quarta-feira, 15 de junho de 2011

O Punho e a Renda



O papel do Itamaraty na repressão política na América do Sul é o tema deste fascinante romance de Edgard Telles Ribeiro (foto). Embaixador, ele conta um pouco da história de sua geração por meio da fulminante ascensão de Marcílio Andrade Xavier, mais conhecido como Max, um diplomata que após o golpe de 1964 faz um pacto fáustico com o regime autoritário, envolvendo-se em atividades clandestinas para derrubar os governos democráticos no Uruguai e no Chile. Em troca, Max terá uma carreira marcada por promoções velozes e postos de prestígio, com os quais tenta apaziguar seus fantasmas pessoais de ambição e culpa.

Profundo conhecedor da política externa brasileira e dos meandros do Ministério das Relações Exteriores, Ribeiro mistura realidade e ficção numa abordagem instigante de muitos dos principais temas internacionais das décadas de 1960-70, como a eclosão da guerrilha urbana dos Tupamaros em Montevidéu, o golpe contra o presidente chileno Salvador Allende, as negociações secretas do programa nuclear entre o Brasil e a Alemanha Ocidental e os primórdios da Operação Condor, a integração entre os aparatos repressivos das ditaduras sul-americanas. O romance é narrado em primeira pessoa por um personagem sem nome, um diplomata que foi um grande amigo de Max na juventude mas foi pouco a pouco afastando-se dele e já na época atual, tenta entender em retrospectiva as ecolhas trágicas do colega. E talvez, acertar as contas com seu próprio sentimento de culpa por não ter se rebelado contra a ditadura, permanecendo um funcionário cumpridor de ordens.



Max é o diplomata mais bem construído da literatura brasileira desde o Conselheiro Aires de Machado de Assis. É um carreirista capaz de trair qualquer um, mas também um intelectual brilhante e um articulista político habilidoso. Ingressa na diplomacia com a ânsia de reverter o declínio de sua família – tradicional, mas empobrecida – e um golpe de sorte o lança de imediato no gabinete do chanceler. Ali, ele será testemunha de uma reunião sigilosa com o cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, na qual seu desempenho o consolidará como homem de confiança da Igreja Católica no Itamaraty. Meses depois, com o golpe militar, Max trilhará um caminho explosivo fazendo a ponte entre Forças Armadas, serviços de segurança (o Punho) e o mundo da diplomacia e dos governos estrangeiros (a Renda).

Leitores familiarizados com a história política brasileira não terão dificuldade em identificar alguns dos modelos para Max e para outros personagens do romance, como o embaixador extremista que é um dos mentores do jovem diplomata e depois assume um alto cargo no Estado. Mas claramente, Ribeiro misturou as trajetórias de vários indivíduos, junto com suas próprias criações poéticas, para compor o elenco do livro. Os historiadores apenas começaram a desvelar o papel da política externa brasileira na repressão política do período e a relutância do governo em abrir seus arquivos da época ditatorial não ajuda nessa tarefa. Neste contexto, ficcionistas têm importância ainda maior para lançar luz sobre certas sombras que precisam virar memória.

3 comentários:

Renato Feltrin disse...

Maurício, depois de ler este post, comprei o livro. Aindo estou no começo, mas, realmente, parece promissor. Grande dica.

Maurício Santoro disse...

Salve, meu caro. Que bom, espero que você goste. Para quem acompanha a PEB, é um belo presente.

abraços

Adriana Ramalho disse...

Eu comprei esse livro, mas ainda não chegou, porém vi que tinha um com uma capa e outro com outra capa, com valores diferentes, Você saberia me responder se há alguma diferença conteudista?