segunda-feira, 21 de maio de 2012

Monarquias na Primavera Árabe

Na semana passada estive em Minas Gerais para participar da XXIX Semana de História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Dei uma palestra a respeito das monarquias na Primavera Árabe, discutindo por que essa forma de regime político tem se mostrado tão resistente às rebeliões no Norte da África e no Oriente Médio. Os países que enfrentam maiores turbulências são quase todos repúblicas (Tunísia, Egito, Líbia, Síria, Iêmen) com a exceção do Bahrein.

É um quadro surpreendente. Farouk, o último rei do Egito, dizia na década de 1940 que no futuro só haveria cinco monarcas: os do baralho e o do Reino Unido. De fato, em poucos anos Farouk perdeu o trono, assim como seus colegas na Líbia e Iraque. Sua irmã, a imperatriz do Irã, também foi destronada. As teorias que procuram explicar a democratização se concentram em fatores como renda e educação e pouco ou nada dizem sobre repúblicas e democracias. Como entender o que ocorre com os reis na Primavera Árabe?

Em seus componentes essenciais, as rebeliões atuais pleiteiam maior participação política para a população e a melhoria da condição econômica, sobretudo dos empregos para os jovens. Presidentes-ditadores correm muitos riscos com eleições livres: se seus oponentes tiverem mais votos do que eles, acabou seu período à frente do país. Os monarcas têm maior espaço de manobra. Irão permancer como chefes de Estado qualquer que seja o resultado das eleições e podem negociar que poderes serão entregues para os líderes do governo (primeiro-ministro, parlamento etc).

Os reis árabes não são como a rainha Elizabeth II. Eles governam, e não apenas reinam. É uma situação mais parecida com a dos imperadores brasileiros do século XIX, e sua gradação entre momentos mais autoritários sobre Pedro I até a postura bem mais liberal do Segundo Reinado. Os monarcas árabes oscilam entre o despotismo da Arábia Saudita e do Bahrein ao reformismo do Marrocos e do Catar. A Jordânia é um caso intermediário, com idas e vindas de um complexo processo de abertura, e o Kuweit tem características semelhantes.

Mas em todos casos, os reis árabes concentram o que no Brasil do século XIX seria chamado o Poder Moderador com outras atribuições-chave do Estado nas esferas do Executivo, Legislativo, Judiciário e vida religiosa. Alguns monarcas são defensores das minorias religiosas, como o rei do Marrocos (um de seus principais assessores é judeu), vendo nelas aliados fiéis, que só podem contar com o trono para sua proteção. Outros são defensores da ortodoxia religiosa, como os monarcas sunitas da Arábia e do Bahrein – nesse último caso, em fortíssimo conflito contra a maioria xiita da ilha.

As rainhas também desempenham papel importante, como exemplos de comportamento feminino que representam uma abertura controlada das tradições. As soberanas do Marrocos e da Jordânia são modernas, elegantes. Não usam véus, são altamente instruídas – a rainha marroquina (acima) é engenheira de telecomunicações e trabalhou numa multinacional antes de desposar o rei.

Historicamente, muitas potências ocidentais (sobretudo EUA e Reino Unido) consideraram monarcas e aristocratas como aliados preferenciais no Oriente Médio, por enxergarem neles a possibilidade de sistemas mais estáveis e conservadores, na comparação com líderes republicanos que usavam seu carisma para prometer amplas reformas sociais, no Egito, Iraque, Síria e Líbia. Assim, os britânicos criaram coroas para a família Hashemita na Arábia, na Jordânia e no Iraque. Os americanos apoiaram a Casa de Saud e a dinastia Al-Khalifa, Contudo, muitos reis eram tão refratários às mudanças que acabaram sendo depostos por populações sedentas por transformações. Os monarcas atuais parecem ter aprendido ao menos algo com os erros dos antecessores.

7 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Mauricio,

O atual sucesso eu acrescentaria o fato ao meu ver que as Monarquias investiram melhor (fonte The Global Competitiveness Report).

Sobre o poder moderador é verdade, mas a maioria das "repúblicas" tem de fato apenas o executivo, a falta de representação popular nos regimes é gritante, eles são feitos para um grupo tão diminuto que as antigas estruturas monarquicas parecem ter uma capilaridade maior que não tinham (tem).



Abraços,

Marcelo

"O" Anonimo disse...

Mauricio,
Bahrein nao eh um pais dominado por ortodoxia religiosa sunita. Sim, sua elite eh sunita, mas de ortodoxa nao tem nada. O Bahrein eh algo como uma Las Vegas do Golfo, onde os sauditas vao para diminuir a pressao (leia-se: alcool e prostituicao).

Maurício Santoro disse...

Salve, Marcelo.

Com certeza as monarquias do Golfo são mais ricas e as repúblicas árabes em geral são bem pouco republicanas, mas as restrições à participação também são enormes na Jordânia, Marrocos etc.

Anônimo,

A Las Vegas da região é Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

abs

marcelo l. disse...

Prezado Maurico,

Realmente ainda tem essa, eles são mais ricos, mas mesmo "repúblicas" ricas como a da Líbia tem péssimo desempenho segundo The Global Competitiveness Report mesmo em infra-estrutura, pior que a Jordania (uma monarquia) e a Etiopia (país africano).



Abraços,

Marcelo

Francisco Nixon disse...

Maurício,

De fato, é uma situação bem complexa e não é fácil compreender os reais motivos dessa surpreendente transformação.

Além de tudo o que você bem explicou, acredito ser possível incluir os reflexos da crescente influência Chinesa no continente africano, antes exclusividade do ocidente.

Abc

Maurício Santoro disse...

Caro Nixon,

É possível também, embora a influência da China sobre os países árabes seja mais forte no Sudão. O excelente filme "Syriana" começa com os chineses cortejando um monarca do Golfo, uma premissa bem interessante.

abraços

Apelido disponível: Sala Fério disse...

O extraordinário é que só permitem e até incentivam 'primaveras' em países que não são aliados incondicionais do ocidente. Ou seja: só ocorre primavera em país que tem negócios com a China e a Rússia. Nos outros, como Arábia Saudita e Emirados - monarquias tradicionalistas teocráticas - não deixam ocorrer. A mídia ocidental e as redes sociais incentivam as rebeliões onde interessa, depois armam os rebeldes até os dentes e quando os conflitos ocorrem fazem a denúncia de que 'o presidente mata seus cidadãos'. Nos confrontos morrem civis, claro, mas boa parte deles são rebeldes armados pelo ocidente, via países cooperantes da região (Turquia, Líbano, Qatar). Só cai quem eles querem que caia. É a nova versão da 'guerra fria' e do domínio mundial via revoluções - antes de milicos, agora de insurgentes que não sabem que seus países seguirão sendo capacho. Sunitas e xiitas se matando pra o ocidente enriquecer.