sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A Vergonha da Itália



Este é o primeiro de uma série de posts comentando os melhores filmes a que assisti no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, particularmente bom neste ano. Começo com dois documentários que tratam do declínio da Itália nesta época de crise econômica e de governo de Silvio Berlusconi.

“Itália, ame-a ou deixe-a” trata de dois rapazes que viajam pelo país conversando com pessoas sobre os problemas italianos, para decidir se irão emigrar (como fizeram vários de seus amigos) ou se permanecem e tentam mudar as coisas. O título é original, não é uma referência ao slogan do regime militar brasileiro.

O filme é surpreendente leve e bem-humorado, muito por conta da personalidade de um dos protagonistas, natural do Tirol, região italiana na qual a língua materna é o alemão, e que desempenha o papel de um cético rabugento, a todo tempo citando estatísticas que mostram o descalabro do país. Exemplo: apenas 15% de jovens na universidade, o índice mais baixo da União Européia!

No giro pela Itália, os dois rapazes vêem de tudo: crime organizado, corrupção, salários baixos, precarização do trabalho, cultura de massas vulgar e sórdida, degradação ambiental, descaso com o patrimônio histórico do país, maus tratos a imigrantes africanos, a persistência do fascismo e do autoritarismo na sociedade. Mas também encontram pessoas interessantes que estão engajadas em ações de transformação social. Não é um filme pessimista, mas chama a atenção o declínio acentuado com relação à prosperidade e criatividade do país nas décadas passadas.

O gráfico abaixo ajuda a entender os problemas, com a estagnação italiana desde a adoção do euro em 2002. O país perdeu competitividade internacional e enfrenta dificuldades crescentes para se manter solvente por conta da elevação das taxas de juros.



O documentário trata, claro, de Berlusconi – uma das sequências mais assustadoras é o encontro dos rapazes com um grupo de idosas que admiram o primeiro-ministro. Ele é o protagonista de “Para Sempre Silvio”, biografia não-autorizada e para lá de irônica, mas editada somente com seus discursos e declarações. Ou de pessoas próximas a ele, como sua mãe, mostrada no vídeo abaixo.



O filme trata brevemente de sua carreira como empresário, que o levou a se tornar o homem mais rico da Itália, mas concentra-se em seu envolvimento com a política. Depois que o sistema partidário italiano entrou em colapso com escândalos de corrupção, Berlusconi criou seu próprio partido e elegeu-se repetidas vezes com teatro público que tornou o primeiro-ministro célebre – ou infame – no mundo todo.

Os dois documentários por vezes acabam caindo na armadilha de focar nos escândalos sexuais de Berlusconi – assunto privado. Se ele organiza orgias com prostitutas com seu dinheiro, não é uma questão de Estado. Esse lado espalhafatoso do primeiro-ministro afasta o debate do que realmente importa: sua gestão da política pública italiana, a concentração de poderes em suas mãos e os riscos que representa para as instituições do país.

Dois livros recentes de intelectuais italianos renomados chamaram minha atenção. Na Foreign Policy, o jornalista Beppe Severgnini discute sua nova obra com 10 razões pelas quais Berlusconi se mantém no poder – sobretudo por meio de redes de clientelismo e corrupção.

E a Foreign Affairs publica trecho do novo estudo do filósofo Maurizio Viroli sobre a “tirania velada” do primeiro-ministro. Embora ele nunca tenha dado golpes de Estado, Viroli elenca vários motivos pelos quais o premiê ameaça a democracia, do cerceamento à liberdade de imprensa ao envolvimento com o crime organizado. O autor aponta também a fragilidade estrutural da sociedade da Itália, observando como os períodos de democracia liberal foram curtos e instáveis no país.

7 comentários:

marcos disse...

Tratar das orgias em si pode até ser invasão do âmbito privado, mas no caso do Berlusconi as acusações de prostituição de menores justificam a discussão pública.

Rodrigo disse...

O problema é que Berlusconi muitas vezes paga as orgias dele com indicaçoes para cargos publicos, favorecimentos em grandes contratos inclusive através da Defesa Civil italiana... se ele fizesse suas orgias com o proprio dinheiro e sem trocas de favores, os jornalistas sérios nao se ocupariam do assunto.

Maurício Santoro disse...

Salvem,

Não sei como a lei italiana trata a questão da prostituição de menores, mas sem dúvida a questão dos favores no Estado é um tema pública. Ainda assim, avalio que se faz muito estardalhaço em cima dos hábitos sexuais do primeiro-ministro, deixando em segundo plano atos mais lesivos ao interesse público da Itália, como a concentração de poderes.

Abraços

Wellington Amarante disse...

Olá, Maurício!

Há alguns posts atrás perguntei se você teria algumas indicações de livros sobre as relações entre diplomatas e jornalistas. Como perguntei em um post antigo creio que você não viu a pergunta. Por isso, venho reiterar minha dúvida. Agradeço novamente.

Abraços.

Maurício Santoro disse...

Salve, Wellington.

De fato, não vi sua pergunta, mas tenho uma indicação sim. Te recomendo o trabalho pioneiro de meu amigo Leonardo Valente, "Política Externa na Era da Informação".

Abraços

Wellington Amarante disse...

Olá, Maurício!

Gostei do seu adjetivo. De fato o tema não tem muita atenção dos pesquisadores.

Obrigado!

Maurício Santoro disse...

Pois é, Wellington, ele é um assunto ainda pouco estudado. No livro "Genocídio", da Samantha Power, também há boas análises a respeito.

abraços