio dessa ideologia e a descoberta de petróleo em zonas de fronteira levaram à reunificação do país nos anos 90, sob o comando do atual ditador Ali Saleh.

A família de Osama Bin Laden migrou do Iêmen para a Arábia Saudita na década de 1930 e ele mantém muitos laços no país, tendo inclusive se casado com uma moça de um dos maiores clãs locais, visando ao recrutamento de seguidores. A Al-Qaeda sempre foi muito ativa no Iêmen, onde realizou um de seus primeiros ataques de vulto, contra o destróier americano USS Cole. Nos últimos meses se falou muito a respeito do risco do crescimento do fundamentalismo no país.

Com uma história trágica que parece o cardápio dos radicalismos ideológicos das décadas de 1960-2000, impressiona a opção da população do Iêmen pela democracia e é difícil imaginá-la sem o exemplo da Tunísia. O presidente Saleh anunciou que não concorrerá à reeleição de modo que até por lá sopram os ventos de mudança.

4 comentários:

Júlio César disse...

Parabéns pelo ótimo blog e pelos ótimos posts que tem feito durante toda a crise

Maurício Santoro disse...

Obrigado, Sidney.

Vejamos o que acontece agora com o Egito.

abraço

Rafael disse...

Olá Maurício,

Não é muito cedo para dizer que o Egito e a Tunísia serão democracias no modelo turco?
Estamos todos contentes pelas quedas desses ditadores, no entanto, ainda não foi produzido sequer um cronograma para as eleições.

Parabéns pelo blog, o último post está ótimo, fiquei até orgulhoso por acompanhá-lo.

abraço

Maurício Santoro disse...

Salve, Rafael.

É cedo sim. os militares tomaram o poder na Turquia na década de 1920, governaram o país até depois da Segunda Guerra Mundial e deram golpes em 1960, 1971 e 1980, além de intervir outras vezes no processo político. Ou seja, a história é longa...

Bom saber que vocês estão gostando da série sobre o mundo árabe, estou até pensando em escrever um artigo acadêmico, mais aprofundado, sobre os temas daqui.

abraços