sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Jogos, Trapaças e Canos Fumegantes: Irã, Arábia Saudita e EUA



Na terça-feira o procurador-geral (ministro da Justiça) dos Estados Unidos acusou o Irã de planejar um atentado contra o embaixador da Arábia Saudita em Washington. A denúncia serviu para estimular a proposta de mais uma rodada de sanções dos EUA e da União Européia contra a República Islâmica. No entanto, a história tem diversos pontos soltos e não explicados e se parece bastante com o teatro armado para justificar a invasão do Iraque. É preciso cautela – e muita – para examiná-la, mas independemente de sua veracidade ilustra a rápida deterioração da situação internacional iraniana, provocada sobretudo pela revoltas democráticas nos países árabes.

Segundo o governo americano, a Guarda Revolucionária (unidade de elite do Irã) teria contratado um cartel do tráfico de drogas do México para assassinar o diplomata saudita. Um informante das autoridades entre os traficantes denunciou o suposto agente iraniano, Manssor Arbabsia, um vendedor de carros usados condenado no passado por fraude bancária. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos afirma ter gravações de conversas de Arbabsia com os criminosos mexicanos, e provas de que ele transferiu US$100 mil para os bandidos, como primeira parcela de um total de US$1,5 milhões cobrados para executar o embaixador.

O governo do Irã realizou diversos atentados terroristas no exterior – no Líbano, na Arábia Saudita e até na Argentina – mas o modus operandi denunciado pelos Estados Unidos é bastante estranho. Os iranianos têm serviços de inteligência extremamente eficazes e profissionais, além de contar com aliados experimentados como o Hezbolá. O tipo de erro primário cometido na suposta operação contra o diplomata saudita simplesmente não faz muito sentido. O historiador Juan Cole levanta a hipótese de que seja um projeto não-oficial, planejado por membros da Guarda Revolucionária envolvidos em disputas de tráfico de drogas com os sauditas. É uma sugestão verossímil, inclusive porque essa unidade é quase um Estado dentro do Estado, e sua atuação tem sido marcada por ferozes lutas por poder com autoridades civis e religiosas.

Talvez nunca saibamos ao certo o que aconteceu, mas há fatos que podemos analisar neste momento. O mais importante deles é que as revoltas da Primavera Árabe ameaçam a influência do Irã sobre dois de seus aliados-chave no Oriente Médio: o grupo radical palestino Hamas e o governo da Síria. O Hamas tem se aproximado cada vez mais do Egito, fez a trégua com a Autoridade Nacional Palestina e acordou uma importante libertação de mil prisioneiros com Israel. O regime sírio de Assad enfrenta um desafio grande por sua própria sobrevivência, contra a maioria sunita do país, apoiada pelos Estados Unidos e pela Arábia Saudita.

Sauditas e iranianos tem história de disputas que diz respeito, em última instância, a modelos distintos de fundamentalismo religioso, sunita e xiita, e formas de governo, monárquica e republicana. Ambos são ditaduras, mas a da Arábia é ainda mais fechada do que a iraniana, não realizando sequer as eleições limitadas desta, e com restrições piores aos direitos das mulheres. Esse conflito se tornou mais intenso após a Revolução Islâmica de 1979 e agravou-se após o 11 de setembro, quando o Irã se beneficiou do fortalecimento dos movimentos políticos xiitas no Iraque e no Líbano.

A Primavera Árabe também é uma ameaça para os sauditas, que inclusive intervieram militarmente no vizinho Bahrein, para ajudar a monarquia local (sunita) a debelar uma rebelião popular (xiita). Mas a condição de um dos principais fornecedores de petróleo aos Estados Unidos, e aliado fidelíssimo desde a Segunda Guerra Mundial tem poupado o rei saudita do tipo de crítica e sanções internacionais recebidos por tiranos semelhantes na Líbia, Síria e Egito.

4 comentários:

Rafaela Araujo disse...

Professor sem falar que conforme Antonio Luiz M. C. Costa quando a economia é um desastre, nada como forjar um inimigo externo para conseguir o apoio automático da mídia e de parte dos eleitores. O patriotismo é o último recurso, como dizia Samuel Johnson.

Maurício Santoro disse...

Salve, Rafaela.

A história toda está muito, muito esquisita. A ver os detalhes.

abraços

IgorTB disse...

Maurício, querido,
Que importa que eles sejam filhos da puta, o que vale é que são os nossos filhos da puta...digamos que o american thought de Nixon ainda está dando sementes...

Abração

Maurício Santoro disse...

Pois é, mas a política externa do Obama está muito confusa, muito incoerente... A única coisa que consigo perceber com certa clareza é uma tendência cada vez maior ao intervencionismo.

abraço