segunda-feira, 21 de março de 2011
Até Paranóicos Têm Inimigos: a guerra contra Kadafi
Na imprensa internacional, a visita de Barack Obama ao Brasil foi posta de lado por conta do início da intervenção estrangeira na guerra civil da Líbia. Sem auxílio externo os rebeldes seriam derrotados, mas o ataque cria também problemas de difícil solução: é a terceira guerra simultânea de países ocidentais contra uma nação muçulmana, expõe as contradições dos EUA e da União Européia para o mundo árabe e reforça o discurso xenófobo dos ditadores que acusam as rebeliões democráticas de serem conspirações fomentadas do exterior.
O debate sobre a intervenção havia se concentrado na decretação de zona de exclusão aérea, mas a resolução aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU vai além disso e abarca a autorização de uso da força para proteger os civis líbios em qualquer circunstância. Isso significou rodada inicial de bombardeios tendo como alvo o setor de controle-comunicação-comando das Forças Armadas e o sistema de defesa antiaérea. Muitos inocentes serão prejudicados, com a decisão de atacar com mísseis de cruzeiro Tripoli, uma cidade de um milhão de habitantes e a destruição de infraestrutura que também serve à população civil, como aeroportos.
A abrangência dos ataques levou a uma fratura na coalizão de apoio à guerra, com a declaração da Liga Árabe de que havia solicitado apenas a zona de exclusão aérea. Embora os líderes regionais tenham abandonado Kadafi à própria sorte, tampouco querem ser envolvidos numa intervenção estrangeira tão violenta. A relutância também foi expressada pelas potências emergentes: Brasil, Índia, China e Rússia abstiveram-se na votação do Conselho de Segurança. É tradição brasileira não apoiar ações militares contra outros governos, mas apenas forças de paz para mediar conflitos. A companhia dos membros dos BRICs tornou essa posição mais confortável, o Brasil a manteve mesmo diante dos esforços de reaproximação com os Estados Unidos.
China e Rússia têm poder de veto no Conselho de Segurança e poderiam ter proibido a intervenção da ONU, mas optaram por jogar sobre os ocidentais o fardo de lidar com Kadafi, e sofrer o desgaste junto à opinião pública árabe. Embora o ditador líbio seja de longe o mais feroz na repressão às rebeliões democráticas, regimes autoritários na Arábia Saudita, Bahrein e Iêmen (todos importantes aliados americanos no Golfo Pérsico) também atacam com selvageria manifestantes que revindicam liberdade.
Um caso curioso é o do Líbano, que votou a favor da intervenção. Kadafi é um inimigo histórico dos xiitas libaneses, pois há 30 anos prendeu e matou seu principal líder religioso, o imã Musa Sadr, com quem disputava influência junto aos palestinos. Sadr rompeu com o domínio das famílias tradicionais de proprietários de terras xiitas e criou importantes movimentos desse grupo, como a milícia Amal. Após a invasão israelense do Líbano, já depois da morte de Sadr, dissidentes da Amal fundaram o Hezbolá, que hoje é a mais influente força política do país.
As Forças Armadas da Líbia são frágeis e tiveram dificuldades mesmo em intervenções em países como o Chade. É difícil imaginar que Kadafi tenha como se opor à ação militar do Ocidente. Os riscos são políticos, o de que tropas da ONU acabem arrastadas para um conflito terrestre, tendo que mediar entre as tribos líbias. Emaranhados étnicos semelhantes, no Congo, Líbano e Somália, acabaram mal.
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2 comentários:
A rebelião do Egito ganhou força quando o Exército desobedeceu ordens de atirar em civis desarmados. Mas na Líbia isso não poderia acontecer porque boa parte do exército é formado por estrangeiros, mercenários vindos de outras nações árabes ou africanas. Kadafi (Gadafi?) não iria cair como os outros, definitivamente. Os relatos são de que os militares de Gadafi simplesmente entraram nas cidades dentro de tanques, metralhando os rebeldes que tentavam resistir.
A aposta européia é que, destruindo esses blindados, aviões e baterias anti-aéreas (e às escondidas fornecendo umas armas para os rebeldes, ninguém é de ferro), os próprios Líbios decidam o que querem fazer. Uma solução é dividir o país em dois: os rebeldes ficam no leste, com o petróleo, e Gadafi no oeste, com camelos e areia.
Caro,
Exato. A aposta da coalizão é que os militares deponham Kadafi, mas a situação das Forças Armadas é mais frágil na Líbia, até agora o coronel tem mantido o domínio das suas brigadas de elite, os kaeteb.
Abraços
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