sexta-feira, 11 de março de 2011

A Guinada da França e a Guerra Líbia



A guerra civil na Líbia fez baixas na França: o presidente Nicholas Sarkozy iniciou uma guinada em sua política externa, exonerando a chanceler Michèle Alliot-Marie (que tinha amplas ligações com o ditador deposto da Tunísia), nomeando para seu lugar o veterano Alain Juppé (ex-premiê, chanceler e breve titular da pasta da Defesa, na foto acima, ao lado de Sarkozy) e fortalecendo o Ministério das Relações Exteriores, inclusive com o afastamento de diversos assessores internacionais presidenciais no Palácio do Eliseu, que foram remanejados para outras funções. As mudanças refletem a crise diplomática francesa diante das revoltas árabes. Juppé mostrou a que veio fazendo a França reconhecer os rebeldes líbios como o governo do país, e anunciando o translado da embaixada de Tripoli para Benghazi.

Kadafi reagiu ameaçando revelar um “grave segredo” de Sarkozy, insinuando que seria algo sobre financiamento de campanha e que levaria à queda do presidente francês. Bravatas à parte, os dois chefes de Estado tiveram relações próximas até a eclosão da guerra civil. Sarkozy teve como um de seus principais objetivos de política externa a consolidação da “União do Mediterrâneo”, organização internacional lançada em 2008, que reune países europeus, africanos e do Oriente Médio. Na formação de alianças de apoio ao projeto, Sarkozy cortejou alguns dos piores ditadores da região, inclusive Kadafi, que ele chegou a afirmar que não era considerado um líder autoritário na África.



Ironias da política, pois Sarkozy fez campanha eleitoral falando contra a “Françafrique”, o lobby que mistura interesses empresariais franceses e africanos, e que tem sido uma influência poderosa na política externa do país. No poder, Sarkozy centralizou muitas decisões diplomáticas em sua assessoria no Eliseu. No entanto, aumentaram as críticas a seu personalismo e erros e o presidente voltou atrás decidiu fortalecer novamente os diplomatas de carreira, no Quai d´Orsay.

Sarkozy foi o principal defensor de uma Cúpula de emergência da União Européia, para tratar das revoltas no norte da África, que começa hoje em Bruxelas. A UE planeja mudar sua política de auxílio ao desenvolvimento e pensa em modos de ajudar na consolidação dos novos regimes democráticos que se anunciam na região. É um campo difícil, pois há muitos conflitos não-resolvidos, em particular a guerra civil na Líbia.

A última semana foi de vitórias militares para Kadafi, que conseguiu retomar o controle de cidades, como Bin Jawwad, Ras Lanuf e Zawyia. O ditador mostrou que suas forças especiais e mercenários são eficazes contra os rebeldes pouco organizados. Apesar das sanções econômicas internacionais em vigor, Kadafi tem à sua disposição uma quantia estimada em dezenas de bilhões dólares, armazenada em bancos e instituições governamentais líbias.

É improvável que outros países ocidentais sigam o curso da França. O cenário até agora é que a União Européia e os Estados Unidos buscam maneiras de ajudar os rebeldes e dificultar a vida de Kadafi, sem contudo anunciar explicitamente o engajamento na guerra civil. A hipótese de intervenção militar não foi descartada, mas é vista com temor e cautela, em particular diante da demonstração de força do regime autoritário.

Ainda sobre o tema: entrou no ar a entrevista que dei ao jornalista Fred Furtado, do podcast da revista "Ciência Hoje". Comento a revolta árabe e a persistência dos regimes autoritários em países como China e Irã, à luz do que escrevi no meu livro "Ditaduras Contemporâneas". Falo do impacto das novas tecnologias, das condições econômicas, do papel da juventude e de temas semelhantes.

4 comentários:

Marcos disse...

Essa foto, o Sarko com vergonhinha de apertar a mão do coronel, é linda.

Maurício Santoro disse...

Pois é, mas ajoelhou, tem que rezar.

abraços

rafael campos rocha disse...

excelente texto e blog!

Maurício Santoro disse...

Obrigado, Rafael!

Abraços